Under the Dog – Assassinos da esperança
O mundo é injusto, o sol não brilha para todos. Esse é um fato conhecido. Mas na verdade, o real problema é o sol brilhar para todos sim, devido a isso parcelas expressivas da população morrem, literalmente ou metaforicamente. A água evapora, plantações definham, a sede prospera, queimaduras e câncer de pele despontam. A luz nos propicia estar sob a sombra, ao mesmo tempo que germina a escuridão no coração do homem. Ela nos concede a vida, e nos arrasta para a morte. A justiça é apenas o desespero ao se rebelar contra o absurdo da existência.
Under the Dog é uma ideia para um anime original criado lá pelo fim dos anos noventa, por Jiro Ishii. Costumeiramente ele trabalha mais junto à indústria de jogos, mas já trabalhou no ramo da animação algumas vezes. Talvez o anime mais conhecido junto ao qual participou seja Cannan.
Enfim, assim como tantas boas ideias, está secou pelo desviar dos olhos de possíveis apoiadores e pela dificuldade infeliz que bloqueia a materialização das ambições. Mas em meados da década de 2010, uma faísca acendeu. Através do Kickstarter, pessoas generosas e gentis colaboraram para transformar um sonho em realidade. os idealizadores conseguiram a quantia de que precisavam para desenvolver o anime. Deu certo? Não. Quer dizer, até agora foi um sonho de verão.
Embora tenham arrecadado uma quantia razoável para além da meta, e conseguido cumprir a proposta inicial na elaboração do projeto, o qual consiste em um OVA de 30 minutos, feito e entregue, ainda assim fica um gosto estranho na boca; aliás, é exatamente sobre esse OVA que está resenha se inspira. Para mim é frustrante que tenham lançado apenas isso, e é incerto se haverá ou não a continuidade dessa animação. Espero muito que isso aconteça, sério mesmo.
Superando minhas frustrações pessoais após ter uma crise de abstinência e existencial devido à animação ser só um OVA, um chamariz e amostra “grátis” da história, sigo para a resenha dele de fato.
Em um mundo onde existem pessoas especiais, sendo estas divididas entre “Kuros e Shiros”, ou seja, pretos e brancos, mas não no sentido racial, embora a designação por si mesma, junto a esses termos, já conote um racismo estrutural de nossa cultura, à qual caracteriza negatividade junto a tons de coloração escura. Essas pessoas em questão podem manifestar um poder chamado Pandora, e transmutar para uma forma bestial.
Hana é uma “agente” de controle, supervisão e supressão de uma organização governamental sigilosa, a qual busca descobrir aqueles que são pretos, e aniquilá-los, ao mesmo tempo que tem a esperança de encontrar àquele que seja branco, sendo este um salvador, ou alguém que poderia mudar o rumo dessa situação obscura que é ocultada da sociedade.
Todas as “agentes” governamentais, ao que tudo indica, também possuem o poder de pandorização em alguma escala, entretanto, elas são treinadas e chantageadas a seguirem ordens estritas do governo (não darei spoilers sobre o como isso ocorre). Aparentemente quem possui o poder de pandorização e é do sexo feminino, pode ser usado como ferramenta, pois não existe grande risco de que percam o controle e se tornem bestiais. Desse modo elas até mesmo podem ser utilizadas para combater essa anomalia Pandora, já que possuem a força necessária para fazer frente aos despertados. Por outro lado, os portadores dessa característica que são do sexo masculino, caso sejam detectados como portadores, e sejam da estirpe preta, devem ser eliminados.
As flowers, que é como são chamadas essas assassinas de supressão, são enviadas para coletar dados e, esperançosamente, encontrar o elemento Pandora de coloração branca. O indivíduo descrito pelo anime como destinado a ser o “salvador”.
Em sua primeira missão de campo, Hana, codinome 06, deve monitorar e assegurar a custódia de um portador de Pandora, o qual ainda não se sabe a designação colorativa. Mas a sua missão é interrompida pela força militar americana, à qual se encontra junto a uma base no país. Essa força invade o local, e enquanto a agência investiga as motivações dessa ação, cabe a Hana proteger o jovem, pois ele pode ser um Pandora “branco”. Nessa disputa direta de interesses no mesmo ambiente, o embate direto e violento parece se apresentar como inevitável.
Os americanos cercam o local, controlam o perímetro e fingem estarem implementando um teste para desastres enquanto fazem a triagem dos estudantes do prédio. De modo paralelo, enviam a força tática de assalto para eliminar um portador conhecido desse poder, provavelmente de cor preta, que também se encontra no local, ele é designado pela agência governamental que coordena as Flowers, como uma suposta cobaia que escapou. No entanto, se revela que o real objetivo da força militar americana, é sequestrar o rapaz de cor indefinida.
Fora dessa espinha dorsal que sustenta o OVA, poderia descrever ainda mais detalhes da obra, mas acho melhor me isentar de apresentar outros elementos interessantes, os quais até poderia elencar aqui, para apenas recomendar que assistam por si mesmos. Quem realmente é esse jovem rapaz que Hana deve proteger, quem são as outras “agentes” do grupo Flowers, quais as consequências desse embate entre o exército e o governo japonês.
O OVA apresenta diversos ganchos para uma possível continuidade da adaptação, mas como obra fechada e pontual, ele se dignifica por ser muito bom em todos os sentidos. Os elementos visuais, o ritmo das cenas, a fluidez em geral, a trilha sonora, a direção e principalmente os gringos falando e interagindo, finalmente a língua inglesa está com uma pronuncia descente em um anime, ou mesmo as táticas militares, tudo é rico e cheio de vida.
Perfeito, não, o OVA não é perfeito, a animação é estranha em vários momentos, podia ser bem melhor, talvez o cálculo para custear a animação não tenha sido realista, e tenha faltado recursos mesmo extrapolando a meta desejada, mas o clima que ele apresenta e sobre o qual constrói a trama, a conexão e desenvolvimento dos acontecimentos, tudo está nos eixos, tudo funciona e proporciona o adequado chamariz para o cenário. É por isso que esse OVA me instiga, o como foi feito, e não a profundidade da trama inicial, que como podem ver, é relativamente simples.
Mas é isso pessoas, espero que o projeto esteja em progresso e que sejamos presenteados com uma série de anime junto a esse interessante universo de Under the Dog.