Dois episódios bem divertidos e intensos, o artigo demorou a sair devido a alguns contratempos. É hora de Golden Kamuy no Anime21!

Até onde o Sugimoto e os outros estão dispostos a ir para conseguir o ouro? Espancar, torturar, matar, talvez mais? Nem mesmo deveria estar questionando isso? Apesar da obviedade, acho importante comentar que uma jornada de caça ao tesouro dessas exige ações “drásticas” e se tem quem pode fazê-las esses são o Sugimoto e aqueles que o acompanham. Além disso, são todos homens que reafirmaram suas identidades por meio da violência.

Podemos ver isso com a pancadaria generalizada provocada pela explosão de testosterona do Sugimoto, a qual extrapolou todos os limites da stenka. Por que o Sugimoto perdeu a cabeça e se esqueceu de qualquer coisa ao seu redor? Ele não se encontrava no melhor de seus momentos longe da Asirpa e tendo a toda hora que seguir as vontades de terceiros, então sou capaz de entender sua reação, eu mesmo já quis perder a cabeça assim várias e várias vezes…

Enfim, toda a luta doida na stenka e a fuga do prisioneiro, assim como a caçada por ele, foi para lá de inusitada, tendo seu ápice na entrada na banya e toda a zoeira que Golden Kamuy é capaz de fazer com homens sarados dentro de uma sauna. Esse episódio teve um fanservice considerável e proposital que não é incomum ao anime, pelo contrário, costuma é ser um elemento de descontração bacana. Me faz rir, faz você?

A cena da banya foi um barato só, mas acredito que o Sugimoto fora de controle é que tenha chamado atenção, até pelo reaparecimento do carcaju e a tensão que o aparente descontrole do herói trouxe. Ele descarregou suas frustrações com violência e mais violência, mas na hora em que precisou recobrar a razão as coisas se acertaram, claro, não sem antes uma bela cena que englobou um assunto passível de comentário.

As crianças conseguiram recuperar o cachorro e tiveram que fugir do carcaju, o “discípulo” do Tanigaki até dispara a arma com a ajuda de seu mentor, “conquistando” algo que para uma criança dos dias de hoje pode parecer absurdo, mas naquela época era visto como um sinal de maturidade.

Por quê? Porque a história mostra que crianças nem sempre tiveram a mesma função de hoje. Em muitos momentos elas eram consideradas pequenos adultos, adultos em miniatura, sem a proteção a qual têm direito hoje. Ao menos não exatamente, não à toa deixam a garotinha ainu trabalhar com um bando de marmanjos e os moleques ficaram sós a noite em uma cidade estranha, coisas tratadas com a maior naturalidade.

Se era assim para as crianças naquela época, imagina para os adultos? É por isso que a história retrata tanto personagens “duros na queda”? Há lógica nisso, visto a época e o próprio gênero da historia, além da proposta ser essa, a de uma trama robusta que carece desses personagens robustos, durões.

Veja como narrativamente Golden Kamuy é um anime muito equilibrado, e na mesma medida divertido, visto as situações que cria, o que faz para justificá-las e como as aproveita para tanto contar a história de um big picture em constante movimento, quanto para aprofundar cada um dos personagens com alguma relevância e coisas interessantes a acrescentar a trama.

Uma dessas personagens, a mais importante ao lado do Sugimoto, é a Asirpa, que confia em seu parceiro original de aventuras e só deve confiar nele mesmo. porque o Kiroranke tem seus próprios planos para se aproveitar da garota e os grupos em que os dois parceiros estão agora me parecem tudo menos estáveis. É só questão de tempo até que se reúnam de novo. Sobre o encerramento, eu gostei, e você?

Partindo para o terceiro episódio, não canso de elogiar a caracterização do anime, inclusive, diferente do caso das crianças; algo não falado diretamente, apenas mostrado; se fala sobre os povos que desaparecem em meio as guerras e isso é algo que você sabe que sempre acontece se estuda história. A soberania de uma civilização geralmente significa a ruína de outra(s).

Sendo assim, é interessante pontuar a importância do contexto para o que ocorre dentro da história. Golden Kamuy é ficção que se aproveita de fatos históricos e culturais que são parte da história do povo japonês e de outros povos. O mais “engraçado” é que um desses povos vive no território japonês, mas não se identifica como tal, que é o povo ainu, para a gente ver como esse sentimento de pertencimento é complexo.

É por isso que culturas são absorvidas, estupradas e dizimadas; quando as coisas mudam e ocorre a interferência de terceiros ou um povo se adapta ou ele morre. E isso não vale só para a guerra não, mesmo fora desse contexto se adaptar é sobreviver, vemos isso com as diferenças entre ainus e até mesmo as diferenças entre grupos de uma mesma cultura. Aliás, isso pode ser usado para os próprios personagens.

A Asirpa é a chave para o mistério, mas o que esse mistério trará de bom para ela, para o Sugimoto ou para o seu povo? Golden Kamuy não já deixou de ser uma corrida pelo ouro e passou a ser uma busca pela sobrevivência de ideais particulares, ainda que alguns digam respeito a um coletivo? Eu acho que sim. É mesmo de se elogiar a maneira como as coisas se concatenam na trama.

Como o Nikaidou que quer se vingar do Sugimoto e apareceu de novo, mas e daí? Uma hora o Tsurumi vai aparecer mais e levar consigo a sua trupe de malucos para o primeiro plano da história. Inclusive, estava sentindo falta dele, gostei de vê-lo com a aparência de antes da cicatriz, mas já com vários parafusos a menos, pois o que fez pelo Tsukishima foi bem louco, ainda que faça sentido. Aliás, a história do soldado e suas reviravoltas foram o ponto alto do episodio.

Em um primeiro momento achei exagerada a permissividade para com o Tsukishima, mesmo que em tempos de guerra, mas as reviravoltas foram se acumulando e aí deu para entender o que o Tsurumi quis fazer e como seu plano podia ser questionável (vindo dele o que não seria?), mas fazia algum sentido. Com isso ele acabou ganhando a lealdade de um homem; de forma um tanto estranha, mas válida; em circunstâncias bem específicas.

Mas, por exemplo, o Sugimoto faria o mesmo que o Tsukishima se estivesse em seu lugar? Não sei, talvez, a única coisa da qual tenho certeza é que a licença poética contida na cena do Sugimoto foi simples, mas bonita. Ele abriu caminho para deixar o Tsukishima e o Tsurumi irem em frente enquanto seu amigo se esvaia. Ali as histórias deles se cruzaram, mas eles não faziam ideia que se cruzariam mais uma vez.

Porque no fim é isso que Golden Kamuy é, um amálgama de histórias tristes, e não só histórias de pessoas, mas de povos, de épocas, de relações, de guerras. É por isso que não é estranho que, ainda que indiretamente, essas histórias se conectem, se biquem. Todos aqueles na corrida pelo ouro estão em busca de algo, que pode até não ser resolvido com o ouro, mas os dá esperança, assim como um fardo.

É por isso que se trata de uma história tão boa em que muito pouco é desperdiçado. Na verdade, eu diria que nada, porque os momentos mais descontraídos e até distantes da época em que se passa a história também são importantes para ilustrar uma identidade híbrida. Golden Kamuy acaba sendo o tipo de anime capaz de agradar a gregos e troianos, amantes de animes antigos e novos, com propostas e pegadas distintas.

Por fim, esses dois episódios foram excelentes, tiveram muitos momentos cômicos exagerados, mas também muita seriedade, principalmente com a exposição da história do Tsukishima e sua amada. Uma história triste, uma história sem reparação, mas uma história pela qual faz sentido trilhar o caminho que decidiu trilhar. Um caminho sem volta, triste, mas que o mantém vivo.

Até a próxima!

  1. Que artigo maravilhoso, expôs exactamente o que eu pensei e senti ao ver o episódio 2 e 3 desta terceira temporada de Golden Kamuy.

    A esta altura do campeonato todos os que estão atrás do ouro dos ainus, irão fazer tudo e mais alguma coisa para o obter. Nesta fase, matar, torturar e sabe-se lá mais o quê é mais do que corriqueiro.

    Começando pelo segundo episódio, todo ele foi excelente, a comédia foi puro ouro, o fanservice masculino foi tanto, que por pouco não me cresceu uma barba e bigode fartos, mas se tiver que escolher uma parte que me marcou neste episodio, foi a explosão do Sugimoto. O Sugimoto desde que se separou da Asirpa que se sente culpado, não bastando isso, tudo o que ele já passou, foi o rastilho para um barril que há muito já devia ter explodido. O Sugimoto além de ser imortal é um monstro quando fica fora de si. Gostei bastante da parte em que falou do estilo de vida das criança de há cento e tal anos atrás, hoje em dia temos que ser gratos por todas as mordomias que tivemos na infância. Por fim, a parte da Asirpa a comer carne de leão marinho foi nota 10 (aliás a Asirpa em si agrega metade da qualidade do anime).

    Se o segundo episódio foi excelente, o terceiro episódio foi ainda mais além. Começando pelo Nikaido, alguém mate o pobre coitado, ele além de inválido é um viciado em morfina e para piorar, ele pensa que o seu arqui-inimigo Sugimoto está morto. Nas cenas em que o Nikaido entra, só gosto das acções do Tsurumi e das aparições do General Arisaka (o que construiu e projectou o mitico Rifle Arisaka Tipo 30).
    Senti uma pena do segundo tenente Tsukishima, filho de um criminoso, ostracizado pelas pessoas da cidade onde nasceu, e no fim perde a amada, a única pessoa que falava com ele (ela própria era alvo de chacota pelas pessoas da cidade por causa do seu cabelo invulgar). A forma como o Tsurumi planeou e orquestrou a artimanha para obter a lealdade do Tsukishima foi fria e cruel, senti um pouco de ódio dele, mas o diabo é muito carismático. A retratação das cenas de batalha e de acampamentos militares da época estiveram muito bem, sendo que a cena em que o tenente Tsurumi é atingido por uma bala de canhão foi muito bem feita. Para complementar, ainda mostram o Sugimoto perto do melhor amigo gravemente ferido, a forma como tanto o Sugimoto e o amigo cederam o trenó para o Tsurumi e para o Tsukishima doeu. Ali foi o fim de uma grande amizade e o começo do sofrimento do Sugimoto e da esposa do amigo, que outrora foi o primeiro amor do Sugimoto.

    Mais uma vez tenho que destacar que Golden Kamuy se tornou um projecto de amor para a staff que faz o anime, as melhorias são muitas e boas.

    Como sempre mais um excelente artigo Kakeru17.

    • Só você mesmo para complementar tão bem um artigo de anime Kondou. Agradeço o comentário e vamos que vamos na sequência desse anime excelente e louco!

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