[sc:review nota=4]

Tecnicamente esse episódio foi bem parecido com os anteriores desse grande arco: muita falação e pouca ação. Mesmo quando está havendo ação os personagens passam mais tempo falando do que agindo. Nesse aspecto mantenho minha avaliação negativa de Fate/Stay Night. Ele não é um anime de ação, porque essa lhe falta. Tampouco é um anime psicológico, porque complica demais coisas simples apenas para parecer inteligente e na verdade tem muito pouco o que dizer. É um anime orientado a seus personagens, embora eles evoluam pouco ou demorem muito a evoluir, e que esteticamente está o tempo todo tentando parecer “legal”, com resultados variados mas na média bem sucedido. Nesse episódio, sem renunciar seus vícios, Fate/Stay Night finalmente deixou claro sobre o que estava falando e pôs em evidência a evolução de seu protagonista. O Shirou quer ser um herói, mesmo sabendo que jamais será um herói, que isso é impossível. Ele é apenas louco?

Tenho certeza que a ideia fixa de tornar-se um herói surgiu por causa de seu trauma. Assim, dá para dizer que Shirou quer ser um herói porque ele é louco, mas não é assim tão simples. Ao longo de todos os anos em que cultivou esse ideal e com muita intensidade desde que entrou na Guerra do Cálice o Shirou pensou bastante sobre isso e incapaz de abrir mão de algo que se tornou parte de sua própria essência, racionalizou. Ele quer ser um herói. Que tipo de herói, o que é um herói? Ele não foi tão longe nesse aspecto, Shirou não chegou a pensar no que torna um herói um herói, o que o herói era antes de ser um herói, o que ele precisou fazer para se tornar um herói e o que ele se tornará depois. Contudo, ele percebeu algo fundamental: heróis são personagens de ficção. O que equivale a dizer que heróis não existem e não podem existir no mundo real. Ele nunca se tornará um herói.

Se o herói é só um ideal inatingível, uma existência possível em um mundo ideal mas não no mundo real, e o Shirou sabe disso, por que ele insiste tanto em se tornar um herói? Ora, pelo mesmo motivo que a maioria das pessoas do mundo gosta de heróis: porque eles são a personificação de ideais como esperança, bondade, justiça, etc. Heróis oferecem a imagem de um mundo possível, diferente desse mundo cheio de dor e angústia. Um mundo sem heróis (ainda que fictícios) seria um mundo muito mais cinzento, sombrio, triste – como o mundo que o Archer invoca em seu Unlimited Blade Works. Shirou sabe que não será um herói, sabe que pode até mesmo fracassar em tentar salvar as pessoas, mas sabe também que enquanto ele continuar tentando, perseverando, ele servirá pelo menos como um exemplo, como uma esperança. A Rin mesma disse que reconhecia nele exatamente isso quando eles saíram do castelo após a batalha entre Gilgamesh e Berserker. Para o Shirou, o Archer é um fracasso porque abdicou de seus ideais, não por ter falhado em alguma missão, por ter matado alguém, por ter aceitado se tornar o que se tornou ou por ter morrido.

Além do ideal heróico do Shirou esse episódio lançou outro tema importante: o real versus a imitação. É algo que já havia sido citado algumas vezes noutros episódios e agora ressurge com importância ampliada. Já está mais ou menos estabelecido que os próprios espíritos heróicos não são os espíritos verdadeiros dos heróis que representam. A questão do paradoxo temporal, que permite a eles residirem em uma dimensão sem tempo e serem invocados em qualquer época garante isso: ora, do ponto de vista da dimensão atemporal de onde eles vêm, todos os Archers Emiya existem simultaneamente, o que é absurdo a não ser que eles sejam apenas cópias. Cópias do original que morreu? Cópias do que está na dimensão atemporal? Tanto faz. Assim, esse Archer é de uma forma bastante indireta apenas cópia do Shirou que ele enfrenta. Seu próprio poder, o mesmo do Shirou, é o de copiar qualquer arma que tenha visto ou tocado. Como cópia, ele é imperfeito, o que justifica sua queda, o que explica porque ele se chama apenas Emiya, e não Emiya Shirou – ele não é o “Shirou completo”.

Esse tema é iniciado pelo Gilgamesh, justamente quando ele compara a sua habilidade com a do Archer: enquanto Emiya invoca cópias de armas que conheceu, Gilgamesh é capaz de invocar as versões originais delas. Mas não é Gilgamesh apenas mais um herói, portanto, uma cópia? Talvez no passado tenha sido, mas depois da última guerra ele adquiriu existência física própria, um novo corpo humano para habitar. Talvez ele não seja o Gilgamesh original, o rei Sumério, mas ele certamente é um Gilgamesh real, de carne e osso. As implicações metafóricas disso são ainda maiores: seria o Gilgamesh um “espírito lendário original” e todos os demais apenas “cópias” (não dele, mas do conceito)? Ele é bastante arrogante e então é fácil ignorar isso, mas é o que ele dá a entender. Mesmo que seja só prepotência dele, o que ele se permite por causa de seu nível de poder, ele declarar isso abertamente é, pelo menos, algo capaz de abalar psicologicamente os outros heróis. Como a Saber irá reagir? Ao contrário dele, ela parece ter morrido cheia de arrependimentos. Se ela for agir apenas pela razão, ela já perdeu. Ela vai precisar de um pouco do idealismo irracional (louco) do Shirou. Idealismo que ela teve enquanto viva e que, no fim das contas, levou ao seu fim.

O próprio Shirou é, de certa forma, “cópia” de um Kiritsugu ideal que só existe no imaginário do protagonista. Ele conheceu seu pai adotivo naquele momento em que quase morreu, e apenas ali, e depois em histórias, nunca tendo sentido o que ele sentiu, nunca tendo trilhado o caminho que ele trilhou. Quem assistiu Fate/Zero sabe que Kiritsugu era muita coisa, menos um herói, e sequer tentava ser um. No entando, Shirou quer ser um herói justamente para continuar e completar a missão de seu pai – a imaginária, que só existe em sua cabeça. De certa forma, Kiritsugu se tornou um mito para o Shirou e é esse mito que ele persegue e é nesse mito que ele acredita.

No final o Gilgamesh enfiou o coração da Illya na barriga do Shinji e ele virou uma imensa bola de carne que se tornará o Graal, um cálice corrompido como o Gilgamesh descreveu. Tenho certeza que ninguém ficou com pena do Shinji. O que o Gilgamesh quer? Matar todo mundo. Não todo mundo o Shirou e a Saber e a Rin, não todo mundo a cidade inteira ou o Japão inteiro. Todo o mundo mesmo, no sentido de todo e cada homem, mulher e criança no planeta Terra. Por quê? Os considera indignos de serem seus súditos. Talvez ele reconsidere para os que sobreviverem ao massacre, mas também é possível que ele esteja se referindo não só aos seres humanos que hoje estão vivos, mas a todos os seres humanos que vivem, viveram ou viverão – se ele conseguir com o Cálice acessar todas as eras através da dimensão atemporal de onde vêm os heróis, por que não? De todo modo, o Shirou tem agora a chance de se tornar o herói que salva todas as pessoas do mundo que ele tanto quer.

    • Bom, “herói da justiça” e “herói caído” são temas recorrentes o bastante para que não possamos afirmar que Urobuchi tenha se inspirado em Fate para escrever isso. Mas o paralelo existe, e eu diria que serve para mostrar como é possível lidar com o tema de forma muito mais dinâmica e em menos tempo do que Fate/Stay Night UBW fez, hahaha.

      Eu tinha visto a luta da Kyoko contra a Octavia no anime, mas essa é a versão do filme, que ficou incrivelmente melhor. Agora preciso baixar os dois filmes e assistir também (o terceiro eu já assisti porque é história nova).

      • Fábio "Mexicano" Godoy

        Foi ao contrário, Fate saiu quase meio ano depois de Madoka. Ou está se referindo à novel de Fate/Zero? Aí eu não sei qual veio primeiro

    • Fábio "Mexicano" Godoy

      Ah sim, naturalmente, o que quis dizer é que não sei se ele já estava trabalhando em Fate/Zero (e portanto em contato com a VN do Stay Night e talvez outros materiais) enquanto produzia Madoka.

      De todo modo, insisto, por serem temas universais, tanto faz de onde ele tirou a inspiração, ou sequer se ele tirou a inspiração de um lugar específico. Qualquer história de herói caído vai ter inúmeros pontos em comum com o Archer e com a Sayaka, mesmo aquelas escritas por quem não conheça nenhum dos dois. E é sempre interessante comparar personagens semelhantes, por exemplo: a queda da Sayaka foi muito mais rápida porque o ideal dela não era verdadeiro. Foi escapismo para um amor frustrado.

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