Fantascope: Tylostoma – A tentação eterna de um pavor humano, as sombras da imortalidade
A ambição desmedida, a paixão e o medo. A divindade que a carne anseia, a vida que escapa pelos dedos. Em Fantascope somos apresentados para a sombra, o cinza da natureza humana em sua brutalidade egoísta.
Desenvolvido por Yoshitaka Amano, mesmo autor do emblemático Tenshi no Tamago (Angels Egg). Amano, dessa vez nos conduz por um OVA de animação semi fluida, à qual nos asfixia desde o seu primeiro instante. Estamos em um oceano de decadência onde habitam apenas espectros fantasmagóricos do que uma vez foi a sociedade.
O protagonista é a humanidade, representada por um único homem, personagem dúbio, de instintos e sentimentos intensos e em profunda carência, um ser em plena confusão e desejo. Nasceu para seguir os passos do pai, se arremessar para o mundo, a aventura inerente de todos os que estão à deriva.
Sua mãe, assim como em relação ao ser pai, lhe permite, lhe encoraja, e quando por fatalidade adoece e vem a falecer, nada mais pode deter o destino do viajante. Em completo delírio, avança pelo desconhecido e pelo infinito do oceano.
Em sua busca vazia, efêmera e frágil, abalado por sua sede pela vida e em completo terror frente à imensidão da existência e do mundo, o homem se depara com uma ilha, uma gruta, um sarcófago habitado pela eternidade criadora.
Abraçado pela vida, pela paixão que corresponde e nutre, que preenche e se deixa ser preenchida e moldada pelas mãos do ego humano, se submete ao prazer que apenas a completude e o contato reprodutivo germinam.
Os corpos se entrelaçam nas sombras, se penetram entre sussurros e gemidos, instantes de absoluto prazer e de absoluta agonia. Quem se dissolve frente a divindade não pode permitir tamanha insignificância.
Com as mãos e os cabelos que sustentam e ornam a pintura, cabe a brutalidade, que se faça em êxtase, que se apresente o assassinato e o roubo, para viver, para conter o desespero, que se destrua o criador.
O homem é decadente, o resultado, uma profecia, um aviso e uma maldição. Abra a caixa de Pandora, liberte os demônios que nasceram de ti, seus irmãos, semelhantes, fantasmas que vagam pelo nada.
A deusa recebe a bênção de sua imortalidade, e com generosidade rancorosa e cínica, concede a ambição do herói. Ser eterno, habitar na catacumba divina por séculos a fio. A luz do dia é uma dádiva para os mortais, não para os celestes.
Uma vez a cada 700 anos caminhe entre os seus, visite o fluxo terreno, e quando o fizer, observe o seu reflexo podre como ser maldito, oposto de tudo o que vive, um cadáver indestrutível.
A concha, objeto que reverbera os sons da criação, não possui sons próprios, assim como o néctar de um fóssil, apenas armazena as almas que não sonham, sua escolha foi o limbo, um precipício no qual escolheu se arremessar.
Quando em face da última entidade sob a crosta terrena, o homem, imortal e eternamente em sofrimento, assume que a mesma é uma vendedora de esperança e uma meretriz. Calor humano, o que mais poderia desejar?
Ela, assim como antes, aceita, abraça, permite que a vida absorva a bênção que molda o corpo sensível. A cúpula é intensa, voraz, pura e completamente obliterada pela culpa. O pecador exige a punição.
A deusa, revelada e sarcástica, suga por puro capricho o destino concedido. Que o zumbi seja plenamente a sua natureza, no entanto, por que não renascer? Oferece a morte e o útero, adentre pelo futuro, pecador faminto.
A sociedade ressurge da vontade, caminha com as próprias pernas sob as costas maternas do afeto febril, o urbano comprado pela jornada de uma aventura sem fim, mas que nunca pode erguer a cabeça e encarar sua realidade.
A infância. O fóssil, a concha, o eco de lugar nenhum. A vida, viva a vida para morrer.
Por dentre essa narrativa singela, destaco em alegoria o paralelo e a mensagem, o amor é uma chama que dissolve a identidade e a fronteira do humano, mas em vínculo fulcral, a criação garante a correspondência do sentimento. Ela te ama, e se desejar, ela te amaldiçoará para te amar eternamente.
Não cabem elogios para essa bela obra, é apenas a expressão artística e despretensiosa de um colecionador de fósseis, as tumbas nas quais as lápides apresentam a palavra vazio. Convido a todos para essa jornada, o cinza inesgotável, a neblina em plena fumaça tóxica, assim respiramos, sentimos o terror e fechamos os olhos.
Seja pela luz, seja pelas trevas, o resultado é a ignorância. Cabe apenas nos perguntarmos, qual a nossa aventura? Por quais desafios e quais ambições percorremos. Onde está o norte que nos seduz? Será mesmo que a bagagem e a tralha que carregamos significa alguma coisa?
A vida é bela, indescritível, um nascimento constante que nos mata por sincera gentileza.
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