Girls’ Last Tour – ep 12 final – 100 bilhões de histórias
Bom dia!
Final nota 10 de um anime nota 10 para o qual dei nota 10 a quase todos os seus episódios. Eu acho que ultimamente ando relaxando nas minhas atribuições de nota e pretendo voltar a ser mais duro na temporada que vem, mas mesmo que eu fosse mais duro esse ainda seria um episódio nota 10 de um anime nota 10.
A realidade chocante do mundo de Girls’ Last Tour foi confirmada: a humanidade realmente já acabou. De fato, todas as formas de vida provavelmente já acabaram. O que resta agora são ruínas dos feitos da forma de vida que mais sucesso teve nesse planeta, que conseguiu dobrá-lo às suas vontades, mas não conseguiu dobrar as próprias vontades o bastante para continuar vivendo. É difícil fazer esse tipo de estimativa, mas no geral acredita-se que cerca de 100 bilhões de seres humanos já tenham vivido em nosso mundo – um milênio no futuro, pode acrescentar mais alguns bilhões nisso, mas como o total já é um número quase “chutado”, vou me ater ao 100 porque ele é mais fácil e bonito.
Chito e Yuuri são apenas duas, e são as últimas duas dessa linhagem de 100 bilhões. Bilhões de vidas, bilhões de desejos, angústias, sofrimentos, alegrias. Bilhões de vidas; 100 bilhões de histórias. Esse legado de maravilhas e horrores, de invenções e guerras, recai agora nos ombros de duas garotas. E com elas se encerrará, apagando a luz e fechando a porta da última era em que a vida existiu no planeta Terra. O Livro da Humanidade trará reis e conquistadores, escravos e natimortos, mulheres e homens, sábios e ignorantes, altos, baixos, gordos, magros, os nomes de cada pessoa que já existiu e a marca única de cada um dos indivíduos do grupo absurdamente maior dos que jamais tiveram um nome. E, nas duas últimas linhas:
- Chito
- Yuuri
Esse cenário escatológico contudo não é senão apenas uma das dimensões do anime e particularmente desse episódio. Como sua própria mega-cidade, Girls’ Last Tour possui várias camadas. Parte desse episódio, o que não é estranho para o anime, soou notavelmente religioso. Não é de se espantar que as criaturas compridas, que agora sabemos possuir também uma forma mais parecida com um cogumelo, tenham sido adoradas como deuses por uma das últimas civilizações do mundo. Motivos para isso não faltam, mas são dois os que saltam imediatamente aos olhos: são capazes de acessar e operar qualquer tecnologia e são capazes de se livrar de qualquer tipo de rejeito.
Provavelmente a civilização que os adorou não foi a que construiu a mega-estrutura em primeiro lugar, e possivelmente já não era capaz de utilizar boa parte da tecnologia que recebeu de seus antecessores. Esses “deuses” teriam sido então fundamentais para manter a civilização viva. Ainda mais quando considerando sua outra capacidade: a digestão de qualquer material ativo. Uma sociedade totalmente sintética devia gerar uma enorme quantidade de lixo, sem mencionar o que deve ter sobrado de material bélico e industrial destruído nas guerras anteriores poluindo o mundo. Sem domínio da tecnologia da mega-estrutura, qualquer povo que tentasse se estabelecer por ali acabaria afogado no próprio lixo. Graças aos “deuses” eles puderam viver e prosperar por algum tempo.
Irônico que essas criaturas só tenham despertado em primeiro lugar porque a Terra passou de algum ponto de não retorno a partir do qual toda a vida já estava mesmo condenada e sua função não fosse de fato ajudar o que restasse a sobreviver, mas sim terminar de limpar os restos ativos mais rapidamente. Se alguém descobriu isso, se alguém se importou com isso, não se sabe. É provável que sim. Mas de um jeito ou de outro todos acabariam mortos mesmo, provavelmente foi melhor que tenha sido assim.
Mas o que realmente importa, creio, e une todas as camadas, é a humana, individual. As nossas garotas. As protagonistas. As últimas humanas vivas. Chito e Yuuri em sua última missão. Sim, elas estão vivendo o fim do mundo, sim, elas encontraram criaturas com poderes que para um humano podem ser considerados divinos, elas tiveram um breve vislumbre do que o último milênio foi para a humanidade. Elas sabem de onde vieram, quem veio antes delas, e onde elas estão. Elas sabem para onde ir, e sabem que há um limite para até onde poderão ir. E, mais importante do que tudo, sabem que esse limite não importa.
Qualquer que fosse a circunstância, em qualquer estado que se encontrasse a cidade, a civilização, a vida, o mundo, haveria um limite. Há limites para mim e para você. O que realmente importa é o que elas escolhem fazer, dentro do conjunto limitado de opções que elas possuem. É desesperador pensar que há um conjunto infinito de coisas que você nunca vai poder ter, ser ou fazer. Você é quem você é, no tempo e lugar onde nasceu, de acordo com as circunstâncias em que viveu até hoje. Você não foi um marinheiro nas grandes navegações ou um astronauta na corrida espacial. Você não pode voltar a ser quem era no colégio, ou na faculdade, ou na escola, ou no pré-primário. Se um dia existir tecnologia para teleporte, provavelmente você não estará lá para utilizá-la. É quase certo que, se você for ou se tornar muito rico, talvez possa participar de um voo suborbital, mas praticamente impossível que possa visitar outro planeta. Ou sequer a Lua.
Talvez você nunca vá ter uma Ferrari, nunca vá aprender todos os idiomas que quer ou irá visitar todos os lugares que gostaria. Se for pensar em tudo o que você jamais poderá, em todas as possibilidades que, de cara, lhe são negadas, parecerá mesmo depressivo. Desesperador, talvez. A vida é uma batalha, não um passeio. Chito e Yuuri sabem muito bem disso, e estão satisfeitas por terem encontrado mais rações. Mas o objetivo delas não é encontrar rações. Estão constantemente viajando em busca de comida, água e combustível, mas não perdem nenhuma oportunidade para tentar descobrir algo novo ou se divertir. Sem isso, não estariam vivendo, mas apenas sobrevivendo. Elas aprenderam a viver com o desespero.
E, por último mas não menos importante, aprenderam a viver uma com a outra. A Yuuri finalmente entendeu porque a Chito se importa tanto em descobrir sobre o passado: não é só porque pode vir a ser útil. É porque pode ser divertido mesmo. E a Chito não hesitou em empunhar uma arma e correr para salvar a Yuuri. Essa é a mesma Chito que já havia se recusado a aprender a atirar. Naquela ocasião ela não via necessidade. Agora era mais do que necessidade, era vida ou morte, e não só para a Yuuri, mas para a Chito também. Poderia ela viver sem a outra? Elas iriam querer viver se não estivessem juntas?
Trate esse mundo como se fosse o único, porque ele é. Como se ele estivesse acabando, porque ele está. Trate as pessoas importantes na sua vida como seus bens mais preciosos, porque elas são. Batalhe com seriedade pelo que é necessário para sobreviver, mas sem nunca esquecer de viver. É essa a mensagem que Chito e Yuuri enviaram para o passado, para nós. Das 100 bilhões de histórias, a sua é a mais importante para você.
issei gentil
Um anime de lolis fofinhas ensinando velhos barbudos e senhoras de rugas a viver a vida, que contraste agradável de se ver e assistir.
Fábio "Mexicano" Godoy
Normalmente animes slice of life com garotas moe são só feel good, comédia ou contemplativos (iyashikei). Girls’ Last Tour é reflexivo, de fato se destaca.
Obrigado pela visita e pelo comentário =)
Gabriel Zeal
Poxa, gostei de mais do anime inteiro, mas principalmente deste último episódio! Muito Show!
Fábio "Mexicano" Godoy
Tem vários episódios marcantes. Só de cabeça, tem o da chuva, o da dança, o dos robôs… e claro que em um anime assim o último episódio precisava ser marcante também!
Obrigado pela visita e pelo comentário! =)
James Mays
Excelente anime…Tô aqui ainda digerindo…Muito Aristotelico: “Não sou eu que morro para o mundo é o mundo a minha volta que deixará de existir”…