Uma breve pausa para recobrar o fôlego e degustar a tristeza. Nessa semana lhes trago a resenha de um OVA fantástico de contemplação. Uma obra que se sustenta pela narrativa surreal de uma realidade mágica e despretensiosa, à qual nos conta a história do pulo de uma baleia.

 

 

Kujira no Chuyaku é singelo, acompanhamos um menino em um navio que por acaso avista o exato momento em que uma gigantesca baleia salta para fora da superfície do oceano, rasgando o céu por um instante e adentrando a imensidão submersa das águas.

Esse garoto é um espectador, sua emoção é efêmera, insubstituível e marcante. Por outro lado, em um paralelo dimensional que coexiste com a realidade cronometrada da existência, temos um senhor e seu gato de estimação. Ambos caminham sobre as águas como se estas fossem um vidro eternamente sólido.

O tempo corre de maneira diversa nesse universo cindido ao qual o velho e o seu gato pertencem, é um cenário onde a lentidão é tamanha, que a viscosidade do líquido que conhecemos como oceano, se cristaliza em um vitral de imensidão incalculável.

 

 

Para os habitantes desse paralelo, os quais em loco se movem normalmente como se nada fora da ordem se manifestasse, interagem com os lentos e impotentes habitantes do universo outro, semelhante ao nosso, onde habita o garoto e o navio que o abarca.

Os peixes que saltam das ondas são o alimento, ou mesmo os que se escondem abaixo do vítreo oceano esmeralda. Esquimós do tempo. O velho percebe o evento que se desencadeará, o salto esplendoroso da baleia.

Junto ao senhor, diversos habitantes desse universo cindido se aglomeram para apreciar o espetáculo. Dentre eles, um pintor que registra por dias o fenômeno, casais, músicos e pessoas com histórias particulares narradas brevemente.

 

 

Conhecemos um auxiliar de aventureiro cujo mestre desapareceu pelo submerso oceano para nunca mais voltar, um senhor que cochila ou os demais entusiastas de certa idade e certa habilidade.

Elementos de fantasia surgem naturalmente, tal como a conjuração de fantasmas artísticos feitos da cristalina água marinha, que agora pode ser controlada e acelerada, ou mesmo despertada em sua potência de forma e arte, como músicos em uma seresta noturna enquanto o senhor acampa pela noite adentro. Noite, aliás, iluminada por um cristal que emana calor e brilha como o fogo que consola a alma.

Em outro momento, somos apresentados ao destino do aventureiro que adentrou as profundezas do oceano. Ele vive em harmonia com os seres aquáticos, incluindo seres alados que habitam o oceano próximo ao turbilhão das correntes marinhas.

 

 

Sem falar nos excêntricos prédios que tem por objetivo último se assentar nos desertos da civilização, onde nutriram, como um oásis, ou junto a um oásis, a morada dos homens que não habitam o oceano, mas sim a terra.

Não nos assustamos também quando descobrimos o passado do velho protagonista, que em anos anteriores, trabalhava como relojoeiro ao acertar o tempo de um grande relógio que se localizava em um veio de um rio. E mesmo nesse momento de seu passado, temos um homem de lata e um pterodáctilo que assomam ao seu lado.

Ao barco em que trabalhou durante essa época, ao que tudo indica, tardiamente encontrou a borda do mundo e despencou rumo ao um destino incerto, ou mesmo a estrela cadente que certo dia pousou sobre o oceano e através da qual, quem a tocasse, poderia ouvir as palavras de seu próprio coração.

 

 

Todos esses eventos circundam a narrativa do pulo da baleia, são lembranças e circunstâncias que engrandecem a mística desse anime puramente despretensioso. E dentre os elementos que o compõem, o mistério em torno dos habitantes dessa dimensão paralela sempre se mantém.

Eles controlam a forma e a aceleração do oceano, conjuram e remodelam sua forma, seja para entretenimento, seja para utilização como ferramenta. O velho, em um momento de curiosidade, escala uma montanha de água vítrea para utilizar uma de suas gotas componentes e navegar pelos ares ao contemplar a baleia que está plenamente fora da água.

E por fim, mas não menos importante, ao que tudo indica esse senhor é o futuro do menino que está, em dimensão ao lado, observando o pulo da mesma baleia que a sua outra metade e realidade o faz, mesmo que na forma de um senhor, vivido e envelhecido, que no decorrer de dias contempla o mesmo evento.

 

 

É um pouco confuso, abstrato e sem real fundamento ou explicação, mas é sublime em sua abordagem fantástica e narrativa visual imersiva de descrição e expansão. Tudo gira em torno do pulo da baleia, de um salto cotidiano de uma massiva e bela baleia.

Todas as histórias, todos os observadores, sejam eles habitantes de uma dimensão ou de outra, estão vivenciando a mesma experiência e o mesmo deleite, mesmo embora com efemeridade distintas.

Realidades díspares que se conectam com o inexplicável regado ao verde vivo de um oceano sólido que flui pela solidez que conecta a todos os contempladores que ali se apresentam e aglomeram.

 

 

Não existe real interpretação adequada para esse OVA, apenas uma tentativa de descrever a sua propagação em linguagem sensível. E o que posso fazer é apenas convidá-los para, junto a todos, assistirmos o pula da baleia.

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