[sc:review nota=4]

A história das crianças de Marte me deixa mais e curioso. A pobre menina rica Kudelia fica mais e mais frustrada com sua própria impotência. A Gjallahorn fica mais e mais agressiva. As relações entre a Terra e Marte podem ficar mais e mais tensas. A batalha acabou, mas apesar da chama apagada os fumos inflamáveis dominam o ar e a cada minuto que passa é mais e mais provável que irrompa novo incêndio. Os garotos da Terceira Unidade venceram, mas estão mais e mais convencidos de que a verdadeira batalha ainda não começou.

Por onde começar? Que tal a bela imagem que ilustra o topo desse artigo? O gundam ajoelhado e de cabeça baixa, fitando sua mão direita entreaberta como se algo tivesse acabado de escapar por entre seus dedos; o sol está baixo, tons sépia dominam a paisagem. Quem desenhou esse quadro não estava para brincadeira. Ele ilustra com artística precisão o resultado da batalha: os garotos venceram sim, mas eles não queriam entrar nessa batalha em primeiro lugar e o preço foi alto demais. Como veteranos de guerra, e não como crianças, eles se comportam de forma séria, sóbria, mas observando pequenas reações em momentos onde são provocados se percebe o quanto estão feridos por dentro e como talvez prefeririam cair de joelhos no chão e chorar, como faz um deles por seu amigo Danji. Eles são crianças, mas não podem chorar. Eles são crianças, mas fazem trabalho pesado e são enviados para a frente do campo de batalha. Quarenta e dois Danjis morreram.

Como a situação chegou a esse ponto?

Como a situação chegou a esse ponto?

O que não é de forma alguma exclusividade das crianças da CGS. Durante um flashback de um discurso da Kudelia são mostradas crianças em condições lastimáveis abandonadas pela cidade. É como se os etíopes das famosas fotos da década de 1980 não estivessem longe em outro continente, mas nas esquinas de nossas próprias cidades. O discurso dá a entender que essas crianças sofrem tanto como resultado da Guerra Calamitosa, mas essa foi há 300 anos atrás, é impossível que eles sejam, como sugere o título do anime, órfãos de guerra. No entanto, devem ser órfãos. Por que há tantos órfãos em Marte e por que eles são tratados como problemas de uma terra distante, embora as pessoas cruzem olhares com eles diariamente?

Mikazuki não está bem para aguentar a (auto?) piedade de Kudelia

Mikazuki não está bem para aguentar a (auto?) piedade de Kudelia

As da CGS são tratadas como se tivessem melhor sorte que as crianças de rua. Em um sentido, isso é verdade: elas têm teto e comida. Mas isso faz parte de sua escravidão – e até agora não me ocorre melhor palavra para descrever a situação delas do que essa. Kudelia parece ser uma das poucas pessoas que se comove com essas crianças, mas mesmo para ela testemunhar a realidade da CGS foi demais. Uma coisa é você conhecer uns pobres coitados de vista. Talvez ela até já tenha ajudado uma, duas, várias crianças nas ruas. Mas aquela é só uma das faces da tragédia que recai sobre os órfãos de Marte. É positivo que ela acrescente essa à causa maior da independência do planeta, mas nem toda a boa vontade do mundo a preparou para o que ela viu na CGS em menos de um dia: a batalha da qual ela sabe que foi a razão. E o que ela pode fazer? Não importa o que tente, soa apenas petulante e prepotente. As crianças morreram por causa dela? Foi, mas ao mesmo tempo não foi.

Kudelia não estava preparada para um choque de realidade

Kudelia não estava preparada para um choque de realidade

Nem pelas pessoas em seus carrões, nem pelos empresários gananciosos, nem pelas meninas ricas militantes: os garotos da CGS sabem que não podem esperar por ninguém. Eles precisam ser protagonistas de seu próprio futuro, eles não podem mais entrar em batalha porque foram forçados, não podem mais vencer apenas reagindo. Eles vão agir, eles irão buscar sua própria batalha e irão lutar. E irão morrer, sim, mas por escolha própria, por causa própria. A liberdade que eles perseguem é muito mais urgente e tangível que a burocrática liberdade de uma colônia de sua metrópole.

Cookie e Cracker? Não vá comer suas irmãs, Biscuit!

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