Comic Girls – ep 7 – Encantadoras mulheres de óculos
O episódio número 7 de Comic Girls traz Kaos envolta por duas palavras de igual relevância para ela: crescimento e maturidade. Esses termos podem marcar ritos de passagem, ocasionar traumas e gerar felicidade. Para Kaos, pode significar o encurtamento da distância que a separa de sua tão sonhada serialização. A garota precisa lidar com sua ansiedade e inadequação, ainda mais por ser a única que não conseguiu emplacar uma história. E, neste episódio, Kaos se aventura pelas ruas de Tóquio, movimentando-se entre o aprendizado com suas companheiras de dormitório e as tentativas de independência e superação.
Com Koyume tendo sua primeira serialização aprovada (embora seja uma curta), Kaos, apesar da alegria pela conquista de sua melhor amiga, sente que é a única que não está evoluindo. Vale aqui ponderar sobre a entrada de Koyume no mundo das mangakás com uma série. Com a exagerada cobrança de sua editora a respeito do desconhecimento de Koyume sobre o amor, por nunca o ter vivido, e por isso a dificuldade em obter verossimilhança em relação aos romances que criava, a sua atração e interesse amoroso por Tsubasa talvez tenham sido o motor para que conseguisse desenvolver a contento questões como reações e conversas entre apaixonados. Por mais que o anime tenha eclipsado a evolução de Koyume, é certo que a interação entre as autoras, com seus desejos, inseguranças e pontos fortes, faz com que cada uma delas evolua a seu tempo.
O potencial de Kaos para se tornar a mangaká, que sonha ser, está sendo concretizado aos poucos. E as colaborações e apoios têm sido fundamentais. Primeiro, a sua admiração por Ruki, que sempre está disponível para Karuoko, seja para aconselhar ou estimular, e agora os ensinamentos de Fuuru-senpai. Entre elas, apesar do medo que Kaos ora ou outra demonstra da figura excentricamente assustadora da autora de mangás de terror, há uma identificação que passa pela solidão e pelo desajuste social e que a partir desse episódio recebe contornos de reconhecimento regional, o que contribui para uma aproximação menos tensa. Pelo Nebuta (Nebuta Matsuri, uma das maiores festas populares do verão japonês, ornamentados por carros alegóricos compostos de lanternas feitos de bambu e papel, que podem chegar a 5 metros de altura e 10 metros de largura) e pelas bonecas kokeshi e akabeko mantidas por Fuuru em seu quarto – localizado, evidentemente, no sótão –, elas descobrem ser da região de Tohoku. Suzu, de Aomori, e Kaos, de Fukushima.
Sem encontrar assistentes e com Ruki e Koyume dedicadas aos seus próprios trabalhos, Suzu tem em Kaos alguém para ajudá-la com os manuscritos. Na corrida contra o tempo, Kaos precisa lidar com o seu sentimento de inutilidade, já que tem dificuldades em fazer as retículas do quadro e até em lidar com o conteúdo. Mas Suzu Fuura é extremamente atenciosa com a garota. Guia-a com delicadeza e paciência, ensinando-a a fazer planos de fundo. O vínculo entre elas se torna assim mais forte, a ponto de Suzu mostrar seus antigos desenhos, que não possuíam intensidade e, portanto, não causavam medo, e o quanto aprendeu com sua “desaparecida” colega de quarto. O sumiço inexplicável da amiga é um dos motivos para desolação de Fuura-sensei. É interessante que essa figura ineficiente no trato social seja a que mais auxiliou Kaos no desenvolvimento de suas habilidades (e já havia realizado o mesmo com Ruki).
Essa experiência com a mangaká de terror faz Kaos declarar sua admiração por mulheres maduras e o desejo de atingir essa maturidade. E os óculos de grau se tornam símbolo de crescimento e progresso para a jovem (há uma cena de Kaos fascinada por Ruki, a rainha-mor quando se trata de “garotas com óculos”) Mas a autora moe é pouco confiante para usá-los sem culpa, já que acredita que pode estar falseando uma mudança. Apesar disso, decide se aventurar pela cidade em busca de seu cálice sagrado.
Antes da ótica, Kaos faz uma parada na meca dos nerds japoneses, localizada no bairro de Akihabara (avenida Chuo Dori e de ruas transversais) que concentra lojas de eletrônicos, mangá e anime. Essa peripécia de Kaos rende momentos de humor, com ela sendo confundida com uma criança no metrô, na loja e na rua, por uma policial (que a persegue fazendo com que Kaos se esconda em uma caixa para despistá-la), e sentimentais, com a compreensão de que seu isolamento por se aficionada por coisas do universo otaku enfim pode ser deixado de lado, já que suas amigas pertencem a esse mesmo mundo.
Aventurar-se sozinha pelas ruas de Tóquio faz parte do processo de amadurecimento. Mesmo que a ansiedade social de Kaos a tenha tomado violentamente pós-saída da loja de animes e mangás, a certeza de que caminhar por conta própria – ainda que os laços afetivos sejam o combustível para a nossa fortaleza – é mais que necessário para um crescimento real.
Segura, Kaos chega à ótica com Koyume, Ruki e Tsubasa. A sua dúvida sobre atingir a maturidade por intermédio dos óculos continua martelando (lidar com o complexo de inferioridade, suscitado pelo desconforto psíquico não é fácil). Quando Mayu Amisawa, a editora de Kaos, compartilha que sentia as mesmas dúvidas a respeito de usar óculos e que seu impasse (e fim da tortura) foi resolvido pelo desejo de ver seus animes favoritos com o máximo de nitidez, a garota decide levar o acessório – a necessidade venceu o temor de que tudo fosse por vaidade.
Certa vez, um professor disse a nossa turma de filosofia que usamos óculos não para enxergar melhor, mas para ver o mundo como todos veem. Então, uma visão desfocada, sem nitidez, exclui-nos da percepção visual do mundo como ele é. Nesse sentido, o acessório, que usamos para reparar imperfeições visuais e proteger a visão, reintegra-nos à concretude das coisas.
A visita de Kaos à ótica ainda rende mais um vislumbre da amizade entre Nijino-sensei e Amisawa. Miharu quer parecer uma professora mais madura, o que leva Mayu a se indignar com o desejo, pois que óculos foram feitos para corrigir a visão. Mas a beleza de Miharu com o acessório deixa a editora sem palavras e sem fôlego. Mesmo que os óculos não possam forjar uma identidade, servem como destaque ou reforço para a boniteza.
O título do episódio “Este lugar é o paraíso?” pode se referir a Akihabara, mas também tem relação com os espaços em que Kaos encontra suas amigas mangakás. Antes que um local físico, um campo para expansão de sua personalidade. Tentar melhorar a si mesma é a descoberta de Kaos, ainda mais quando entende que os óculos não engendram maturidade (isto é, não está na aparência), e sim o conhecimento e a segurança sobre si mesma. Crescer e amadurecer são um processo, feito de reconhecimento dos erros, de estar aberto às experiências e às sugestões e ajustar os potenciais.
Um episódio agradável e divertido de transição, com Kaos um pouco mais segura, tendo duas tutoras – com suas diferenças e semelhanças – das mais instigantes para auxiliá-la, Fuuru-senpai e Ruki-san, e conhecendo melhor seus defeitos e virtudes como autora de mangá. A luta pela sua serialização continua, com os altos e baixos (alívio cômico e motivo para fortalecer os laços com suas companheiras) de quem batalha ferozmente contra a ansiedade.