Berserk: Ougon Jidai-hen III – Kourin – Um adeus, o labirinto dos apóstolos e a anomalia na entropia do caos
É com grande reverência e intensa gratidão que me despeço de Berserk. Esse é o meu review do último dos três filmes, mas claro que não é o fim de minha história para com a obra, e nem o fim de meu pesar pela trágica partida do grande mestre Miura, no entanto, é a conclusão inconclusiva de meus sentimentos que vagam rumo ao desconhecido.
Neste terceiro filme de Berserk, o desfecho e o destino do Taka no Dan é o ápice e sustentáculo de toda a obra. Sabemos que Griffith se perdeu completamente em relação a si mesmo, sua ganância colapsou com o seu egoísmo, e tudo isso misturado a sua dependência e vínculo para com Guts, seu único amigo, a pessoa que nublou a sua ambição última.
Griffith é aprisionado por um ano aos cuidados da tortura constante, abusado diariamente pelos sentidos que agonizam junto a dor a ele infligida, impotente, pequeno, é um corpo a beira da morte. De sua glória, sobra apenas o patético elmo que recobre o seu mutilado rosto. Das sombras, no entanto, o mundo da corrupção o acedia como uma luz ao fim das trevas.
Casca, por sua vez, é a líder que carrega sobre os ombros a vida de uma tropa moribunda, mercenários sem destino, armaduras que enferrujam enquanto se escondem e são perseguidos. O plano de resgate de um passado nostálgico é a única coisa que lhes resta.
Guts, que retorna para uma visita, ou mesmo tropeça na situação, presencia as consequências de sua decisão, sua partida levou ao desmoronamento de todos, muitos dos quais já morreram, e dos que sobrevivem, a chama trêmula agoniza.
Dos pouco mais de 400 homens, se é que chega a isso, pois chuto esse número dentre os quais já foram mais de 5 mil, a reconstrução se agarra ao impossível. Por sorte, ou por azar, Casca e o bando tem a ajuda de Charlotte, uma informante que se apaixonou pelo Falcão.
Guts chega não apenas para repelir a dissolução do bando, mas para guiar o resgate de Griffith, ou melhor, sem ele saber, para oferecer ao prisioneiro o banquete de sua transcendência. A profecia que Skull Knight uma vez avisará e que novamente reforça.
Esse filme desenvolve e efetiva o relacionamento de Casca e Guts, ela no limiar da desistência, ele no caos da indignação. É de uma beleza ímpar o sentimento que nutrem um pelo outro, o ato, a conexão que efetivam, o como se enlaçam um nos braços do outro, é terno, mas é uma despedida silenciosa.
Toda fúria que Guts cultiva, ora é liberada em gentileza para com o amigo quando o resgata, atropelando qualquer soldado eviscerado que se prostrar diante de seu caminho, ora contra o próprio desespero que asfixia sua alma quando se vê sacrificado e traído de modo imperdoável pelo próprio amigo que salvou.
A jornada se completa pela ponderação de uma esperança inexistente. Um Falcão sem asas e mutilado pelo seu orgulho gangrenado em seu corpo decrépito. Por Casca, refém de uma dívida a muita quitada para com o grande líder que a resgatou de um destino incerto. Por Judeau, um hábil amigo que amou profundamente aquilo que nunca poderia retribuir o favor. Corkus, o lascivo e invejoso, pessoa de temperamento bruto e a deriva no oceano imundo do mundo. Pippin, a lacônica muralha gentil, o guardião voraz de uma família incomum. Rickert, um recruta ingênuo na tormenta que angaria informações para uma segurança que é engolida pela tempestade do Eclipse.
Taka no Dan, tropa de ataque, homens desprovidos de fibra para seguir com os próprios pés a vida que respira injustiça. Uma guerra vencida, uma derrota absoluta, são vítimas das circunstâncias.
A profecia é cumprida, o conto da fantasia e o delírio demente de Griffith o jogam em direção ao seu renascimento. O palco do suicídio é um fracasso enfaixado, e sob o lodo de um pôr do sol amaldiçoado, se desperta aos gritos de um Behelit o portão para o inferno.
O ovo do rei, o herdeiro recebido e louvado como um príncipe em coroação, a carnificina da causalidade que Void anuncia em alto e bom tom. É o seu destino. Os degraus finais, os cadáveres devem ser jogados a pira. Sacrifique.
Dentre o eclipse, o terror da insanidade substitui o sangue das veias, os corpos em consumo, as almas algemadas e empaladas pela condenação ao tártaro. Todos caem, o banquete está servido. Os Mãos de Deus se deleitam ao presenciar o nascimento de uma nova era.
Para consumar o ato, Femto, agora coroado pelo pecado, viola em expressão pura de decadência, todos os sentimentos que por eles seus seguidores nutriam, os condena, amaldiçoa, humilha, suga deles toda a humanidade e os descarta na escuridão.
Guts, que de ódio se preenche até transbordar em poder, amputa seu caminho rumo ao acerto de contas, mas ainda é cedo, é já é tarde demais. Seus olhos se fecham involuntariamente, mas não deixam de enxergar o seu destino, a vingança.
Berserk desce as cortinas quando Skull Knight avança pelo pesadelo que nunca terminará, a tempestade passou, mas o limbo emana todo o seu fétido odor por toda a realidade que uma vez já foi pura, apesar da decomposição dos corpos humanos que ruíram frente ao fútil e orgânico progresso egóico dos homens.
O estigma é lançado ao vento, vagando pela noite sem fim enquanto carrega o peso metálico da vida de todos os que perdeu no caminho. É um adeus, adentramos as sombras sem jamais descobrir a conclusão da jornada, mas de dentro das sombras podemos presenciar o quão magnífica ela é, e seguimos, sem rumo, em direção ao vazio.