[sc:review nota=3]

O primeiro episódio foi emotivo pra caramba. Ver aquela idosa, aquela avó (será que ela chegou a ser avó de alguém de verdade? mãe pelo menos?), ter que se despedir de sua neta cibernética e se recusando a fazê-lo. A velha era uma barraqueira, não queria nem ver os funcionários do serviço de término e expulsa eles todas as vezes em que batem na sua porta. Até que a Isla invade a casa dela e conversa direto com a garotinha, que está ciente de sua situação e quer partir sem deixar sua avó triste. E é aquele aperto no coração quando elas se despedem. Dessa vez é um garoto, um menino de menos de dez anos que perdeu os pais e há três anos é criado por uma andróide, e ele também não aceita e também é violento do jeito dele, a única diferença é que ao invés de expulsar os protagonistas, ele se fecha e quer se livrar logo de sua criadora de lata. No final eles fazem uma festa de aniversário e ele lembra de seus pais e chora e faz as pazes com Marcia, sua giftia. É uma história tão ou mais triste que a do primeiro episódio, e no entanto em nenhum momento eu me senti emocionalmente afetado. Você também não, aposto. Seja honesto, vai. Pelo menos não se sentiu tão emotivo quanto no primeiro episódio, pelo menos isso é certeza. O que aconteceu?

Não é como se Plastic Memories tivesse tido muitos casos tristes até agora para que ficássemos vacinados contra eles. Na verdade, triste mesmo, só o caso do primeiro episódio e esse, então não dá para falar em fadiga de material. Ou dá? Quero dizer, podem não ter havido mais casos de recolhimento tristes, mas há a Isla, que se tornou uma imensa bola de sentimentos negativos impermeável à comunicação e à razão humana. Podemos até entender as razões dela, eu entendo pelo menos (ou acho que entendo, novos fatos foram revelados nesse episódio que podem mudar tudo, mais sobre isso daqui a pouco). Quero dizer, ele está nas últimas, já viu dezenas, centenas, talvez milhares de robôs como ela deixarem de ser de uma hora para outra. Como comida perecível, giftias têm um prazo de validade bastante rígido (na verdade parece ser até mais rígido). Trabalhando por isso por toda a sua vida não é possível que ela, se tem mesmo sentimentos humanos, não se deixe afetar, não é mesmo?

A Isla é um personagem depressivo e entendemos porque ela é assim. Eu sinto pena dela. Eu morro de pena dela. Acho que quando chegar a hora dela eu vou chorar de novo, mas aí dependerá muito da execução, claro. Pegue por exemplo a execução desse episódio: o garoto é um chato de galochas, mas tudo bem porque a velha do primeiro episódio também era. Mas e seus giftias? A Nina foi um personagem muito mais interessante que a Marcia. A Nina era uma criança, e mesmo assim, para minha total surpresa, ela entendia completamente a situação. A Marcia também entendia, mas isso era o mínimo esperado dela, afinal era a adulta da casa, ora. Talvez ela entenda tanto que até pareça estranho – quero dizer, em momento nenhum ela parece genuinamente triste. Ela parece quase feliz que vai ser terminada! E tem outro fator: a Nina ajudou na construção da personagem da Isla (pena que ela tenha involuído desde então). A Marcia só vai servir a um arco infeliz sobre um ladrão de giftias moribundos.

Então há dois fatores que tornam esse caso pouco apelativo emocionalmente: a execução falha em transmitir a gravidade da situação e a essa altura já investiram tanto na infelicidade da Isla que todo o resto (ou pelo menos esse caso) parece coisa pouca, banal. Em apenas quatro episódios, Plastic Memories fez isso de seu grande trunfo. Não é um enredo original, mas foi construído de forma particularmente emotiva. Não só a Isla se tornou um personagem fechado até mesmo ao espectador (e isso funcionaria se não soubéssemos quase tudo o que se passa na cabeça dela, porque fazem questão de contar didaticamente cada vez que ela demonstra um traço de tristeza a mais), como as piadas muito mal colocadas me tiram da situação. Nesse episódio parece que foi a primeira vez que a Isla respondeu um cumprimento do Tsukasa fora de serviço, e poderiam ter feito disso grande coisa, mas ao invés preferiram fazer grande piada. Eu nem tinha entendido porque o Tsukasa estava feliz ainda e já estava sentindo vergonha alheia pelo comportamento dele e quando entendo a Michiru entrou de novo pela droga da porta naquela cena que já estou de saco cheio de ver. E as insinuações românticas da Michiru pelo Tsukasa não estão ajudando também, porque não fazem sentido e atrapalham o andamento da história. O Tsukasa poderia passar mais tempo com a Isla, a giftia poderia interagir mais e se desenvolver mais, mas ao invés disso ela fica arrumando enfeites de festa no canto enquanto a Michiru rouba a cena.

E pra piorar, como já disse acima, vão socar um arco tosco de um ladrão de giftias por vencer. Um sujeito que se passa por funcionário do Serviço de Término para roubar giftias que estão por expirar? Quando ouvi pela primeira vez, achei que poderia ser muito interessante. Poderia dar uma espinha dorsal muito necessária em torno da qual o anime poderia avançar. Mas no final do episódio aparece um velho banguela. Sério mesmo? Não poderia ser um bandido mais caricato não? É tão caricato que nem merece ser chamado de vilão, é só um bandido mequetrefe mesmo. Deixe eu adivinhar: ele está querendo vingança contra a empresa depois de um giftia seu ter sido terminado à força! Bom, isso é quase previsível e serviria para um vilão de verdade também. Mas a forma como ele apareceu me faz acreditar que esse arco acaba no episódio que vem e vai servir só para mostrar o que acontece com giftias que não são terminados. Assim, eu já havia aceitado que eles precisam ser terminados. Não que ache ruim que mostrem o que acontece, poderia ser legal até, mas não dessa forma didática, sem substância. A verdadeira dúvida aqui não é que eles precisem ser terminados, mas sim por que precisam. E isso eu ainda duvido que Plastic Memories vá responder. Se não é para responder isso, mais motivo ainda para nem chegar perto do tema e atiçar curiosidades que serão frustradas no final.

O que se salva no episódio? Bom, não é bem se salvar, mas foram apresentados dois elementos que, esses sim espero que se farão presentes por mais tempo e devem render histórias relevantes: a Isla foi parceira da Kazuki, isso a gente já sabia, mas parece que a separação entre elas foi bastante traumática. As palavras que Kazuki usa para comunicar a separação da Isla são bastante duras, e talvez isso tenha muito mais a ver com a melancolia da boneca do que a efemeridade de sua vida. Em sendo assim, o arco final será o Tsukasa fazendo as duas se reconciliarem depois de descobrir esse passado traumático, possivelmente por passar por algo parecido com a Isla…? Pode ficar bom, mas é um pouco inesperado. O outro elemento importante é a sobrevivência do próprio departamento onde eles trabalham; aparentemente esse Serviço de Término gasta cinco vezes mais que os outros, na média. Como pode? Os demais recolhem os robôs à força e boa? Enfim, quando a empresa resolver usar sua mão forte isso deve deixar não apenas Tsukasa e Isla como todos os demais ali em apuros. E faço uma aposta para isso também: Tsukasa conseguirá resolver o problema de orçamento de alguma forma graças aos contatos que tem, que foi o que garantiu o emprego dele em primeiro lugar. Ou talvez ele vá para o olho da rua. Pensando bem, ele ir para o olho da rua seria um desenvolvimento muito interessante.

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