Cá estou eu tendo que lidar com assassinos por dois dias seguidos! Felizmente apenas no sentido literário, não no literal. Quero dizer, se já é difícil para um profissional como Heizou, o Diabo, que dirá para mim! E fico mais feliz ainda que seja um caso razoavelmente diverso (mas não muito) do de ontem, quando escrevi sobre a Rose de Tales of Zestiria.

Tanto Kaneko, o assassino desse episódio, quanto Rose, estão em busca de vingança pela morte de seus respectivos pais. Ambos não conseguem continuar suas vidas sem por um fim nesse assunto. Ambos trabalham como assassinos enquanto procuram por quem matou seus pais. Ambos não são, em essência, maus. Existem vários outros paralelos, entre os óbvios e os que demandam um pouco mais de “interpretação livre”, mas paro por aqui porque esse não é um artigo de análise comparada e as duas obras não tem absolutamente nada a ver. Se você assiste ambos, como eu, e estiver interessado, sem dúvida conseguirá pensar em várias outras semelhanças ou nem tanto assim. Se não assiste ambos eu só estou te perturbando com essas comparações. Então a partir de agora é só Onihei.

Para começar de forma descontraída, vamos saudar Heizou por se divertir em seu trabalho! Nem todo mundo consegue isso, e ele consegue mesmo estando sob risco de vida. Aliás, corrigindo: ele consegue principalmente quando está sob risco de vida. Tem aquelas coisas bonitas que seus subordinados falaram sobre ele querer resolver os casos logo antes que mais vítimas surjam e tal, e provavelmente é verdade, mas nesse episódio em particular, de parte do Heizou, só vimos satisfação e alegria. Seu filho completa a família fanfarrona, jurando vingar a morte do pai caso ela venha a acontecer com a ligeireza de quem diz “bom dia”. Sua mãe foi no cerne da questão: que esperança teria ele de derrotar alguém que matasse seu pai?

Heizou encontrou um rival à altura

Que esperança tinha, aliás, Kaneko? Ele sequer conhecia o rosto do assassino que caçava há mais de dez anos. Pelas orelhas de Buda, nessas circunstâncias por que partiu nessa missão em primeiro lugar? Provavelmente pelo mesmo motivo que Tatsuzou prometeu matar um hipotético assassino de seu pai: filho de um guerreiro, criado como um guerreiro para se tornar um guerreiro. Kaneko não sabia fazer nada diferente disso. Tatsuzou não está sendo educado para saber fazer ou sequer pensar em fazer algo diferente. No sistema de castas japonês vigente à época (na verdade não sei se ainda era oficialmente vigente, mas culturalmente há resquícios dele até hoje no Japão) o Guerreiro estava abaixo apenas do Nobre, então realizar qualquer outra tarefa, como trabalhar a terra, ser um artesão ou comerciante, era desonrosa. Totalmente fora de questão.

Kaneko cresceu para ser um guerreiro, esse era seu destino. Mas ai! Guerreiro ele não poderia ser se não vingasse a morte do pai, que foi morto em uma tola briga de bêbados. Sua habilidade era invejável – ele só não matou o Onihei porque Kumehachi interviu – mas sua mente não estava preparada para isso. Sem poder ser um guerreiro honrado, tornou-se um assassino para financiar sua vingança porque a espada era o único instrumento que sabia usar. Mas matando por dinheiro ele acabou matando um pedaço de si e a culpa o enlouquecia e fazia delirar.

Até que um dia ele quebrou. Cedeu após três anos às gentilezas da criada da casa onde vivia e matou os donos do lugar porque eram cruéis com ela por causa dele. Desistiu da vingança. Prometeram fugir juntos, viver juntos. Sem qualquer honra, honra ele não precisava mais, honra ele nunca teve, e se era para ter honra cheirando a sangue talvez fosse melhor não ter mesmo honra nenhuma. Ele só precisava terminar seu último trabalho e poderiam fugir. Juntos. Seria o fim.

Foi o fim. Mas não o que ele esperava. Por uma piada macabra do destino, Heizou, seu alvo, se escondeu na pensão da qual o assassino de Kaneko era o dono. Kaneko não o conhecia, mas ele conhecia Kaneko. Conhecia Kaneko, conhecia o código Bushidô, e sabia que para recuperar sua honra Kaneko deveria matá-lo. O que ele não sabia é que Kaneko não sabia quem ele era e já havia desistido da vingança para viver uma vida pacífica como qualquer outra coisa que não um guerreiro. Ele não sabia que Kaneko só queria ser feliz com a mulher que amava, como os poucos segundos de tela que tiveram mostraram que ele e sua esposa eram um com o outro. Então quando teve a chance, o assassino do pai tornou-se também o assassino do filho. Heizo assistiu a tudo e não o prendeu ou repreendeu – era tudo questão de honra, afinal, não havia sido um “crime”.

O fim de quem viveu banhado em sangue

Notável que o episódio voltou no tempo, talvez dessa vez para valer. Kumehachi está vivo e com um pouco de sorte nos próximos episódios descobriremos quem será a futura mãe de Ojun. O fato do mandante da tentativa de assassinato do Heizou ainda estar vivo também é uma boa pista do que está por vir. Fiquemos ansiosos (eu pelo menos estou).

  1. Este anime está cada vez melhor, este episódio em especial, foi muito bom. Em relação à tua comparação entre a Rose de Tales e Kaneko de Onihei é correcta, ambos têm um móbil em comum, vingarem-se daqueles ou daquele que lhes matou o pai. Só que aqui existe uma diferença entre a maneira de agir dos dois, a Rose assassina os maus e corruptos, por um bem maior, que visa o bem do povo. Já o Koneko, é diferente, ele precisa matar, o responsável da morte do seu pai, para se tornar um samurai honrado e em pleno direito de o ser. Nem que para isso, tivesse que partir em uma jornada, que visava apenas encontrar o homem que lhe assassinou o pai, supostamente numa brincadeira em que ambos estavam bêbados. A forma, como o Kaneko, arranjou para financiar a sua jornada de vingança, não é nova nos animes, mas em particular neste episódio 3 de Onihei, foi usada de forma muito boa. O Kaneko ao agir, como assassino a soldo, conseguia o dinheiro que precisava, para continuar, a sua incessante procura, pelo assassino do seu pai, ele habilidade com a espada tinha, tinha tanta que até surpreendeu o demónio do Heizou, mas a forma como ele usava as suas habilidades de espadachim, não o diferenciam de um mero ronin, que matava por dinheiro. E como bem referiste Fábio, ele acabou por matar uma parte de si, ao cometer assassinatos por dinheiro. Enlouqueceu-o tanto, que ele tinha que passar um óleo especial na pele dele, para ele não sentir o cheiro do sangue das pessoas que ele tinha matado. E quando esse mesmo óleo acabava, ele entrava em uma espiral de loucura e culpa pelos assassinatos que tinha cometido. A cena em que o Kaneko, lança um ataque surpressa, ao Heizou, quando este estava a regressar para casa, foi muito boa, são poucos, aqueles que têm a coragem e audácia, de o atacar em que sitio seja, se não fosse o Kumehachi o Heizou poderia estar em apuros, pois o Kaneko estava mesmo decidido a eliminar o Heizou. A cena da pensão onde o Kaneko, vivia como inquilino e vê a criada da casa a ser maltratada pelos donos, pelo facto de se preocupar com o Kaneko, foi muito boa, a morte que o Kaneko deu a estes mesmos patrões, foi digna até demais, aquele tipo de gente merece o pior tipo de morte possível. Nunca pensei, que o Kaneko, fosse ceder na sua vingança, por causa de uma mulher. Aqui se vê o excelente uso da psicologia e sociologia por parte deste episódio, as gentilezas que a Osaki, fez para o Kaneko, fizeram rever os seus objectivos de vida e ele estava disposto, a deixar para trás a sua vingança, a sua honra, tudo para ficar junto a Osaki. Mas antes disso ele tinha que acabar, com o seu último trabalho que era matar o Heizou, depois disso ele era livre, para fugir com a Osaki. Mas como o destino gosta de brincar com as pessoas, o Kaneko não estava à espera, que o vil assassino do seu pai, fosse o dono da pensão onde o Heizou se tinha escondido, para emboscar o Kaneko. Já se notava bem, quando o Kaneko, atacou o Heizou, nessa mesma pensão, que ele já não era aquele assassino de sangue frio, como era no inicio do episódio, ele só queria acabar aquele trabalho e fugir com a sua amada Osaki. Eu já sabia que ele ia morrer, desde o momento, em que o Kaneko na sua imaginação, se via no campo com a sua amada e o seu futuro filho, vê-lo a fugir do Heizou, foi doloroso, pois ele queria sobreviver para voltar para a sua amada, com quem tinha prometido se encontrar numa ponte com a sua amada no dia seguinte de manhã. Até que ele é covardemente apunhado, pelas costas, pelo mesmo homem que lhe tinha assassinado o seu, pai, esse mesmo assassino, acabou por lhe tirar a vida. Mesmo não havendo essa necessidade, pois Kaneko já tinha desistido de procurar o assassino do seu pai. Ver o Kaneko chorar, depois de ter sido apunhalado pelo mesmo homem que lhe tinha matado o pai, foi doloroso e humanizou bastante o personagem. A morte do Kaneko, foi das mortes mais irónicas que eu já vi num anime, ninguém estava à espera que tal coisa fosse acontecer. Eu compreendo a atitude o Heizou em relação ao homem que matou o Kaneko, ambos eram samurais e tal morte foi por causa da honra de um guerreiro, por isso não foi considerado “crime”, afinal a honra de um samurai está acima de todas as leis. Fiquei com pena da pobre Osaki, ela esperou em vão o regresso do seu amado, e um pequeno pormenor, nessa mesma altura o assassino do seu amado, passa pela mesma ponte, onde a Osaki esperava o Kaneko. Agora um fora a parte, quando os samurais surgiram, eles além de excelentes espadachins, eles eram excelentes agricultores, foram eles que desbravaram as terras do Japão. Mas com a instauração do Shoguanto Tokugawa, as coisas mudaram e muito, desde já pelo aparecimento dos nobres e samurais de corte, que não faziam nada, além de escrever livros e de estarem em cerimónias do chá. E os samurais a sério, passaram-se a dedicar apenas à arte da espada, deixando para trás as raízes de agricultores, que os seus antepassados tinham. Pequena curiosidade, os samurais quando apareceram, eram uma casta, diga-se de passagem, de mercenários, eles eram contratados pelos nobres, para defesa dos mesmos. E essa conversa de honra acima de tudo, só apareceu quando nos séculos XVI e XVII, quando o Japão estava sem guerras e em clima de paz. O mais engraçado neste anime, é que ele representa um Japão, ainda não maculado pelas potências ocidentais, o anime passa-se na Edo, no ano de 1783, menos de cem anos depois, o Japão estava a entrar na Era Meiji, que a meu ver, trouxe mais desvantagens e males ao Japão do que vantagens.
    Como sempre mais um excelente artigo de Onihei Fábio.

    • Fábio "Mexicano" Godoy

      Dessa vez demorei para responder, mas cá estou!

      Sim, Kaneko e Rose são bem diferentes, claro. Kaneko é um assassino de aluguel e sabe que o que faz é errado. Ele mata quem o pagam para matar, seja bom ou seja mal. Rosa, por outro lado, está convicta de ser uma “assassina do bem”. Talvez no contexto de um mundo fantástico medieval isso faça sentido mesmo, com suas instituições arcaicas e feitas apenas para garantir privilégios e regalias de quem de alguma forma (geralmente à força) conquistou o poder. Mesmo assim, sendo uma ficção para pessoas contemporâneas, não consigo evitar julgar os atos da Rose segundo padrões contemporâneos, e aí não posso condescender com nenhum assassinato. Ao colocar o protagonista, que representa “o bem”, “o certo”, se opondo a ela também, Zestiria concorda comigo. Então Rose está talvez tornando o mundo um pouco melhor mas de uma forma errada, vil, maligna em si mesma (o que pode acabar corrompendo-a e ao seu serafim). Como ela acredita estar sendo boa e justa ela não sente nada a respeito. Já Kaneko, mesmo que eventualmente deva ter matado pessoas más também, sente-se sujo pela vileza de seus atos. E a sociedade japonesa do período Edo não era lá muito mais “justa” que o clássico cenário medievo. A impureza que em Zestiria se reflete na corrupção e transformação em monstro da própria pessoa é corretamente muito mais subjetiva em Onihei. Nada irá acontecer com Kaneko, seu corpo não se tornará no de uma besta das trevas, e não obstante sua mente encontra-se espatifada, incapaz de suportar todo o remorso que ele sente.

      Ufa, aí está tudo o que eu teria escrito no artigo, se fosse seguir com a comparação adiante!

      Obrigado pela visita e pelo comentário =)

      • Eu é que agradeço, essa explicação e comparação que não foi colocada no artigo, eu não diria melhor.
        A sociedade japonesa, nunca foi justa, o nível de injustiça e desigualdade entre as pessoas, estavam no mesmo nível que os países europeus na Idade Medieval. Os samurais por norma, eram guerreiros, que prezavam a honra acima de tudo, mas para um dos bons, haviam dezenas de Samurais de classe mais alta, que podiam fazer tudo o que quisessem. Quando o Tokugawa subiu ao poder, com o seu shogunato, as coisas ficaram ainda piores, umas das primeiras leis que ele colocou em vigor, para mim, um cidadão da era moderna, era bárbara e irracional, essa mesma lei, permitia que um samurai, caso fosse abordado de forma menos educada por outro samurai de classe mais baixa ou um camponês, este poderia matar a pessoa em questão e seguir com a sua vida, sem nenhum tipo de julgamento.
        Acredito que o Kaneko, se tivesse desistido poderia ter tido uma vida melhor e mais feliz. Aposto, que o pai do Kaneko, deve ter sido morto, no distrito vermelho, muitos dos samurais que se matavam uns aos, outros, costumavam matar-se e morrer nesse tipo de estabelecimento. E muitas dessas mortes, eram causadas pela brincadeira e pelo álcool, tal como o pai do Kaneko morreu.

      • Fábio "Mexicano" Godoy

        E a maior desgraça é que ele desistiu, não foi? Ao perceber que o simples fato de ter aceitado o amor da garota que por três anos o esperou ele havia mudado, nem mais seu último serviço ele pretendia fazer. Seria seu último assassinato, estava disposto a mudar de vida, e até mesmo desse ele desistiu. Mas quis o destino que ele finalmente encontrasse o assassino de seu pai – ou melhor dizendo, que esse o encontrasse.

      • O Kaneko, é o melhor exemplo, de como o Karma e o destino, podem ser uns grandes filhos da mãe. Tive muita pena da amada do Kaneko, esta consegiu o grande feito de tirar o desejo de vingança que o Kaneko tinha dentro de si. E a própria morte do Kaneko, foi muito triste, o estúdio ainda colocou o pormenor, de pôr-lo a chorar, enquanto olhava para a cara do seu assassino, que também tinha sido o mesmo a destruir-lhe a vida. A forma como, o dono da pensão, matou o Kaneko, foi covarde, nenhum guerreiro mata outro guerreiro pelas costas, já para não falar que o Kaneko estava desarmado.

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