Um começo pacato e reflexivo. Um desfecho que enriquece e aprofunda. Mas a principal surpresa está no meio. Não no sentido da surpresa que nos pega desprevenido, mas sim da forma como tudo é conduzido e trazido até nós de uma maneira tão pensada. Tudo tem seu lugar nos arranjos que vão se formando ao longo do anime e os detalhes tomam igualmente seu lugar ao sol nesse palco. As interações nos trazem os benefícios da vivência de um autor que experimenta na medida certa e que sabe a hora de se render a um bom clichê. As idas e vindas das vidas nessa obra se pautam em plausibilidade contextual e a partir de um centro muito bem definido podem reverberar seus temas, motivações e conflitos com a riqueza exata para a situação. Isso é Mahou Tsukai no Yome.

Apesar de esse episódio ter sido baseado quase que essencialmente no eixo reativo em sua estrutura narrativa transposta para o enredo global do anime, teve muito desenvolvimento que geralmente não compete a esse tipo de episódio. Os diálogos realmente marcaram os 24 minutos dessa semana, mas não apenas a evolução interna com a introspecção também teve muita cena. A capacidade do autor de elencar novas perspectivas e abordar novidades mescladas com recursos narrativos que outros poderiam exaurir por desgaste é uma estratégia de roteiro vital para que os temas principais de Mahou Tsukai sejam trabalhados constantemente, mas sempre através de alguns pontos de vista levemente diferentes, conturbados ou inquietantes sem que se extirpe a sensação de espontaneidade e fluidez, dentro do que já conversamos sobre metassimilhança.

A famosa varinha

A capacidade de estabelecer laços construtivos e renová-los para enveredar seus personagens em um mundo de fantasia revelado gradativamente é muito gratificante quando bem executada. Fazendo essas análises não é difícil de perceber como Mahou Tsukai no Yome torna-se, cada vez mais, um anime distante de não apenas uma linha de raciocínio bem comercial como também de um eixo de comodismo e imprecisão narrativa que norteia (leia-se, contamina) quase tudo a que temos acesso. Os temas profundos e o contraste com as formas delicadas com que são personificados e abordados, com calma, respeitando um passar gradual da trama e sem pretensões que perpassem o espírito da obra, esse anime sem dúvida se sobressai com grande identidade nesse atual mundo de preto e branco. Seus tons de cinza dão cor a personalidades que, embora não tão complexas como as de Machado ou de Kafka, respeitam um ponto imprescindível para o sucesso verdadeiro de qualquer produção artística: a capacidade interpretativa do interlocutor. E nisso, como vocês podem acompanhar, é um mar quase sem fim e muito azul.

Laços que avançam a trama com personalidade

Esse episódio foi dividido narrativamente em dois eixos, que apesar de serem distintos, são complementares cronologicamente. Toda a gradação já descrita e que toma conta de quase todos os primeiros dois terços do episódio serve de parâmetro construtivo para um desenvolvimento restaurador da identidade e das pretensões de Chise. E o que mais adequado para simbolizar uma revitalização intra e extra-pessoal galgada com tanto esforço e paciência do que a personificação em uma fênix. Ave capaz de se reconstruir a partir de suas próprias cinzas. Dessa forma, a jovem demonstra a todos seu amadurecimento a duras penas e convoca seu interlocutor a questionar a natureza e a extensão real de seus poderes, enquanto Sleigh Begger, nesse universo mágico que Mahou Tsukai no Yome tem, humilde e brilhantemente, a nos oferecer.

Renascimento

Com um primeiro cour bem distribuído e maduro, esse anime com certeza figura entre os principais da temporada de outono. Desde sua construção elaborada e principalmente seus desenvolvimentos conscientes e profundos (na medida de seus propósitos para o enredo), Mahou Tsukai tem excelentes qualidades herdadas de seu material original (mangá). Contudo, a direção não perdeu oportunidades de abrilhantar e personalizar, ainda mais, essa aclamada produção. Diante disso, não fica difícil inferir como foi pra mim trabalhar com algo dessa qualidade aqui no Anime21 e me aproximar um pouco mais de cada um daqueles que, como eu, precisam de uma opinião sobre aquele episódio que nos pega de surpresa, ou aquela cena que nos deixa de queixo caído, ou aquele instante em que o sentido pode ter se perdido. Enfim, para todos aqueles que gostam de estender um pouco mais os prazeres que um anime tão rico pode nos oferecer: sejam bem-vindos!

O casal

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