Porventura de um acaso, chegamos ao nono filme da franquia One Piece, sobrevivendo a uma situação catastrófica que se propaga no mundo real ao nosso redor, encontramos refúgio na distração agridoce que dissemina a felicidade mínima para que a sanidade prevaleça.

 

 

Assim como o oitavo filme, o qual retrata a saga de Alabasta, o nono, por sua vez, retrata a saga de introdução e contextualização de Chopper, o nosso adorado médico de nariz azul que é apaixonado por algodão doce.

Entretanto, esse filme de One Piece é completamente diferente do anterior, mesmo que sua proposta seja retratar uma história já contada e conhecida, ele ousa e inova, é um filme rebelde que não apenas nos conduz pelo já conhecido cenário da ilha de Drum, onde Chopper nasceu, cresceu e aprendeu suas habilidades medicinais, assim como conheceu e interagiu com épicos personagens do universo de Oda, tais como Hiluluk e Dr. Kureha, como expande, para além da nostalgia e do adequado desenvolvimento condensado desse arco, uma releitura e uma reconstrução do contexto ante ao qual ele floresce.

 

 

Primeiramente, temos que levar em consideração que nesse spin off paralelo ao cânone, que o espelha, mas o distorce, Chopper não entrou no bando antes de Nico Robin e de Frank, mas sim depois destes, e ainda mais, nesse filme o Going Marry já não está presente, cedendo sua digna e heroica função ao Sunny Go. Sim, o filme se passa sobre os mesmos pretextos e gatilhos já conhecidos. Nami fica doente e febril, abatida por uma misteriosa condição que a nocauteia imediatamente. O bando, em extrema surpresa e desespero, teoriza medidas das mais diversas para curar a companheira, é claro que, todas elas são fúteis e piadas prontas.

Não há escapatória, eles precisam de um médico, e como não podem esperar que um caia do céu, aportam na primeira ilha que encontram e começam a caçada em busca de ajuda. Os papéis desempenhados por Robin e Franky são singelos e de suporte, não oferecendo real interferência na condução central da história, e mesmo Zoro acaba por se apagar frente ao objetivo central do filme, o qual é, acertadamente, contar a história de Chopper, apresentar o seu passado e as suas circunstâncias para que efetive a sua conexão com os Mugiwara e seja por eles acolhido em seu bando.

 

 

Ao recontar a jornada de Luffy pela ilha, que não apenas é o responsável pela segurança de Nami, mas em certo ponto, até mesmo é convidado a salvar a vida de Sanji, nos deixa extremamente satisfeitos, como fãs e como espectadores leigos. É claro que o filme não consegue transmitir exatamente a mesma intensidade dessa jornada como a sua apresentação original, mas é muito bem ordenado e satisfatoriamente trabalhado, todos os momentos chaves readaptados da história original.

A ambientação e os personagens mais secundários do local, como Dalton, acabam sendo simplificados, os seus conflitos e dilemas, a sofrimento causado por seu Ex Rei Wapol, são apenas pincelados de leve, como um amargo passado e um infortúnio presente, mas não tem real ênfase no transcorrer da narrativa.

Mesmo Wapol, o vilão original, acaba por ser esvaziado e perde o protagonismo para um novo personagem recém introduzido, o seu irmão, Musshuru, que desempenha, em seu lugar, o papel de real oponente e vilão. Entretanto, nenhuma dessas mudanças e modificações de tom ou ênfase, nenhum dos elementos introduzidos que alteram essa nova versão da história, realmente a prejudicam, na verdade, é até surreal o como tudo isso funciona bem nessa narrativa paralela que reconta uma história sem respeitar os seus elementos originais.

 

 

Todas as subtramas reconstruídas se mantém de pé, adequadamente sublinhadas e suficientemente contrastadas com a espinha dorsal da obra, a menção do ataque de Barba Negra a ilha, o qual fez com que Wapol fugisse da mesma, abandonando o seu reino, a menção do terror por ele causado a população local em seu reinado repulsivo sobre a região, as cicatrizes por ele deixadas e a superação e resiliência da população local, algumas coisas podem ficar superficiais frente ao objetivo do filme em si, mas mesmo assim não senti real incômodo em como a história foi contada.

O filme se estrutura como um filme, nos apresenta um conflito, uma aventura e a concretização da mesma, temos o Luffy defendendo os seus amigos e efetivando novos laços com os habitantes locais, temos a esmerada apresentação do passado de Chopper e do Ex ladrão, e agora médico fajuto a beira da morte, Hiluluk, e mesmo Kureha e os médicos coagidos por Wapol tem seu momento de destaque adequadamente apresentado.

 

 

O central no filme é de fato a reconstrução da jornada de Chopper e o legado a ele deixado por Hiluluk, é claro que não consegue atingir os mesmos níveis de dramaticidade que o anime original conseguiu, mas efetiva muito bem a nova proposta, conseguindo sim cativar e passar a mensagem entre esse novo cenário levemente diverso de seu antecessor.

Considero que o filme consegue de forma competente desenvolver o seu objetivo, e faz funcionar a linguagem cinematográfica da animação, mesmo com elementos novos e uma reconstrução de eventos e situações, ou seja, me surpreendeu positivamente, e o que me surpreende ainda mais não é o fato de o filme ser um grande filme, o que não é o caso, é o fato de conseguirem fazer funcionar esse modelo híbrido de fugir ao cânone sem o abandonar, de inflar e ao mesmo tempo respeitar o material original, conseguindo o feito de homenagear e de criar uma identidade própria a obra, um spin off alternativo e funcional, não sendo um recorte ou uma repaginação estéril, mesmo que esteticamente bonita e impactante, como o filme anterior.

 

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