Game of Laplace – ep 8 – Prever o futuro
[sc:review nota=4]
Parece que esse episódio finalmente disse o que a série inteira queria dizer desde o começo, ao mesmo tempo em que apresentou a origem dos problemas que os personagens enfrentam. E se fosse possível evitar que a violência acontecesse em primeiro lugar? Não sendo isso possível, como lidar com ela, e mais importante, como os atingidos devem lidar? Kobayashi parece maluco, mas ele talvez esteja mais perto da verdade do que o Hashiba, que acredita ser possível sim evitar o pior. Akechi viveu isso tudo em primeira mão.
Como evitar crimes? Muita ficção se produziu sobre isso, e em seu conjunto todas parecem concordar que só há dois meios: ou se controla a população para que ninguém jamais queira cometer um crime, ou se prevê o crime antes que ele aconteça para impedi-lo. Claro que nenhum dos dois funciona. O primeiro é uma tirania que, de todo modo, não conseguirá evitar todos os crimes. Um exemplo de anime com essa abordagem é Psycho-Pass (e se substituirmos crime por imoralidade, Shimoneta). O segundo é mais interessante e ainda mais impossível. Prever o futuro depende de soluções esotéricas ou científicas. Ignore as esotéricas ou mistas (como o filme Minority Report). Cientificamente, conseguimos prever que uma pedra solta de uma determinada altura irá cair no chão em determinado tempo e com determinada força, não é? E se o conceito for extendido para todo o universo? Sabendo a posição de todas as partículas e seu estado atual, pode-se prever seu estado futuro, teoricamente. Isso vale mesmo para corpos e organismos complexos, já que somos compostos das mesmas partículas fundamentais que obedecem as mesmas leis físicas. Elevando o conceito ao infinito, anula-se o livre-arbítrio e descobrimos que antes mesmo de nascermos cada movimento e decisão em nossas vidas já estavam determinados. Desde o Big Bang estava escrito que você estaria, nesse instante, lendo esse artigo.
Claro que física de verdade é muito mais complexa e imprevisível do que isso, então pelo menos por enquanto pode continuar acreditando que você tem controle sobre seu destino. Mas apenas por hipótese, a hipótese de Game of Laplace, vamos assumir que o universo é sim determinístico. O anime não inventou os conceitos que está usando desde o começo, e não é como se tivesse tentado disfarçar em algum momento. E se fosse possível a um ser ter esse conhecimento de que falei no parágrafo anterior, e o conhecimento suficiente para calcular o estado futuro do universo? Ele poderia prever tudo. Crimes, inclusive. Em 1814 o físico francês Pierre-Simon Laplace propôs a existência de tal ser, mas o nome “Demônio de Laplace” foi dado mais tarde por outra pessoa. Ele não foi o primeiro a propôr uma criatura com tal conhecimento em um universo cientificamente determinístico, mas provavelmente a sua formulação seja a mais famosa. Apesar do caráter sobrenatural que o nome evoca, o Demônio não precisa ser, ele próprio, sobrenatural. Laplace imaginou um ser finito, como nós.
E é aí que Game of Laplace começa: Akechi teria conseguido, junto com um amigo seu de nome Namikoshi, completar uma fórmula supostamente capaz de prever o futuro. O objetivo deles era “mudar a sociedade”. Mas a fórmula continha um erro, e temo que o tema todo tenha sido científico e filosófico demais para o próprio anime lidar, haha, mas tudo bem, funcionou (o anime, não a fórmula). No fim das contas o que eles criarem não foi uma fórmula para prever o futuro, mas para criar justiceiros – o Vinte Faces. Isso é errado em si, e é uma falha do propósito original: não estão prevendo o futuro porque estão apenas reagindo a ele, e não estão mudando a sociedade. Incapaz de aceitar que era um erro, Namikoshi foi até o fim e morreu como o primeiro Vinte Faces. Por causa disso, Akechi jurou derrotar todos os imitadores. Pessoalmente, gosto de pensar na hipótese de que o justiceiro definitivo que repararia todas as injustiças ao qual o Namikoshi se referiu quando disse que iria provar ao Akechi que a fórmula estava certa não era o Vinte Faces, mas o próprio Akechi.
E se fracassaram em evitar o crime em primeiro lugar, retorna-se ao outro ponto: como lidar com ele? O Vinte Faces é a resposta errada para isso também. Provocativamente, Kobayashi perguntou a Hashiba o que ele faria se o amigo fosse vítima de um vilão qualquer. Hashiba respondeu que isso jamais aconteceria porque ele evitaria o crime em primeiro lugar. Depois de ter ajudado a criar o Vinte Faces, Akechi ainda incentiva o garoto e confirma que sua resposta é a correta: não deixe que o crime aconteça em primeiro lugar. Mas crimes sempre irão acontecer. Kagami lutou anos de sua miserável vida para isso, e no fim não pôde proteger a irmã. Game of Laplace está cheio de pessoas que não conseguiram impedir injustiças ou não conseguiram sequer que elas fossem punidas. É disso que se alimenta a fórmula maligna que criou o Vinte Faces, e talvez aceitar que não se pode evitar tudo, e mais difícil ainda, aceitar que nem todas as injustiças serão reparadas, é a única resposta sensível. Kobayashi é o único que dá por certo (na verdade ele até se diverte com isso) que o pior vai acontecer. Que resposta será que ele esperava do Hashiba?