A Nomi é uma técnica meio “sisuda” e não vejo muito como ela poderia ser diferente, afinal, foi forjada na dificuldade e o exemplo que tem de técnico é outro casca grossa. Apesar de que sim, foi exagerado ela obrigar as jogadoras a fazerem flexão a cada errinho, mas Cramer já mostrou mais de uma vez que vai ter esses escapes cômicos exagerados mesmo e que vai ser bem agitado dentro do objetivo apresentado.

Nomi quer moldar a nova geração de jogadoras que levará o Japão além e para isso decidiu não começar com atletas “profissionais”, mas com as jovens, o que se justifica pela carência que a modalidade tem, mas também pelo desejo dela de retornar algo a comunidade na qual surgiu para o futebol. Faltam mais pessoas como ela no mundo, que amam o esporte e estão dispostas a mostrar que o futebol feminino tem futuro sim!

Antes de mais nada, você sabe o que é a Bundesliga? Sabe o que é a Frauen Bundesliga? Sabe quais são os maiores times do futebol feminino alemão? Kakeru também é cultura do futebol, então vamos a algumas breves informações.

Bundesliga é o nome dado ao Campeonato Alemão desde 1962, Frauen (que significa “mulher” em alemão) Bundesliga é o nome do Campeonato Alemão Feminino fundado em 1990 (mas unificado, antes era disputado por região, em 1997). O maior campeão nacional é o Frankfurt, com 7 títulos, e em segundo vem o Wolfsburg, empatado com o Turbine Potsdam, ambos com 6. O Frankfurt tem 4 taças da Liga dos Campeões Feminina, enquanto o Wolfsburg e o Turbine Potsdam possuem 2 cada.

Sendo assim, não sei em que ano a Nomi ganhou a Frauen Bundesliga, mas deve ter sido em um desses três times. Aliás, vale nota de que o país com mais títulos da Champions Feminina é a Alemanha, além do profissionalismo estar estabelecido por lá há décadas, o que nos dá uma noção de como o futebol alemão feminino é evoluído em comparação ao japonês e de como a Nomi foi uma das grandes na sua geração.

Enfim, antes de falar sobre o amistoso marcado e a equipe rival, gostaria de pontuar duas situações que não me desagradam exatamente no anime, mas atestam algumas coisas. A primeira são as constantes referências a figuras masculinas do futebol que foram citadas no anime até aqui. Não que isso seja exatamente um problema, mas pensa aqui comigo, não é um problema não ter referências femininas as quais admirar no esporte?

Isso fala mais sobre a modalidade que sobre o anime, afinal, não duvido que as estudantes que jogam futebol no Japão não vejam a liga interna, que ainda vai se profissionalizar, e nem campeonatos de outros países ou internacionais. Na verdade, isso deve rolar em outros países também e é um problema muito complexo que envolve a mídia e o acesso as transmissões, mas também a cultura do futebol feminino como um todo.

Posso estar falando besteira, mas o abismo de cobertura midiática entre as modalidades é tão grande, pelo menos aqui no Brasil, que faz com que eu compre a ideia de que é muito por isso que as referência mesmo das jogadoras sejam os jogadores de sucesso e não uma Marta, Repinoe ou Harder. Aliás, você sabe quem são essas jogadoras? Pelo menos a Marta você conhece, mas quantas rompem a bolha? Fica o questionamento.

O segundo ponto é a caracterização egoísta, espalhafatosa e desajeitada da centroavante Aya, a qual eu adoro, mas acho que passa um pouco do ponto em alguns momentos. Até entendo usar esse estereótipo de camisa 9, mas uma hora ela vai ter que ser levada a sério, né? Pelo menos quando ela se perde na ida ao restaurante de okonomiyaki da treinadora é passada a ideia de que precisará melhor sua noção de localização.

Imagino que falem mais sério sobre ela nos próximos episódios, mas confesso que me divirto com sua babaquice. O mesmo não posso dizer da animação meia boca do anime e da ideia genérica que é colocar as protagonistas de frente as melhores no esporte em que competem. Pode até ser um choque interessante e que trabalhará a favor de evidenciar a evolução das heroínas mais a frente, mas foi meio conveniente, né?

Ainda assim, posso aproveitar isso para comentar outro ponto que me chama atenção no futebol feminino, a ocorrência de muitas goleadas, que eu acredito se justificar muito pela preparação e metodologia de treinamento bem acima de alguns times em comparações a outros. O Warabi tem grandes jogadoras, mas ainda é um catadão (a nova técnica ainda não implementou nada), enquanto o Kunogi é um time top de linha.

As garotas são meio que a base da sub-17 feminina e eu posso até não gostar do desafio do técnico, mas o jogo mostrou que não era soberba pedir uma goleada de dois dígitos e um clean sheet, que é um jogo sem tomar gols. Além disso, outra coisa que me fez ver certa lógica no direcionamento que o jogo teve e em seu resultado foi a forma de jogar do adversário, que teve uma exposição bem bacana.

Sou viciado em futebol, então gostei dos comentários dos envolvidos no entorno, os quais deram um bom quadro geral do que cada time fazia em campo e de como isso justificava a superioridade no placar. O Kunogi é um time que joga com a posse de bola, propondo o jogo e com uma baita sincronia justificada pelo trabalho de longa data que tem com um técnico prestigiado no futebol feminino adulto. Treinou a Nomi, afinal.

Enquanto o Warabi mal começou e já partiu para a ação com algumas jogadoras acima da média, mas um jogo coletivo quase nulo. Aliás, apesar de ter motivo no caso da Nomi, por que o ex-técnico dela, que é alguém grande no meio, não está treinando um time de adultas ou adultos? Será que a ideia da Nomi teve também influencia dessa figura e que os dois partilham da opinião de que a base deve ser mais “polida”? Pareceu ser isso.

Ainda assim, é um clichê ter duas figuras de peso no banco do melhor e de um dos piores times, porém, quem sabe em algum momento isso não seja melhor contextualizado? A questão é que mesmo esquecendo a animação, que chega a ser esdrúxula em alguns trechos, estou achando a trama um pouco confusa. Dá para entender que a Onda é a protagonista, mas a Soshizaki e a Suo, principalmente a primeira, “roubam a cena”.

Na verdade, diria que as três são as principais e que estou sentindo falta da capitã do time, outra personagem que merece um tempinho de tela, se duvidar mais que a paspalha da Aya. Quem já não merece qualquer destaque é a animação, que deixa a desejar em muitos momentos, ainda mais em um jogo completo como os dois episódios cobriram e que foi bem movimentado, apesar da animação ter tudo menos grandes movimentos.

Repito o que falei no artigo da estreia, quando a câmera se aproxima dos pés das personagens em momentos de domínio de bola e passe até dá para desanuviar um pouco desse problema, mas quando a tela se expande e é preciso passar a ideia de movimento durante um pique ou uma jogada mais complexa, a produção passa recibo de que não só tem poucos recursos, como não é capaz de disfarçar suas deficiências.

Se Cramer não fosse tão “feio” poderia até dar uma nota melhor porque as personagens são bem cativantes, a dinâmica de jogo é divertida e, apesar dos velhos clichês de sempre de animes de futebol, dá para se envolver com o jogo e com o que o jogo representa para elas. O problema é que com essa animação não tem boa vontade que não desanime. As garotas mereciam mais, até animação estática, mas não ridícula em alguns momentos, valeria.

Enfim, voltando ao jogo, pode ter parecido que a individualidade das jogadoras é que fez a diferença, e acaba que em parte foi isso mesmo, mas no caso do Kunogi isso só foi possível pelo trabalho coletivo de alta qualidade empregado pela equipe, muito superior ao do Warabi, que mais se fechou na defesa e reagiu ao jogo do Kunogi que qualquer outra coisa, por uma questão óbvia. Inclusive, o Warabi se apoiou na individualidade para marcar no fim.

Algo que não curti foi o fascínio da Onda com o jogo de suas adversárias, a caracterização disso foi muito boba, porém, o que saiu disso foi excelente, visto que no segundo tempo ela entrou de vez no jogo e a qualidade do time no segundo e último terços do campo melhorou muito. Aliás, essa questão de motivação também se relaciona ao questionamento do técnico (ele não deveria ter caído fora e ser o “ex”?) do time antes da Nomi.

Ele questiona se o futebol feminino tem futuro e eu não tenho dúvida alguma da resposta, mas pelo que a Marta diz em seu apelo que trouxe no artigo de primeiras impressões, a continuidade da modalidade depende, infelizmente, demais de suas atletas. Não que seja ruim se esforçar pelo esporte que você pratica, não é isso, mas pela precariedade da modalidade acaba que essa responsabilidade sobrecarrega as atletas.

Inclusive, é dito que a Onda acende seu desejo de se tornar profissional no segundo tempo desse amistoso, o que encaixou com seu ímpeto e sua demonstração absurda de ousadia e talento, além de seus questionamentos anteriores. Para conseguir se tornar profissional e derrubar tantas barreiras a vista ela vai precisar do espírito que demonstrou durante todo o segundo tempo do jogo e não a falta de interessante que a acometia nos treinamentos.

Se mais Ondas surgirem e se estabelecerem a modalidade só tende a crescer, talvez até mais rápido do que se desenvolveria normalmente, e isso em Cramer é muito legal, essa visão de futuro sobre a modalidade, de objetivo comum que une companheiras e rivais em algo muito maior que apenas elas mesmas. A mensagem que o anime passa com isso é muito importante, ainda mais em ano de profissionalização da modalidade.

Contudo, será que essa animação meia boca vai motivar as pessoas a acompanharem a WE League? Não que o anime tenha apenas essa intenção, mas com certeza essa também é a intenção, né. Menos mal que tem as Olimpíadas e que esse campeonato um bocado de gente deve ver. Ainda assim, mesmo com todos esses problemas, o anime consegue empolgar em uma partida? Eu acredito que sim, conseguiu nesses episódios.

Mas claro, muito se deveu a ânsia pelo gol que o Warabi “plantou” no decorrer do jogo e que se intensificou depois que a volúpia do Kunogi abaixou. Essas nuances do jogo, o embate constante entre a motivação e o desempenho, foram muito bem exploradas principalmente no terceiro episódio, o qual se aproveitou muito bem da ganância da camisa 8 pelo gol, inclusive, explorando outros pontos de vista sobre o tento.

A Suo, a camisa 10, não queria marcar e a lógica por trás de seu corpo mole no ataque certamente é antiesportiva, porém, o desejo de mostrar seu valor da Onda, a camisa 8, não deixou ela se acomodar pensando no futuro e sim encarar de frente a possibilidade de ser notada por esse gol, sem deixar de reconhecer a própria inferioridade momentânea, mas mostrando que era só coisa de momento mesmo.

Se ninguém entra em campo achando que vai perder, também não entra pensando em um outro jogo que pode nem acontecer. É o orgulho das atletas que está em jogo nesse caso e a discussão das duas, assim como a mudança da Suo motivada pela bronca que levou da Onda, foi uma das coisas mais legais desse episódio. Dane-se o pragmatismo, o futebol é bom justamente pelo desafio dos Davis aos Golias de cada dia.

Esse artigo já está ficando longo demais, então vou tentar concluir o quanto antes. Tem outras duas coisas que não gosto em animes de futebol que se repetem em Cramer e valem a citação, uma são as conversas longas demais para um jogo no qual não se para o cronômetro e a outra é o “sacrifício” da marcação em prol do roteiro. Na verdade, depende do estilo de marcação do time, mas sério que ninguém marca em zona não?

Digo, a lateral direito do Konugi (que, inclusive, é uma baita de uma jogadora) marca a Suo, que é a ponta-esquerda do Warabi, e até aí tudo bem, mas em algumas cenas dão a entender que as marcações ou são individuais ou mudam de acordo com quem tem a posse de bola. Não é como se isso fosse o fim do mundo, né, mas hoje em dia os times de ponta usam marcação por zona, não há duelos individuais “convenientes”.

Mas tudo bem, isso é um anime, sei que não posso pedir muito mais. Vale mais o destaque a Ito, uma meio-campista de primeira que se encanta com o futebol de toque de bola e criatividade da Onda. Tá na cara que elas vão jogar juntas na seleção japonesa, na base e/ou no profissional, e devem se aproximar, quem sabe através da rivalidade em um primeiro momento, afinal, uma deve querer vencer a outra nos torneios vindouros.

Só achei uma lástima que venderam tão bem com palavras a ideia da Itou ser uma craque de bola, mas a animação não deu vazão a isso. O mesmo vale para todo o resto, aliás, menos mal que na hora mais importante a Onda tirou um coelho da cartola para marcar o gol. Se o anime não foi bonito, pelo menos ainda deu para comprar a ideia do quão incrível e belo foi aquele movimento. Olha o recurso individual aparecendo aí de novo.

E o mais legal com esse gol foi o sentimento de desafio, de derrota, que ele vai trazer as garotas do Konugi, afinal, talvez o técnico cumpra mesmo a ameaça e as deixe esquentando banco, além de que, para um time que se propõe a ser vanguarda no futebol feminino estudantil japonês, incomoda tomar um gol de um verdadeiro catadão que era o Warabi nesse jogo, e isso mesmo com a goleada a favor no placar.

Quanto mais no topo você chega em um meio maior é a queda, mesmo nos pequenos detalhes. Mas, por outro lado, isso deve deixar o Konugi super alerta para enfrentar o Warabi no futuro, o que também vai pressionar a Onda e as outras a treinarem e melhorarem muito, mas muito mais, assim tornando a trama potencialmente mais interessante. Imagina o jogo feio, mas legal que deve ser a revanche entre essas escolas?

E o mais legal de toda essa construção é que vários dos fatores que influenciam no desempenho em campo foram tratados com seriedade pelo anime, como o fator anímico (que sempre tem um peso quando você tem o placar a favor), a participação do banco (que faltou matar a Aya e com razão kkk) e a pressão invisível que as atletas colocam em si para alcançar seus objetivos; o Konugi não tomar gol, o Warabi fazer.

No final, foi uma partida bem divertida e interessante que explorou muitas coisas bacanas sobre o esporte, apesar de ter mantido boa parte dos clichês desse tipo de anime. Quanto ao foco distribuído entre as heroínas, acaba que, apesar da Onda sumir em momentos do anime, ficou cada vez mais claro que ela é o ponto de equilíbrio da obra. Contudo, a Soshizaki (a mais carismática de todas) e a Suo, e talvez até a Ito, dividirão holofotes.

Por fim, foram episódios legais, mas que poderiam ter sido melhores com uma animação melhor. A técnica já mostrou o quanto tem parafusos a menos, mas, honestamente, para fazer esse time dar certo, talvez a rigorosidade e ousadia dela sejam o melhor caminho, afinal, em termos de entorno o Warabi nunca deve se igualar ao Konugi, mas dentro de campo o jogo é jogado e esse time vai dar liga, não “Superliga” hahahahaha…

Até a próxima!

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