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Não é um grande episódio, mas as revelações que faz sobre o enredo são interessantes. Agora, o que mais me deixou entretido com ele foi a mesma coisa que me fez assistir e gostar de Cavaleiros do Zodíaco pela primeira vez, na já distante década de 1990 (e não posso evitar me sentir meio Casimiro de Abreu agora, ainda que eu já tivesse bem mais do que oito anos quando assisti Cavaleiros na Manchete, hehe): as referências mitológicas. No caso, referências à cosmologia nórdica. Quem conhece um pouco que seja (e quem já assistiu o segundo filme do Thor, provavelmente) sabe que há vários mundos (planos ou dimensões, se preferir) segundo a mitologia nórdica. Nove, para ser preciso, de acordo com o que se entende hoje em dia estudando documentos e artefatos antigos. As câmaras das quais Lifia fala nesse episódio carregam os nomes e, mais ou menos, o “tema” desses mundos. Quero dizer, seis delas fazem isso, porque a outra não existe não importa o quanto eu pesquise. Que diabos é Jaheim??

As câmaras listadas pela Lifia são: Svartalfheim, a Câmara da Sabedoria e que corresponde ao mundo dos elfos negros, Jotunheim, a Câmara dos Gigantes que é o mundo dos gigantes mesmo (de rocha e gelo, não os de fogo), Alfheim, a Câmara da Luz que corresponde ao mundo dos elfos, Helheim, a Câmara dos Mortos e mundo dos mortos também, Vanaheim, a Câmara dos Heróis que corresponde ao mundo dos deuses vanir (como Freia, diferentes dos deuses aesir, como Odin e Thor; mais sobre isso depois porque pode estar profundamente relacionado à história do anime), Niflheim, a Câmara da Névoa que corresponde a um mundo também de névoa, mas um pouco mais complexo que isso, e Jaheim, a Câmara de Gelo que corresponde a coisa nenhuma.

Os nove mundos da mitologia nórdica

“Nine Worlds of Norse Religion” por Cush na Wikipedia anglófona
Licensiado sob CC BY-SA 3.0 via Wikipedia.

É interessante que Jaheim, que não existe na mitologia nórdica, seja defendida por um “estrangeiro”, alguém de fora, ao invés de um dos guerreiros deuses. Claro que é bem possível que um deles apareça por ali ainda, até porque são sete câmaras e sete guerreiros deuses, e pelo menos matemática básica a Toei sabe fazer, mas a primeira impressão é importante. E lógico que não é coincidência que Jaheim seja a câmara do gelo. Existem dois mundos gelados na mitologia nórdica (Jotunheim e Niflheim), mas mesmo assim optaram pela adição de um terceiro, porque certamente Camus não estaria bem representado em nenhum deles. Ele não é um gigante para estar em Jotunheim. E Niflheim é um mundo gelado de névoa, não apenas ou necessariamente de gelo, mas tem mais. Na Niflheim mitológica fica uma das raízes de Yggdrasil, bem como um dragão a roendo constantemente. É um mundo sombrio relacionado de várias formas com o Ragnarok, e onde vivem os nibelungos, um povo de anões. Se assistiu a série original de Cavaleiros deve se lembrar do Anel de Nibelungos, que Poseidon teria usado para controlar Hilda e teria funcionado na prática como uma maldição para Asgard. Bom, esse anel na mitologia é associado com maldições mesmo. Não só os nibelungos, um povo mitológico, mas até os burgúndios, uma tribo germânica, teriam sido amaldiçoados por possuírem o anel. Os Burgúndios porque Siegfried (o herói que emprestou seu nome ao mais forte guerreiro deus da Saga de Asgard) o roubou para eles. Enfim, seja Jotunheim, seja Niflheim, não havia espaço para Camus. Então criaram uma outra câmara representando um mundo inexistente para ele. Talvez a importância de Camus em Soul of Gold seja maior do que pareça.

Claro que a câmara mais importante, onde o protagonista Aioria vai e guardada pelo mais relevante dos guerreiros deuses, haveria de ser a Câmara dos Heróis. O conhecimento raso em mitologia nórdica faz pensar automaticamente que tal local deveria ser Asgard (também chamada Godheim), afinal era para lá que as valquírias levavam os guerreiros valorosos que morriam em batalha, não é? Mais ou menos. Além de ser um nome interditado por ser usado como nome da própria terra onde eles estão, a morte na mitologia era muito mais complicada, e uma alma poderia, por diversas razões, ir parar em vários mundos diferentes, não apenas Asgard ou Helheim. Poderia, por exemplo, ser solicitada por Freia e ir para Vanaheim, o mundo dos deuses vanir, que no passado travaram uma guerra contra os aesir que vivem em Asgard. O motivo? Os aesir aprisionaram Freia. Opa! Lembrou da cena da Hilda conversando com o Andreas, onde ela diz que ele aprisionou Freia? Terão os cavaleiros de ouro sido convocados para uma nova guerra entre vanir e aesir? Então veja:

Lifia não é o nome de um personagem, mas de um lugar na mitologia nórdica. A montanha onde vivia a deusa Eir, curandeira com conhecimento e habilidade suficiente até mesmo para ressuscitar os mortos. Hilda disse a Lifia que “apenas ela poderia enfrentar Andreas”. E ah, sim: Eir é uma vanir. Se quer mais, quando Dohko estava em Helheim e uma Lifia encapuzada fez mortos levantarem-se para enfrentá-lo (e flashback da própria antes disso deu a entender que foi ela quem convocou os cavaleiros de ouro) ele diz que “apenas deuses podem trazer os mortos de volta à vida”. Como aconteceu com ele, como aconteceu com os demais cavaleiros de ouro, como acontece com os guerreiros que estão se levantando contra ele. Será Lifia a “morada” de uma entidade divina, Eir, e isso explicaria sua aparente possessão? Para mim, essa foi a parte mais interessante do episódio. O resto é bem direto, objetivo, ou nem consigo imaginar do que se trate ainda.

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