Até que eu achei o reencontro do trio ternura emocionante, mas, convenhamos, tem muita coisa mais importante a comentar nesse episódio, foi uma enxurrada de informação e possibilidades abertas que tornou a trama certamente mais interessante, mas, por outro lado, também mais previsível. E por que previsível? Comentarei mais a frente, leia com atenção (desculpa o textão), é hora de Neverland no Anime21!

A história do Norman ter sido enviado para uma fazenda especial (na verdade, uma espécie de laboratório de testes) , a Lambda, foi interessante e se não me engano ocorre algo assim no mangá, a diferença é que não sei se lá ele foge e reúne aliados da mesma maneira (nem li mais nada do mangá como disse que faria), o que na realidade nem é relevante, o importante é pontuar como a construção da volta dele é toda simples.

Mas antes de ir a fundo nesse aspecto, primeiro precisamos falar do plano do Norman e de como ele também era previsível dada a construção que vinha sendo feita com a Emma se sensibilizando com os demônios. Quer coisa melhor para gerar conflito que fazer as vontades de dois personagens chave da história se chocarem? Lembra quando foi revelado que o Ray era um agente duplo e de como isso “apimentou” o anime?

Enfim, enquanto o Norman foi falando a Emma foi demonstrando um claro incômodo com aquelas colocações dele, o que pode não ter ficado claro para os outros personagens presentes na cena, mas pela posição da câmera no rosto dela e as sutis expressões que fazia deixou claro para o público. Isso não foi nada surpreendente, pelo contrário, deveria ser assim para manter a coerência, pois a Emma não quer promover um genocídio.

Ainda que a ideia seja dar um poçãozinha para os demônios para fazê-los não terem mais inteligência, se eles se matarem esse sangue estará nas mãos do Norman e dos outros. Aliás, mais nas dele já que mais uma vez o garoto puxa a responsabilidade para si assumindo uma figura de “chefe” que catalisa os ideais e também a responsabilidade pelas ações. Pode soar heroico o que o Norman está fazendo, mas não deixa de ser…

Cruel. Matar (ou induzir a isso) indiscriminadamente com a justificativa de que você foi machucado, de que também mataram dos seus, faz de você alguém também horrível, doentio até. Sei que a violência do oprimido não é o mesmo que a violência do opressor, mas isso quando esgotam as opções, e entendo que o Norman e nem ninguém mais possa dialogar com os demônios nobres, mas, por exemplo, e com a Mujika, não dá?

Antes de me alongar sobre essa discussão vou tentar tecer meus comentários de maneira linear, então preciso comentar a conversa da Emma com o Ray e o que se sucedeu a ela. Essa segunda metade do episódio, especificamente essa conversa deles, foi com certeza o ponto alto desse sexto episódio porque com ela conseguimos ver muitas coisas legais sobre esses dois personagens, mas também sobre como o roteiro faz as coisas.

Por exemplo, não foi incomum a Emma se sentir até constrangida em expor seu desconforto, pelo contrário, é de se entender a dificuldade dela em dizer que não queria matar todos os demônios depois de tudo que aconteceu. Enquanto isso, o Ray já demonstrou tanta capacidade de observação daqueles a sua volta que não estranha ser ele a acessar a Emma e deixá-la a vontade para desabafar, para dizer o que sentia.

Isso é ainda mais compreensível depois de todo o perrengue que os dois passaram juntos após a suposta morte do Norman, isso os aproximou, e o Ray sabe que, diferente do Norman, por mais que seja inteligente a Emma não consegue ser insincera. Ele já a observa de perto há anos, é o braço direto da garota, a conhece como ninguém; então é normal que perceba quando algo a inquieta e conheça melhor a sua índole.

Enquanto o Norman sumiu por um bom tempo, viveu outras experiências e chegou falando em matar seres inteligentes indiscriminadamente; tornando fácil decidir em quem ele pode confiar mais. E o mais interessante disso tudo é que em nenhum momento o Ray diz concordar com a Emma, mas, ainda assim, isso não significa que ele não possa ajudá-la, que ele não confie no discernimento e na bondade dela.

Isso acaba caindo sim no clichê do herói (aqui heroína) meio cabeça oca que não pensa friamente e segue mais o coração, influenciando os outros. Mas, mesmo nisso, acaba sendo uma construção super bacana pela maneira sensível e inteligente como é feita. Não é porque a Emma catalisa os esforços daqueles ao seu redor que deve impor suas vontades, e não é porque o Ray pensa friamente que não pode priorizar seus laços afetivos.

Acabei me alongando um pouco, então vou correr com o resto do que aconteceu nesse sexto episódio, que foi basicamente a forma um tanto estranha como a Barbara reagiu ao desconforto demonstrado pelo Ray e pela Emma e o cliffhanger estilo Light Yagami do Norman ao falar sobre uma figura desconhecidas aos amigos em tom misterioso. Essa ceninha do Norman foi meio boba, não agregou nada, mas a da Barbara…

Eu entendo a reação dela, todo o ódio que ela e os outros sentem e querem botar para fora se vingando dos demônios, mas a maneira como a garota em específico pulou para conclusões por um mero desconforto (que poderia ser só nojo pela carne de demônio ou incômodo pela atitude dela mesmo) não me agradou mesmo se o sistema nervoso dela estiver zoado, pareceu forçado, para fazer com que entendessem logo o que os protas queriam ali.

Além disso, que apelo emocional esses personagens, que surgiram do nada, têm em comparação com a Mujika e o Sonju, os quais apareceram por mais tempo e deram um contraponto (ainda que com suas ressalvas) interessante sobre a “humanidade” dos demônios? Mas o que me incomodou nem foi tanto isso e sim como o cenário mudou de figura para as crianças rapidamente, e os novos personagens acentuaram isso.

A história da Mujika deu o pontapé inicial ao sétimo episódio e posso escrever que gostei dela ser um demônio especial, meio que a exceção que comprova a regra de que os demônios precisam devorar humanos para roubar-lhes a inteligência. Isso não torna o discurso do Norman frágil, pois mesmo que a Mujika possa fazer a diferença, ainda assim, ela é só um demônio, e um que já está calejado com as cretinices da sua raça.

Demônios são como humanos, igualzinhos, é só terem inteligência que passaram a botar suas vontades, seus prazeres, em primeiro lugar, em detrimento de qualquer consciência sobre outra classe. Os humanos fariam o mesmo? Não sei se exatamente igual, mas não já fizeram isso várias vezes ao longo de sua história, mesmo que em escalas diferentes? A gente entende os demônios fácil e, convenhamos, é hipocrisia julgá-los.

Porque, por exemplo, não podemos esquecer que os humanos do outro lado deram humanos em troca da promessa, do pacto de não agressão mútua, só para a gente ficar no que sabemos sobre a sociedade humana que, de maneira muito previsível e cruel, só pode ser acessada da Grace Field House (olha aí o fim sendo o começo). Percebeu como vários detalhes da construção desse cenário foram previsíveis e até convenientes?

O personagem que teve uma suposta morte, tão misteriosa que dava a entender que não era morte coisa nenhuma, voltou e contou o que passou sob um tom de muito mistério, imediatamente expondo um plano que se choca com o que vinha sendo trabalhado para a heroína, gerando um conflito novo que dará forma ao desfecho da trama se utilizando de personagens apresentados anteriormente com essa intenção.

Isso não é exatamente um demérito da trama, talvez seja o contrário dada a falta de tempo por uma única temporada ter sido dada para dar fim a história. O detalhe é que inegavelmente é uma saída coerente para a obra, mas relativamente simples ou simplificada dada a falta de tempo. É o preço a se pagar por um mangá que decaiu de popularidade e vendas em sua segunda fase, tornando interessante só mais um cour animado.

Não que o caminho trilhado pelo mangá seja muito diferente ou melhor, mas é quase certo que com mais tempo dois episódios de meio de temporada não precisariam ter uma carga tão grande de informações e revelações, as quais em alguns momentos foram apenas enfiadas goela abaixo do público. Isso me incomodou um pouco, essa virada em 360 graus que a história deu, partindo da estagnação total para a revolução.

Em todo caso, voltando ao trio de amigos, a conversa que eles desenvolveram foi bem legal, pois deu também para entender a razão do Norman e como ele continuava a agir da mesma forma que o levou a ser enviado, tanto é que não consigo comprar completamente a ideia de que ele quer mesmo o que declara para seus subordinados. Posso estar sendo inocente, é verdade, mas não parece que ele só quer carregar todo o fardo?

Além disso, o que é revelado sobre ele no final do episódio reforça essa minha impressão, visto que sua tentativa de resolver tudo de maneira simples e sujando só as suas mãos, ou mais elas, pode ser a forma que ele decidiu partir, deixando aqueles que ama, na medida do possível, bem. Depois daquela enorme death flag que foi ver ele cuspindo sangue e ficando tonto tem como não achar que ele está apressado por isso?

No fim, acho que ele omitiu dos amigos que também foi alvo de testes, assim como seus companheiros que precisam de remédios para ficarem estáveis, e que não tem mais muito tempo de vida, vestindo a carapuça (ou querendo fazer isso) do herói trágico que precisa sujar as mãos a fim de diminuir o fardo para aqueles que deseja proteger. Não é como se ele se importasse com seu futuro, pois não há mais um futuro para ele.

O demônio grandão e os experimentos todos que eles estavam fazendo foi só algo para apelo visual, não surpreendeu e nem me incomodou, diria até que o Norman não ter feito uma expressão maldosa apelativa me agradou bastante porque dá mais margem ao que teorizei, que ele não está exatamente confortável com o que está fazendo, que não está sentindo prazer em sua vingança por o extermínio não ser bem uma.

Claro, parece demais uma vingança, mas, sejamos racionais aqui, se ele está morrendo e nada garante que o mundo humano receberá os humanos do lado deles de braços abertos, não é mais simples criar uma casa para eles ali mesmo? Obviamente que é mais “simples” porque ele tem a tal poçãozinha “mágica”, mas dado o aparente desespero de sua situação eu também consigo enxergar sentido no que ele está fazendo.

Isso não significa que eu concorde, mas se o personagem está convicto em seguir por esse caminho, não importa se eu o ache atroz ou não, e sim que ele seja escrito com coerência. E eu acho que o Norman está sendo, toda a construção dele (por mais que eu ache sua fuga da Lambda, seus aliados e sua sentença de morte um tanto convenientes) aponta para o que ele está fazendo, repetindo sua tentativa de ser o herói trágico.

Enquanto isso, a Emma não quer ser uma heroína trágica, mas uma heroína justa, e para tanto ela acaba revelando que conhece o Sonju e a Mujika e faz um acordo com o Norman, sendo previsível que ele declarasse para seus subordinados não ter a intenção de segui-lo. Retirar a inteligência dos demônios, mas, principalmente, se livrar do deus ex machina em potencial que é a Mujika, são coisas que ele tem que fazer para que seu plano dê certo.

Para isso ele tem que mentir para a Emma e imagino que isso o incomode, mas, honestamente, ela entendeu o lado do Ray quando descobriu que ele era agente duplo, certamente entenderá toda a jornada cruel que o Norman impôs a si a fim de fazer justamente o que ela quer fazer, só que de maneira diferente, dando ainda mais de si. E sabe o que é mais legal? A abordagem distinta dos dois diz muita coisa.

Enquanto o Norman revela a “verdade” para sua família, mas esconde o peso que está carregando a fim de não só não preocupá-los, mas também não expô-los ao risco; a Emma abre o coração e deixa bem claro o que deseja, ganhando a simpatia e obtendo a compreensão de seus irmãos muito mais por exemplos simples e o carisma dela que qualquer outra coisa. O que achei ótimo, faz sentido que a sigam “só” por isso.

A “máscara” que o Norman veste, bem representada na figura de chefe que exerce para seus companheiros rebeldes, vem justamente para isso, para distanciá-lo da simpatia do público, do calor que a Emma provê com sua sinceridade, fragilidade e bondade. É por isso que o ponto de vista dela deve prevalecer, pela construção mais coletiva que ela faz de seus problemas. Inclusive, melhorando um defeito seu, de tentar resolver tudo sozinha.

Uma cena que reforçou isso foi a dela pedindo a ajuda do Don e da Gilda para encontrar o Sonju e a Mujika em uma sequência que por sinal foi muito boa desde o momento em que o canal de comunicação franco foi aberto com as crianças até o aproveitamento da boba cena que dá início a segunda parte do episódio e indica onde os demônios importantes devem estar. Nessas minúcias Neverland segue fazendo um ótimo trabalho.

Acho que é até por isso que reitero que o desenrolar da trama está sendo bastante previsível, mas isso não significa que esteja ruim. Eu questiono e desgosto da maneira um tanto abrupta como chegamos a isso, a essa impasse colossal entre dois dos três protagonistas, mas não desgosto do impasse em si, até pela distância que os personagens têm dos demônios, não dando para chocar ideias com eles diretamente.

Por fim, quem o Norman viu ao ser enviado? Foi o tal Smee que ele havia citado antes? Não sei, só o que sei é que mantenho a minha fé de um bom final para Neverland não importando se ele será simples e previsível dado o que a trama nos entregou nesses dois últimos episódios. Talvez um final aquém para o hype que o anime tinha em sua primeira temporada, mas não se pode ter tudo, no máximo dá para exigir algo bom.

Porque Neverland entregou uma ótima primeira temporada e esta, por incrível que pareça, tem sido diferente do mangá, mais dinâmica, e talvez até por isso imagino que esteja tendo uma recepção melhor. Essa segunda temporada dá menos voltas, por exemplo, não sei se no mangá a Mujika tem a mesma importância que foi dada a ela no anime, mas se não tiver, é de se destacar ainda mais a opção por ela como “saída”.

Entretanto, também não posso fechar meus olhos para como esse “dinamismo” de Neverland cobrou um certo preço, tornando esses dois episódios um amontado de acontecimentos, alguns deles tendo um cuidado menor quanto a clareza e qualidade das explicações. Ainda assim, não desaprovo o palco que está sendo montado para animar um desfecho para a história, mas também não sou um completo defensor dele.

Sem querer ser repetitivo, talvez o anime seja só uma simplificação do mangá, o que não é exatamente um demérito. Traz uns problemas consigo, mas pode mesmo ser a forma mais razoável de encerrar essa bela e triste história, ou você espera que o Norman sobreviva e os demônios passem a coexistir com os humanos em imediata harmonia? No máximo um ou o outro, os dois não dá. São quatro episódios para muitas questões, vamos ver se dão conta.

Até a próxima!

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