Dungeon – ep 3 – Meu desagravo a Bell Cranell
[sc:review nota=4]
Quando assisti o primeiro episódio, fiquei incomodado com o harém que se formava a olhos vistos, e continua ativo e em nutrição até esse episódio, e muito provavelmente continuará até o final da série. Distanciado do episódio por conta disso eu ainda fiquei frustrado ao ver que minha própria pré-concepção de que o gênero primário do anime seria comédia estava errada quando no final do episódio o protagonista, o Bell Cranell do título desse artigo, movido por insatisfação consigo próprio engole todos os insultos que ouve de um membro da família Lóki, por saber que no fundo ele estava certo, e em insana determinação corre até a dungeon de onde só sai pela manhã fatigado e ferido, mas com muita experiência ganha. Desde então não dei muita atenção ao protagonista e o tinha em baixa estima. No artigo sobre o segundo episódio eu comecei a reconhecer os méritos da Héstia, mas isso foi fácil dado que eu não tinha nada contra ela. Depois desse terceiro episódio percebi que o Bell é sim um bom personagem, pelo menos tanto quanto sua deusa, e que ele não se transformou nisso desde o primeiro episódio até esse: eu é que o interpretei mal pelo conjunto de fatos acima elencados, que explicam, mas não justificam, o descaso com o qual eu até então tratava o protagonista de Dungeon, Bell Cranell.
Ufa, me senti o Carlírio do Netoin agora! Mas não é brincadeira, tudo o que eu falei é sério, e achei que a seriedade da situação combinava com uma linguagem mais formal. Mas é difícil escrever assim, só por isso o editor do blog do onigiri merece todo o meu respeito. Enfim, resumidamente, eu dei pouca bola pro Bell no começo porque haréns não me agradam e fiquei frustrado, então não prestei atenção ao seu personagem. Com essa introdução pretendi reparar isso, porque esse terceiro episódio me fez perceber que eu estava errado. Não mudo o que escrevi até agora nem as avaliações que dei primeiro por motivo de histórico, segundo porque, naquele momento, aquela era realmente a minha impressão, não importa o que eu ache hoje.
E o que me fez mudar de opinião? Bom, comecemos pelo começo. Bell era um moleque da roça que vivia apenas com seu avô, portanto devo supôr que já havia em algum momento, por qualquer motivo, perdido seus pais. Se sentiu isso depende da idade com que aconteceu, mas não importa. O fato é que seu avô era seu único parente vivo, e de repente não era mais. Foi morto por um monstro e sequer seu corpo pôde ser recuperado. Nota: em animes, não haver corpo quase sempre significa que a morte não pode ser considerada tão certa assim, mas não vejo porque achar que aqui seja o caso. Sem família, sem futuro, aquela foi a primeira vez que Bell engoliu as lágrimas e a própria fraqueza e simplesmente teve que fazer algo por conta própria. Ele decidiu ser um aventureiro (para matar monstros como aquele que matou seu avô? O fato dele ter dito que era para paquerar garotas bonitas no primeiro episódio não quer dizer que essa fosse realmente sua principal motivação) e para isso partiu em busca de uma família divina que o aceitasse. Outra nota: em japonês ou mesmo em inglês é fácil diferenciar as famílias de verdade, biológicas, das “famílias” de deuses que são essencialmente guildas ou clãs de aventureiros, porque são palavras diferentes (o autor usa “familia” literalmente para descrever essas famílias-guildas), mas em português os dois se confundem; quando eu achar que pode ficar dúbio, usarei o termo “família divina” para me referir às famílias-guildas e apenas “família” para as famílias biológicas. Mas ele era fraco, afinal era um mero adolescente da fazenda, criado apenas pelo avô. É como se o Chico Bento de repente quisesse virar um soldado da noite para o dia. O que ele sabe fazer? Correr, nadar pelado no rio, roubar goiabas e esquivar de tiros de sal? Claro que isso era mais que o suficiente para ele ser aceito pela sua família, o seu avô. Mas para ser aceito por uma família divina? Não chega nem perto.
Foi aí, impotente, na rua da amargura, quase literalmente na sarjeta, que Héstia apareceu para ele. Ele não sabia que ela era uma deusa sem família, praticamente tão “abandonada” quanto ele, ou tanto quanto é possível quando se é uma deusa, mas não acho que ele teria sido exigente àquela altura. Ela por sua vez já devia saber que ele estava procurando desesperadamente por uma família que o aceitasse, e como todos os demais deuses e aventureiros deve ter percebido que ele não era lá um exemplo de novato promissor. Mas ela aceitou ele em sua família. Sua família divina sim, mas uma que ao contrário da maioria das demais de seu tipo que apareceram no anime, bastante próxima de ser apenas uma família. Ela o aceitou pelo que ele era, assim como seu avô antes aceitava. Então Bell pôde chorar.
No final do episódio anterior, Bell colocou a própria vida em risco para salvar Héstia, sua família, a qualquer custo. “Colocar em risco” aqui é quase eufemismo, ele praticamente desistiu de sua vida, estava mesmo pronto para morrer, em toda sua inocência sem perceber o quanto isso seria cruel com Héstia. Sua vida não importa, Héstia o aceitou, ela é sua família e ele fará o que for necessário por ela. Héstia não pôde evitar se separar de Bell, mas não se resignou a fugir como ele pediu. Até porque ela estava com a recém-forjada Faca de Héstia que ela sabia que nas mãos de Bell poderia salvá-los. Mas fazendo apenas um exercício mental, duvido que ela não o procurasse mesmo se não tivesse nenhum trunfo sob a manga. De todo modo, a deusa procurou pelo seu único familiar e o encontrou, e o anime dá a entender que naquele lugar onde eles estavam isso era particularmente difícil, mas ela se esforçou e conseguiu. Deu a faca a Bell, depositou sua esperança nele e ele não falhou com ela. É importante que ela tenha depositado sua esperança em Bell, e não na arma que ela o deu. Faz sentido, mesmo a melhor arma é inútil nas mãos de quem não sabe usá-la. E ele sabe, e ela sabe que ele sabe e confia nele. Ele derrotou o gorila albino atroz, foi aplaudido e, como um último susto, viu Héstia desmaiar. Pudera! Ela passou a noite anterior acordada para forjar a arma, lembra-se? Mas ele se desesperou. O medo de perder sua família provavelmente possui nível doentio, e é compreensível que seja assim. Ele aguardou e guardou Héstia até que ela acordasse, sentado no chão em frente ao quarto onde a deusa dormia, e depois do alívio teve que perguntar a ela de onde teria vindo a poderosa faca salvadora. E mais uma vez não se conteve e chorou ao perceber que Héstia havia se sacrificado por ele também e mesmo assim mantinha o mesmo sorriso de sempre no rosto.
Bell parece ser um pouco emocionalmente desequilibrado, mas quem pode culpá-lo depois de ter passado por tudo o que passou? Por isso ele é tão impetuoso. Decidiu ser aventureiro por impulso, foi a um nível da dungeon que não poderia por impulso, se apaixonou por Aizu por impulso, voltou à dungeon quando se sentiu um fracasso perante as cruéis palavras de um membro da família Lóki por impulso, trancou Héstia para que ela se salvasse por impulso. Talvez ele aprenda a se controlar melhor até o final do anime, mas acho que não, esse nem é o ponto para tão poucos episódios. Héstia o aceitou incondicionalmente (e continua o aceitando e o apoiando, mesmo que ele esteja apaixonado por outra). E não dá para deixar de admirar os dois, Héstia e Bell, por tudo o que eles são e fazem um pelo outro.