Boku Dake ga Inai Machi, Dagashi Kashi, Rakugo Shinjuu – Primeiras impressões
E a temporada de inverno começou! Bom, mais de uma dezena de animes já estrearam então tecnicamente eu estou atrasado e não sou a melhor pessoa para dizer algo como “a temporada começou”, mas para mim ela começou agora, então o que mais eu poderia escrever? Estava pensando em escrever algo como “estreando os artigos de estreias” mas tenho quase certeza que fiz isso na temporada passada, então é melhor não.
Mas que estreias hein! Só anime nota 10! Na verdade comecei logo por três animes tão bons que estou até receoso em escrever sobre eles. Quero dizer, vai que eu não consigo transmitir direito o quão bons eles foram e você decide não assistir por minha causa? Eu não suportaria essa culpa! Então antes de tudo quero combinar uma coisa: não importa o que eu escrever, se parecer não ser tão legal assim é porque a culpa foi minha, eu que estraguei tudo, ok? BokuMachi, Dagashi Kashi e Rakugo Shinjuu são animes excelentes! Assista-os independente de mim! Assista-os apesar de mim se for necessário!
Agora que estamos combinados, por favor leia as minhas humildes impressões iniciais desses três animes!
Boku Dake ga Inai Machi, episódio 1 – Onde você está, Fujinuma?
De todas as estreias até agora, essa parece ter sido a que impressionou a maior quantidade de pessoas, e eu definitivamente entendo que tantos tenham gostado tanto assim desse anime! Satoru Fujinuma é um autor de mangá fracassado, não tenho certeza mas se entendi direito o episódio ele já desistiu disso, ou talvez simplesmente não ganhe o bastante ainda com sua arte e por isso precise trabalhar como entregador de pizzas para se sustentar. De todo modo, mangás em si não importam. O relevante aqui é que ele é uma pessoa com algum tipo de “bloqueio” e seu (ex?) editor percebeu isso em sua história e apontou isso. É algo psicológico, o Satoru simplesmente não é normal. Ele não consegue se relacionar direito com as pessoas porque ele não consegue entender as pessoas. Porque ele não entende as pessoas, ele não consegue retratá-las em sua arte, entende?
Mas esqueça a arte dele porque ela realmente não é importante, exceto para a caracterização do personagem, e há pouquíssimas cenas que tratam disso e são bem curtas. Duas mulheres interagem com o Satoru durante esse episódio, sua mãe e uma adolescente colega de trabalho, e ele não consegue entender as duas. Ele sofreu um acidente e ficou internado no hospital dois dias sem acordar e mesmo assim se espantou com a presença de sua mãe quando voltou para casa. Ele é adulto e vive sozinho há anos e a mãe dele veio visitá-lo nessa emergência. Ela se prontifica a passar alguns dias com ele e Satoru acha estranho, se incomoda. Mas ele acabou de bater a cabeça, eu acho isso uma preocupação materna bastante normal! Claro que a mãe dele tem suas peculiaridades, ela quer aproveitar a estadia para visitar a cidade e essas coisas, mas e daí? Estranho seria se ela começasse a seguir o filho crescido por toda parte como se fosse uma enfermeira. Ela só quer estar por perto. Eu não tenho filhos e acho isso muito fácil de entender, mas ele não entende.
A adolescente é Airi, e como já adiantei, Satoru também não a entende. Ela está obviamente interessada nele (não necessariamente apaixonada, mas está “aberta”, entende?) e ele não entende, não consegue entender. Todo mundo em volta percebe, menos ele. Perto do final do episódio há uma cena onde um colega de trabalho dos dois fica olhando enquanto o Satoru vai embora para casa e eu tenho certeza que ele estava fazendo cara feia para o protagonista por sentir ciúme dele. Não que ele necessariamente goste da Airi, veja bem, é um personagem que apareceu de relance em apenas uma mísera cena e não fala nada, ele em si não é importante, mas a reação dele é: ele percebe que a Airi está dando mole pro Satoru e isso o irrita. Pode ser porque ele gosta dela, ou porque simplesmente se irrite que o Satoru seja tão estúpido com uma garota bonitinha afim dele, não importa: o que importa é que ele percebeu, e o Satoru não.
Agora, o que deixa alguém tão assim alienado do mundo? Não faço a menor ideia. Normalmente se supõe que seja um trauma durante a infância, e em BokuMachi realmente há algo assim para o Satoru: colegas de classe dele morreram. Uma garota que ele viu e pensou em falar com ela mas não falou morreu logo em seguida, e se ele tivesse falado não teria morrido (não naquele dia, pelo menos), e ele se culpa por isso. Mas flashbacks anteriores a isso mostram um Satoru já alienado do resto dos colegas. Talvez ele simplesmente sempre tenha sido assim? Bom, no final do episódio ele voltou para o passado, nos seus tempos de infância (e com suas memórias de adulto!), e além de salvar seus colegas resolvendo o mistério do assassino de crianças, tentará resolver um mistério ainda maior: quem é Satoru Fujinuma, e onde ele está?
Dagashi Kashi, episódio 1 – Doces e café
Eis uma ótima comédia slice of life! A internet já está inundada de imagens e gifs da Hotaru Shidare, e não é para menos: ela faz caras e poses em todas as cenas em que participa no episódio. O que compõe mais ou menos dois terços do episódio inteiro. O protagonista é supostamente o Kokonotsu Shikada, o garoto cujo pai possui uma loja de doces e quer que seu filho a herde, mas ele mesmo não quer de jeito nenhum. Supostamente porque todo mundo rouba a cena dele. Mas pensando bem acho que isso faz dele exatamente o protagonista, não é? Ele é o “homem direito” que toda comédia precisa para contrastar ainda mais com as esquisitices dos outros personagens e tornar as cenas ainda mais cômicas.
Não tem personagem com quem ele não seja o homem direito. Seu pai é esquisito (e é famoso por isso na cidade) e faz coisas aleatórias como pegar os manuscritos do mangá que o filho está desenhando sem avisar e anunciando que eles precisam “ter uma conversa” começar a criticar a arte dele. Além, claro, de querer de todo modo que o Kokonotsu herde a loja de doces minúscula da qual ele se orgulha como se fosse o Mufasa mostrando para o pequeno Simba toda a extensão de seu futuro reino. A Shidare é filha do dono de uma fábrica de doces e é ainda mais esquisita que o pai do protagonista, ama doces e foi até a loja dos Shikada para contratar o pai esquisito. Que não aceita, afinal ele tem sua Loja, que se estende até onde a vista alcança … ou quase isso. De alguma forma o Kokonotsu tem jeito com doces e com o negócio e consegue impressionar sem querer tanto seu pai quanto a garota, que acabam firmando um acordo: se ela conseguir fazer o moleque herdar a loja, ele aceita a oferta da fábrica. E é claro que isso é só desculpa para ela começar a viver com eles porque é engraçado.
O elenco conta ainda com os irmãos Endou, que possuem uma lanchonete. A garota, Saya, mal consegue esconder que gosta do Kokonotsu, e o Kokonotsu por sua vez está completamente cego a isso. E porque clichê pouco é bobagem, ela não gosta de doces, mas aceita as balas de café que ele trouxe, e ele não gosta de café, mas adora o café dela “porque fica muito bom com açúcar” ou algo assim. Tudo isso só serve para ela ficar envergonhada no melhor estilo tsunderê possível. E ela ainda nem sabe que a tal “garota bonita” de quem ele falava e que a deixou com ciúme era a Shidare, que por acaso ela encontrou atolada no meio de um campo de arroz e a ajudou com uma troca de roupas e um banho. Romance? Triângulo amoroso? Não espere muito disso. Dagashi Kashi tem isso não porque queira adicionar emoção, mas só porque é engraçado. E está funcionando.
Showa Genroku Rakugo Shinjuu, episódio 1 – O seu próprio estilo!
Muita coisa acontece nesse episódio, muita coisa mesmo. Tenho impressão que aceleraram e pularam muita história do mangá só para colocar o anime no ponto em que queriam. Ou é isso o que eu espero, porque pode ter funcionado maravilhosamente bem nesse primeiro episódio que é afinal de contas uma apresentação, mas passar a temporada inteira assim seria complicado. O anime possui três personagens principais: o protagonista Yotarou, o mestre de rakugo Yakumo, e Konatsu, filha de um colega de Yakumo que morreu e ele criou.
É tanta coisa, o relacionamento entre todos eles é tão complexo que nem sei por onde começar. Vou tentar descrever. Os pais de Konatsu morreram em um acidente e ela acredita por alguma razão que Yakumo matou seu pai. Quero dizer, ela não exatamente acredita nisso, mas ela desconfia que possa talvez ser o caso e a atitude dele não a convence do contrário. Ele faz isso de propósito. Não acredito que ele queira torturá-la, Yakumo apenas me pareceu do tipo de pessoa que só fala o que acha que tem que falar, quando acha que tem que falar. Não pede nada para ninguém e não fica se explicando desnecessariamente. Ele está convicto de que não fez nada de errado e por isso não quer ficar se explicando cada vez que as dúvidas crescem na cabeça da Konatsu. Yakumo já deve ter dito que não matou o pai dela quando ela ainda era criança, de todo modo. E talvez sinta-se culpado pelo acidente de alguma forma – não tenho a menor noção, a essa altura, de que tipo de acidente tenha sido. Dá pra especular muita coisa, e especulo que o anime queira ter esse tema vivo por um bom tempo ainda.
Como já disse, Yakumo e o pai da Konatsu, Sukeroku, eram colegas. Mais precisamente treinaram sob o mesmo mestre no rakugo (se entendi, o pai de Yakumo; aliás, Yakumo é um sobrenome ou título). Fizeram uma promessa de reerguerem o rakugo no Japão mas Sukeroku morreu, deixando Yakumo sozinho para trás. E no meio dessa mistura tensa mas que os anos certamente já haviam estabilizado de alguma forma, chegou Yotarou. Ex-presidiário que viu uma apresentação de Yakumo na cadeia e se apaixonou pela arte. Um sujeito impulsivo, apaixonado, mas não muito corajoso, a descrição que seu antigo colega de crime deu é perfeita: Yotarou é como um cachorro que se afeiçoa a qualquer um que lhe dê um prato de comida ou ofereça um afago uma vez que seja.
Os três são apaixonados por rakugo. Yakumo vem de uma linhagem de comediantes de rakugo (parecido com a comédia stand-up que conhecemos, mas mais tradicional na aparência, nos modos e na rigidez do formato, algo tipicamente japonês mas que é legitimamente engraçado, não tenha ideias erradas sobre “coisas tradicionais”!). Yotarou se apaixonou à primeira vista e convenceu Yakumo a tomá-lo como aprendiz. Mestre e aprendiz, os dois podem subir no palco e dar vazão a sua paixão. Konatsu é um caso bem diferente. Ela possui a cicatriz emocional mal fechada da morte do pai, que também era um comediante rakugo, e ela não pode sucedê-lo. Rakugo é tradicional, e como tudo o que é tradicional no extremamente patriarcal Japão, está vetado a ela apenas por ser mulher. Ela treina, ela gostaria de estar nos palcos, mas provavelmente nunca teria a chance sequer em condições normais. A Konatsu é uma caldeira de mágoas e frustrações que o Yotarou está contribuindo para que aumente a pressão.
Quanto drama para uma história sobre comediantes, não é? É. Tem uma apresentação de rakugo completa do Yotarou, e ela é engraçada de verdade, eu consegui rir aqui, mas por causa das circunstâncias em que acontecia fiquei tenso o tempo inteiro. Foi estranho – não estranho de ruim, um estranho bom. Uma experiência diferente, desconhecida. Há muita história sobre o passado de Yakumo e Konatsu, mas o tema com o qual o episódio encerrou foi o que deve fazer um novo artista: buscar o seu próprio estilo e não apenas imitar os que vieram antes dele. Eu consigo me identificar com isso. Não, não sou artista, mas o trabalho que realizo aqui no Anime21 é um trabalho criativo também, não é? Esses textos que escrevo, todos eles, são uma forma de me expressar. Desde que comecei o blog que me preocupo precisamente com isso: qual deve ser o meu estilo? Já li e leio muitos blogs, sobre anime e sobre outros temas, e cada autor tem o seu estilo. Qual deveria ser o meu? Devo imitar alguém, misturar alguns, fazer o que consigo fazer mais fácil…? Não tem resposta fácil. Com um olho no passado e outro no futuro, Yotarou, Yakumo e Konatsu devem trazer risos e choros nessa temporada.