[sc:review nota=4]

A característica mais divertida de certo tipo de histórias de mistério é a possibilidade do leitor (ou espectador) “investigar” junto com o detetive, tentando deduzir através dos fatos apresentados quem é o culpado (ou deduzir qualquer coisa, mas quase sempre se trata de um culpado e quase sempre culpado de assassinato). A Moe reclama a certa altura desse episódio que o professor Souhei estaria escondendo o que ele está pensando. Fica implícito que assim ele teria vantagem por possuir mais informações do que ela. E é isso mesmo. Para uma história de mistério funcionar dessa forma, com o espectador investigando, é condição necessária que ele e o detetive possuam as mesmas pistas. Mas Perfect Insider não é esse tipo de história. Claro que dá para tentar deduzir muita coisa com as informações disponíveis, mas a Moe sempre vai estar na frente. Há uma pista vital que ela e o anime estão segurando de nós.

Apesar de Moe e Souhei serem pessoas de fora que por acaso estavam ali no momento dos crimes, a garota tem certeza que ela precisa investigar porque ela sente que aquilo tudo pode estar de alguma forma ligado a ela. Pessoas reais do mundo real costumam encontrar “coincidências” por toda parte, isso é natural e um efeito colateral de algumas ferramentas importantes que adquirimos no curso da evolução. Mas a Moe não é uma pessoa real. Ou acha possível que no último episódio ela vire-se para o Souhei e diga “ops, parece que eu estava enganada, não tinha nada a ver comigo, teehee ~=^.^=~”? Só se o autor quiser ser odiado até o fim do mundo, né. Então tem sim a ver com a Moe. Além de ter tido algo a ver com o pai da Moe quando mais nova, Shiki teve com ela uma conversa como nunca antes havia tido com qualquer outra pessoa – o anime faz questão de destacar isso. Resta alguma dúvida de que podem haver pistas importantes no conteúdo dessa conversa? E, no entanto, apenas Moe a conhece. Bom, ela e os funcionários do laboratório que a assistiram, mas nenhum deles sequer se lembra disso agora porque francamente, eles não veem nenhuma ligação entre os crimes e a Moe. A Moe, contudo, está certa dessa conexão. De um jeito ou de outro, os funcionários não contam, ela não conta, o anime não revela o conteúdo dessa conversa senão em flashbacks à conta-gotas. Um pedaço importante de informação, uma pista vital, é sonegada do espectador-investigador.

Bom, então Perfect Insider não é esse tipo de mistério, daqueles pro espectador investigar junto? Tudo leva a crer que não. Na verdade os sinais já estavam por toda parte no episódio anterior, mas como era só o começo da investigação em si quis esperar mais um pouco para ter certeza. Pessoas com mais experiência (ou menos paciência?) do que eu no gênero já diziam semana passada que Perfect Insider não era desses. Mas tudo bem, ainda é um anime muito bonito de assistir, com personagens cativantes e um mistério angustiante. Que sim, é certeza que sempre estarei um passo atrás mas não posso evitar tentar solucionar por conta própria. É da minha natureza esse nível de curiosidade e tendência à especulação.

Então quais as pistas novas desse episódio? Bom, a Moe deduziu, de forma que, acho, não deixa espaço para dúvidas, que o assassino do diretor era alguém que ele conhecia e confiava, pois pôde se aproximar por trás sem que ele se importasse – ou seja, ele permitiu essa aproximação, certamente sem a menor ideia do que aconteceria a seguir. Isso eu não discuto. Deduziu também que, dado o curto espaço de tempo entre o assassinato e o corpo ser encontrado no telhado, o assassino só pode ter ido pelas escadas. Aí eu discordo. Até onde me pareceu, ele poderia muito bem estar no elevador, junto com todo mundo, subindo no telhado para “encontrar” o diretor morto… mas isso é parte de outro problema: exceto a Moe e o Souhei, além da falecida Shiki, os demais personagens são pouco ou nada desenvolvidos. O vice-diretor é, vá lá, mais ou menos conhecido porque passou bastante tempo com os protagonistas, mas o que sabemos dele? E os demais então? Eu não consigo apontar o dedo na cara de ninguém porque sequer os conheço para saber se teriam alguma motivação para tal. A única ali dentro que consigo imaginar alguma motivação é a esposa do diretor, que poderia ter cometido crime passional, mas não estou fazendo nenhuma grande dedução supondo isso, é tão básico que é quase certeza que está errado, e nem preciso me preocupar em checar essa hipótese contra os fatos constantes do anime.

A maior parte do episódio se dedicou à intimidade da doutora Shiki. Seu alojamento pessoal e sua personalidade. Ela tinha uma casa com vários cômodos dentro das instalações do laboratório, parecia um lugar muito confortável para se viver sozinha. Algumas coisas ali podem servir até de estímulo para quem mantém a teoria da criança oculta: brinquedos, uma casa grande, duas cadeiras à mesa, uma máquina de costura e uma marcenaria que permitiriam em tese à doutora manter alguém vivendo ali com ela sem que ninguém jamais soubesse – parece que não há câmeras lá dentro também. O lixo é jogado fora e triturado, não é vasculhado, então não teriam como encontrar pistas como fraldas sujas, por exemplo. Mas mantenho tudo o que eu disse sobre essa hipótese no artigo anterior: é bobagem. Tanto em termos de roteiro quanto em termos de lógica.

Parece importante que ela tivesse um robô idiota capaz de trancar e destrancar portas mas incapaz de abri-las de fato. Principalmente porque basta alguém pedir que ele abre, não pareceu haver qualquer sistema de segurança (claro que pode ter havido e sido removido ou desabilitado após o crime). Adequado para alguém com múltiplas personalidades, o robô tem a voz da Shiki. Aliás, as múltiplas personalidades da doutora foram a grande revelação do episódio. O que se conclui disso? Bom, acho que a única coisa concluível é o que a Moe já disse: foi a Shiki mesma quem matou os pais, e sob sua principal personalidade, mas ela provavelmente fez isso sob ordem de alguém. O que, por si só, é incrivelmente inesperado para a Shiki: fazer o que outros mandam. Claro, como criança-gênia ela sempre de certa forma fez isso, mas ao mesmo tempo não é como se ela desprezasse as pesquisas, o que ela aprendeu a desprezar foi as demais pessoas, todas menos inteligentes do que ela, segundo a própria. Ela pode ter desenvolvido esse gosto pela pesquisa e pelo conhecimento como um mecanismo de defesa? Claro, é muito provável que foi isso mesmo. Mas no caso do assassinato dos pais dela, ao invés de inventar qualquer justificativa do tipo, apenas se eximiu completamente da culpa. Foi uma boneca, ela diz. Foi ela, sendo controlada por outra pessoa, a Moe deduz. Mas além disso o que mais se pode concluir a partir da informação de que a Shiki tinha múltiplas personalidades? Eu não sei. Mas a Moe já sabia disso desde que conversaram e só agora, quando descobrimos por outros meios, que ela contou. E só agora ela usou um pouco dessa informação que só ela tem para deduzir algo. Percebe o quanto ela está segurando informação?

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