Concrete Revolutio – ep 6 – Chocolate meio amargo
[sc:review nota=5]
Li um artigo em inglês (esse aqui) que propõe uma forma diferente de abordar Concrete Revolutio. Se leu meus artigos até agora, e se andou lendo comentários pela internet (pelo menos em português), deve ter percebido que a interpretação mais comum de Concrete Revolutio era a de que o anime se trata de mais uma história sobre o “outro lado” do super-heroísmo. Uma desconstrução, se quiser usar esse termo que já virou carne de vaca de tanto ser usado para tudo. Eu também acreditava que fosse isso. Não era, claro, um Watchmen, mas seria esse o tipo de história que Concrete Revolutio conta. Ou talvez no mínimo algo menos ambicioso mas ainda tendo o super-herói no centro da narrativa, coisa que os japoneses fizeram há alguns anos atrás com Tiger & Bunny, por exemplo. Mas a falta de um tema unificador para todos os conflitos do anime fazia ele resistir a essa interpretação e no episódio 5 eu atingi o auge da minha frustração. Mas eu li sobre essa nova abordagem, e percebi que estava apenas procurando no lugar errado. Concrete Revolutio não é uma história sobre super-heróis (ou sequer sobre super-humanos), mas uma história sobre as consequências de nossas escolhas – com super-heróis! Continue lendo que vou explicar essa história direitinho além de, claro, comentar o triste sexto episódio.
É tão simples que espero que a minha menção já tenha bastado para muita coisa passar a fazer sentido. Para começar, a narrativa não-linear deixa de ser uma escolha apenas estética e assume uma função fundamental na história: justapôr o momento em que um personagem toma uma decisão com o momento em que ele tem que arcar com o peso das consequências dessa decisão. Algumas decisões que tomamos na vida são pequenas, têm efeitos imediatos e que duram por pouco tempo, mas grandes decisões podem durar para a vida toda, e não raro anos depois somos atormentados por consequências daquela escolha que fizemos. A longa distância temporal, essa assincronia entre ação e reação, pode tornar difícil percebermos exatamente o que fizemos lá atrás para estarmos aqui onde estamos hoje. Às vezes até entendemos as escolhas que provocaram o atual estado das coisas, mas elas estão tão distantes no passado que é quase como se tivessem sido tomadas por outra pessoa. É como se a culpa não fosse nossa. É como se não fosse justo.
Justiça sequer está em questão aqui. As consequências existem e precisamos lidar com elas. Essa é a situação mais próxima de “aprender com os erros do passado” que cada um de nós eventualmente precisa encarar, e mesmo assim fracassamos. Porque achamos injusto, porque achamos que todo mundo tem que aprender com os erros, que a sociedade tem que aprender com os erros, que a humanidade tem que aprender com os erros, que o mundo tem que aprender com os erros, mas nós, nós não precisamos aprender nada. O que sofremos é uma injustiça! Ou, talvez, consigamos perceber que não se trata de justiça, mas face à horrível realidade, só nos resta o desespero. E Concrete Revolutio mostrou, e continua mostrando, todo o tipo de reação que pessoas podem ter nessas circunstâncias através de seu elenco de personagens. Eles tomam decisões e anos mais tarde precisam encarar suas consequências. Nós aqui assistindo não achamos que seja injustiça porque o formato de Concrete Revolutio distorce o tempo e conta as histórias da causa e do efeito intercaladas. O espectador está em uma posição privilegiada. Mas os personagens do anime estão sofrendo toda sorte de estresse e abalo mental enquanto tentam lidar com as consequências de seus atos.
Como que para deixar claro do que está falando, nesse episódio de Concrete Revolutio os protagonistas são pessoas normais, que por acaso adquirem poderes super-humanos mas só querem continuar suas vidas normais. E a diferença de tempo entre os dois momentos temporais nesse episódio é bem curta: cerca de um ano apenas. Esse episódio até poderia ser contado de forma linear (se não fossem os meses faltantes no meio, é claro) que ainda funcionaria exatamente da mesma forma. Os personagens não tentam se insurgir contra as consequências de suas ações porque elas foram relativamente recentes, porque elas permanecem o tempo todo em suas mentes.
Uma banda pequena e desconhecida que além de música faz comédia pastelão para a plateia. Três membros jovens e um mais velho. Idealismo e realismo. Essas pessoas comuns, que você pode encontrar aos montes em qualquer cidade, receberam de uma banda de super-humanos poderes super-humanos. Como lidar? Dee quer sei lá, ser super-herói, ser grande, ser famoso, qualquer coisa grandiosa e única como ele se sente ser. Don, o membro mais velho e mais experiente, quer apenas continuar tudo como sempre foi – e não é conformismo, ele acredita que assim esteja realmente bom. Entre choques de realidade e acasos, Don acaba descobrindo um segredo grave de sua produtora: no show de uma nova banda de super-humanos vai ser distribuído um chocolate que, ninguém sabe, possui um ingrediente químico ainda não suficientemente testado que terá o efeito de inibir a manifestação dos genes relacionados a super-poderes nas pessoas que os comerem. Michiko Touzaki, a mesma mulher por trás do caso do MegaGon, está por trás disso também.
O que fazer? O remédio nunca foi testado, mas o laboratório garante que é seguro. É interesse do governo diminuir o número de super-humanos (ou impedir que seu número aumente), e é também o que prefere o Don, que viu o que super-humanos podem fazer quando usados como armas de guerra. Dee, claro, pensa muito diferente. Mas quando Touzaki tenta comprar o silêncio da banda, Don abre mão do que é provavelmente a única chance que terá em toda sua vida para ser um artista de primeira linha e toma a decisão de impedir o plano da produtora. Eles já haviam sido abordados pelo Escritório de Super-Humanos e poderiam ter relatado isso, poderiam ter deixado que eles cuidassem disso, mas escolheram lidar com o assunto pessoalmente. E eles conseguiram: destruíram o lote de chocolate contaminado que seria distribuído tomando o cuidado de guardar uma única barra, que ameaçaram levar à imprensa caso retomassem o plano. Mas o custo dessa decisão foi muito pesado: em um contra-ataque ordenado pela Touzaki e executado por sua banda de super-humanas, Dee morreu defendendo seus colegas. Morreu como um herói, como ele sempre quis ser.