[sc:review nota=3]

Nem todas as histórias são escritas pelo sentido literal que elas têm. E não é como se isso fosse uma novidade: a humanidade transmite histórias sem pé nem cabeça (mitos, fábulas) oralmente desde que aprendeu a falar. O que importa não é a história em si, seu enredo e personagens, mas a mensagem que ela passa. Mesmo em ficção onde a história importa, quase sempre há um significado que a permeia e no fundo independe dela. Mas Charlotte é do tipo que a história não faz sentido, então não se preocupe com isso e se foque apenas no que você pode aprender com Charlotte.

Charlotte é um festival de significados. A começar pelo nome, que tem o significado mais idiota de todos. É um nome próprio para pessoas, mas aposto que se você chegou até aqui deve ter percebido e distinta falta de personagens chamados Charlotte. Se você chegou até aqui e estava mesmo assistindo os episódios ao invés de usá-los como música de fundo (sei lá…) enquanto joga League of Legends, aposto que sabe que em Charlotte, Charlotte é o nome de um cometa, o mesmo responsável pelos poderes da gurizada toda. No mundo real, não existe um cometa Charlotte, mas existe um meteoro Charlotte, que está placidamente descansando no Cinturão de Asteroides, sem jamais se aproximar do nosso planeta como o cometa Charlotte de Charlotte supostamente faz. Então tá bom, Charlotte é um cometa. E daí? E daí nada. Poderia ser uma infestação mundial de aranhas radioativas, ou um desastre em escala global com produtos químicos, ou imagine aí qualquer evento que costuma dar poderes às pessoas em ficção. Provavelmente irá concordar com o Jun Maeda que um cometa é mais verossímil do que qualquer outro cenário. O cometa é uma necessidade, mas o nome ainda é arbitrário. O que afinal é Charlotte?

Acho que alguns já sabem e já estão tão decepcionados quanto eu, mas explico para quem não sabe: Charlotte é o feminino de Charles. E Charles é o nome de um personagem famoso com papel central em uma franquia de mutantes. Não estou falando da novela da Record (que eu nem assisti). Charles é o Professor X, dos X-Men. Não importa o quanto eu pense, não há explicação melhor para Charlotte do que uma homenagem brega de um anime de mutantes à mais famosa franquia de mutantes do mundo. Talvez tenha mais alguma coisa aí. Talvez ser feminino seja proposital (a personagem que “salva” o protagonista é uma garota, afinal, mais ou menos o que o Professor X faz com seus alunos, forçando a comparação). E por que fico decepcionado, será que eu não gosto de X-Men? Nada disso. É só porque é brega mesmo e eu demorei a entender.

O significado de todo o resto eu já tratei no artigos anteriores. Coisas como morte e redenção, o significado da salvação, o significado do altruísmo, essas coisas todas. Então vou me concentrar agora apenas no episódio final. Corrido ele, não achou? No artigo sobre o episódio anterior eu falei sobre como era insano e impossível que a missão de roubar todos os poderes mutantes do mundo fosse executada, mas o Yuu conseguiu. Como o anime seguiu um enredo insano eu cheguei a me questionar se isso seria possível de verdade e principalmente se seria possível em um único episódio. Mas deram um jeito. Com o jeito que deram o episódio não ficou particularmente divertido ou engajante para se assistir (não dá tempo de se concentrar em nada, ele está pulando de cenas, locais e até de estado mental o tempo todo), mas entregaram a história. E nem era intenção que houvesse um arco de aventura ao redor do mundo.

Poderes convenientes apareciam em momentos convenientes, e o Yuu sempre se safava de uma máfia com escala global que sabe quem ele é e o seu rosto (que inconveniente não ter encontrado nenhum poder de disfarce, não é mesmo?), mas até onde se pode perceber apesar da escala dos acontecimentos nada chega à imprensa. Quero dizer, há um garoto voando por aí e acabando com gangues e milícias, mas mesmo quando isso chega à TV, eles não sabem dizer bem o que foi que aconteceu. Os mafiosos, por outro lado, distribuem cartazes de procurado como o Governo Mundial em One Piece. E criminosos de todos os tipos o atacaram implacavelmente, com equipamento militar, e ele sobreviveu muito bem, obrigado. Exceto quando faltava apenas uma mutante. Aí um favelado chinês com uma besta (imagino o quão comuns são bestas nas favelas chinesas) pegou ele. Muito conveniente.

E quantos poderes será que ele roubou, no fim das contas? Desde o episódio anterior enfatizaram que ele teria pouco tempo. Quanto tempo? Eu não sei. Quanto tempo durou a aventura dele? Não sei. É possível que tenha havido indicações de passagem de tempo durante o episódio, mas eu não peguei mesmo, desculpe. Se você viu alguma, por favor informe nos comentários! De todo modo, vou chutar alto e supôr que ele ficou um ano inteiro em viagem. Trezentos e sessenta e cinco dias. Quantos poderes ele capturou por dia? Pelo pouco que pudemos ver, não parece que a média tenha chegado a dez, mas de novo vou chutar alto: que o Yuu tenha roubado cem poderes por dia. Dá um grande total de 36.500 mutantes em um mundo onde vivem 7 bilhões de pessoas. Dá mais ou menos um mutante para cada 200 mil pessoas. O Japão, com cerca de 127 milhões de habitantes, se a distribuição de mutantes ao redor do mundo for regular, deveria ter cerca de 635 mutantes. Parece de acordo com o que o anime exibiu (aquela instalação tinha muitas dezenas de mutantes, e provavelmente não eram todos). A China deveria ter 6.785, e outros 6.260 deveriam ser indianos. Olhando apenas esses números, assumindo os 100 por dia que eu chutei, e comparando com o que foi visto no episódio, tudo parece fazer sentido. Mas isso é porque não incluímos na conta o tempo gasto viajando: muitos países inteiros teriam menos de 100 mutantes. E países como China e Índia (ou Brasil, Rússia ou EUA) podem ter grandes populações, mas também possuem uma área vastíssima. Será que um dos poderes que capturou (na Grécia talvez) era Queimar o Cosmo? Porque ele precisava se mover mais rápido do que a luz. Se ignorar as horas de sono (e ele obviamente dormiu, ainda que pouco), ele precisava capturar quatro poderes mutantes em pouco menos de uma hora para cumprir a média. O que dá quinze minutos entre um e outro. Durante um ano inteiro. Considerando os tempos de viagem isso se torna impossível (exceto em caso de “Moeru ore no cosmo yo“). Mas o Yuu conseguiu. Muito conveniente.

E eu não poderia deixar de falar do poder de cura, que ele se recusou a usar para recuperar seu olho e consequentemente seu poder de voltar no tempo (e não o usou mesmo quando “possuído” por alguma de sua personalidades alternativas justiceiras que nasceram de sua perturbação). Segundo ele deu a entender, seria “melhor” assim. Melhor por quê? E para quem? O Kumagami está morto, tenho certeza que aqueles que o amam e ainda estão vivos o prefeririam vivo. Ele poderia até usar seu poder recuperado para fazer uma longa investigação e planejamento para que tudo desse certo quando ele voltasse no tempo para salvar o chegado do irmão. E se desse errado, ele poderia voltar de novo. Mas francamente, com tantos poderes extras e sabendo o que vai acontecer o que poderia dar errado? Tudo bem, ele é um covarde, por isso não quis voltar, não quis assumir esse risco, essa responsabilidade. Mesmo o plano de roubar todos os poderes do mundo ele só executa porque foi proposto por sua namoradinha em um momento em que ele se sentia particularmente frágil e culpado – é mais uma fuga do que uma forma de assumir responsabilidade. E durante ela, fraquejando, é apenas a lembrança da promessa que fez com ela que o move adiante. Em dado momento até a lembrança da promessa desaparece, e resta apenas uma objeto como um totem mágico lhe prometendo a redenção caso continue seguindo adiante. E boa parte dessa fraqueza e sofrimento poderia ser evitada se ele tivesse o poder de voltar no tempo. Ele teria literalmente mais tempo para cumprir sua missão, podendo realizá-la em um ritmo mais humanamente suportável, planejar melhor, até mesmo relaxar de vez em quando. Ele se recusa, porque “é melhor assim”. Bom, eu achava “melhor assim” quando a irmã dele estava morta, mas ele discordou de mim. E agora eu acho que não é “melhor assim” que o Kumagami continue morto e ele continue se forçando além do que qualquer mente humana (a dele inclusive) suportaria, e de novo ele discorda de mim. Mas no fim tudo dá certo (talvez apenas o Kumagami discorde). Apesar dele quase morrer, apesar dele ter seu ego completamente estilhaçado ao entrar em contato com milhares de outros egos em pouquíssimo espaço de tempo enquanto executa uma missão que já seria difícil mesmo se ele não estivesse sendo caçado, apesar dele no fim das contas ter sofrido um caso severo de amnésia, e apesar da limitação de tempo mencionada no parágrafo anterior, tudo deu certo. Muito conveniente.

E é tudo conveniente assim, além do que eu sou capaz de aceitar de uma história de ficção, porque como eu já disse essa história não está de forma alguma preocupada em ser verossímil. É assim porque ela só quer transmitir uma mensagem. E qual é essa mensagem? Esse é o diabo. Assim como o significado de Charlotte, não consigo pensar em nada que não seja apenas brega. Para mim, Charlotte é só mais uma história sobre crescer, sobre a dolorosa transição da adolescência para a vida adulta, que apesar de tudo é inevitável e devemos passar por ela, com todo nosso empenho e esforço. Mesmo quando tudo o que restar de sua juventude for apenas memórias distantes, mesmo quando você nem se lembrar mais direito, você ainda será a mesma pessoa, e ainda poderá continuar contando com aqueles que lhe são caros. Pode parecer que estamos sozinhos, mas mesmo que não os vejamos, nossos entes queridos sempre estão conosco quando precisamos de um jeito ou de outro, e sempre estarão lá quando voltarmos para casa. Cultive seus amores e suas amizades porque a vida é dolorida e inevitável, mas se tivermos com quem compartilhá-la seremos felizes apesar de tudo. Gostou de Charlotte?

  1. charlotte não foi um novo angel beats,mas acho que não era sua intenção,estranhamente a mafia parou de perseguir o yuu(talvez por ele ter pego todos os poderes do mundo)no geral pra mim foi só mais um anime regular que tinha potencial pra ser maior,não gosto da ayumi preferia ela morta,mas o roteiro se recusou e bem tivemos um final apenas legal,charlotte vai deixar de ser lembrado no maximo uns 5 meses

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