O Yakumo está sendo cuidadosamente esculpido. Um lado primeiro, depois o outro. Um esboço grosseiro primeiro, depois a lapidação cuidadosa e por fim o lixamento. Se preferir outra arte, ele é como um quadro cubista, com todas as suas faces expostas ao mesmo tempo. Se fosse música … ah, eu não entendo nada de artes plásticas e entendo ainda menos de música, me desculpe e não seja tão exigente, por favor. De todo modo o Yakumo não é música, nem escultura nem um quadro: é um personagem de anime.

Veja só, reclamei de mim mesmo ontem no artigo de BokuMachi que publiquei sobre o episódio seis quando o sétimo já havia saído e eis que cometo o mesmo erro com Rakugo Shinjuu. Tenha um pouco de paciência comigo porque prometo que vou colocar esse blog em dia. Prometo! Já estive atrasado antes e recuperei-me, confie em mim.

Como prova de minha determinação imediatamente antes de escrever esse artigo eu … bem, passei meia hora procurando para assistir uma versão decente de Part of Your World, da Pequena Sereia, no Youtube. E encontrei! Inclusive em mais de um idioma, se bem que as boas mesmo só a original (inglês) e português de Portugal (sério, ela é muito legal – e eu não entendi nada, aquilo é klingon pra mim). A versão nacional é boa também, mas não procurei por ela e não a ouvi.

Essa fase de desenhos da Disney faz parte da minha infância, simplesmente não posso evitar me emocionar. Alguns deles além de tudo são bons filmes ou pelo menos propõem alguns bons temas. A Pequena Sereia é um dos melhores e essa música em particular é sensacional. É uma das peças principais do filme e não é sobre amor, não é sobre colecionar bugigangas da terra-firme. É um momento desesperadamente introspectivo de uma adolescente que cresceu superprotegida pelo pai e não aguenta isso mais. Ela quer sair, escapar, ser livre, e o acaso ocorre de sugerir a ela que o mundo que ela não conhece é a terra-firme e a ação desastrada de seu pai a faz decidir precipitadamente que jogar-se nos braços de um homem é a forma de escapar de sua cela de luxo (~no fundo do mar~).  O original é uma tragédia e a versão da Disney é bem diferente mas continua sendo uma tragédia. Entendido dessa forma, A Pequena Sereia beira a genialidade possível para sua época.

Onde fica o seu "fora do mar", Yakumo?

Onde fica o seu “fora do mar”, Yakumo?

Momento Disney passou, retomando (mas eu mal comecei!) Rakugo Shinjuu. E o Yakumo, será que ele já pensou em ser “de outro mundo”? Eu sei que sim, você sabe que sim, isso foi tratado alguns episódios atrás já quando ele teve a oportunidade de continuar sua brilhante carreira de apertador de parafusos em uma fábrica qualquer no interior. Oh, pensando bem, talvez ele nunca tenha tido uma chance real de escolher. Pouca gente ali teve opção; em parte porque rígida era a sociedade japonesa, e em parte porque pós-guerra era a sociedade japonesa. Daí que ele tenha, de fato, “escolhido” fazer rakugo mas tenha passado a maior parte do tempo sem saber direito porquê. Por que rakugo?

O Yakumo tem uma sensação meio vaga de que gosta de rakugo. Quando ficou afastado da arte sentiu falta dela, sentiu-se “chamado” de volta. Ele volta e logo os problemas que ele tinha voltam também. Mais experiente, com mais sucesso, mas ainda sempre atrás do Sukeroku. E puxa vida, a apresentação do Sukeroku foi completamente ofuscada pelo Yakumo no episódio 5, então como pode, em condições normais, o Sukeroku ser melhor? Foi só por causa do tema?

Sem dúvida que a escolha do tema da peça influiu no resultado, mas tem outro detalhe importante aí: o Sukeroku decidiu bem cedo o que queria fazer e por quê. Em qual “mundo” queria viver. Quando ele ainda era criança, quando o Novo Yakumo ainda nem conhecia o Velho Yakumo, o Sukeroku já sabia o que queria fazer: rakugo para divertir as pessoas. Ele bateu o pé na porta do Velho Yakumo e se impôs enquanto o Novo Yakumo era apenas empurrado de um lado para o outro. Agora ele finalmente está fazendo algo que gosta, mas por que gosta?

Aguentar isso deve ser difícil em mais de uma forma, e em casa deve ser ainda pior

Aguentar isso deve ser difícil em mais de uma forma, e em casa deve ser ainda pior

Já se perguntou por que você faz o que você faz? Se for estudante ignore essa pergunta; ao invés, fique com o conselho de um velho: atrase sua decisão o máximo que puder (mas sempre pense nela, não tô mandando ninguém aqui vadiar às custas dos pais, ok?). Eu sou programador. Por que escolhi ser programador? Em algum momento da minha adolescência meu pai teve uma loja de informática e eu comecei a trabalhar com ele. Então decidi continuar porque era bom nisso. E o que mais? Eu sou velho, mas ainda não sei, não faça perguntas difíceis.

Eis que Yakumo descobriu: ele não quer fazer rakugo para os outros. Quer fazer para ele mesmo. Faz muito sentido. Ele gosta de estudar, se aperfeiçoar, gosta do rakugo em si, então por tudo isso ele quer se apresentar para se sentir bem consigo mesmo. Adicionalmente, se ele for mesmo homossexual e estiver (talvez até sem saber) reprimindo sua sexualidade, gostar de si mesmo por alguma outra coisa, sentir prazer com alguma outra coisa, qualquer coisa, é extremamente importante para ele. Essa descoberta de algo simples mas tremendamente furtivo mostrou resultados imediatos na qualidade da apresentação do artista. Acho que agora não tem mais como atrasar o “suicídio duplo”, não é? Esse episódio já até mostrou o Sukeroku botando pressão na Miyokichi (que permaneceu fiel ao Yakumo!). Estou ansioso pelo sétimo, e que bom que já o tenho aqui!

Olha lá o danado do Sukeroku

Olha lá o danado do Sukeroku

  1. Olá Fábio!
    Peço desculpas por não ter aparecido aqui nas últimas semanas. A verdade é que meus posts também andam meio atrasados, não pense que é culpa sua, os seus continuam ótimos. 🙂

    Bem, em primeiro lugar, teu post é genial, falando de opções. Eu acho que ele teve opção sim, e ele sabe que teve opção, mas ele por bem ou por mal já gostava demais de rakugo naquela época para desistir e jogar tudo pro alto. Ainda que a sociedade japonesa fosse rígida, ele preferiu se arriscar no universo um tanto incerto do rakugo a ser um simples trabalhador de fábrica, então também havia um risco aí, né? Eu agradeço a escolha dele, porque deu um anime excelente, hehe. ^_^

    Enfim, tenho mais coisas pra falar, mas falo do resto nos comentários do post do episódio 7! Muito obrigada pelo bom post como sempre, e até mais!~

    • Fábio "Mexicano" Godoy

      Olá, obrigado como sempre. Aliás, a casa já é sua, já sabe onde fica a geladeira, pode se servir de que quiser e essas coisas todas, hehe.

      Sim, o Yakumo teve algumas oportunidades de escolher. Assim como todo mundo teve. Eu cheguei a cursar publicidade quando já trabalhava com programação … e voltei para programação depois =) Ainda assim não sinto que eu escolhi essa carreira. Sinto que o Yakumo naquele momento se sentia de forma parecida. É difícil explicar, se eu só pedir pra você acreditar em mim, você acredita? Hehe.

      Parte da experiência não é exatamente a mensagem que o autor colocou, mas como a interpretamos. Para mim foi isso o que esse episódio significou =)

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