Comic Girls – ep 8 – Quando a sua maior crítica é a sua melhor fã
Mais uma recusa de um projeto de história levado por Kaoruko a sua editora Amisawa desencadeia um mergulho profundo da garota em seu sofrimento por não conseguir desenvolver a contento as suas habilidades, na verdade, a duvidar de modo contundente de que seja capaz de progredir (ou mesmo que tais aptidões existam), e nos apresenta, de modo mais amplo, a relação entre Mayu, Ririka e Miharu, que juntas formavam o Clube de Mangá no ensino médio, em meados dos anos 2000.
O episódio acompanha a tristeza de Kaos e a agitação de Mayu, por acreditar-se dura demais com a jovem autora de 4-koma, assim temendo desmotivá-la a ponto de levá-la a desistir de desenhar mangá. A intensidade desses conflitos internos, a admiração mútua que forjam os laços de amizade, tanto entre as garotas do dormitório quanto no grupo de ex-mangakás, e a destreza de um roteiro que equilibra com sabedoria drama emocional e humor fazem desse episódio um dos melhores da série.
Após ter mais um esboço recusado pela sua editora, Kaos encontra conforto em suas amigas. Quando Kaos decreta ser a própria vergonha – acreditando-se inapta, inexpressiva e medrosa, isto é, uma pessoa incapaz de criar algo decente como mangaká –, Ruki toma a frente para consolá-la, incentivando-a a continuar e lembrando que todas em suas produções precisam lidar com um lado delas que causa vergonha ou gera situações vergonhosas. Ser mangaká é viver na vergonha, declaram Ruki, Tsubasa e Koyume. Um grito de guerra que tranquiliza momentaneamente Kaos. Sabemos que slices of life investem na dinâmica de relações que se baseiam na união grupal, mas Comic Girls consegue apresentar os vínculos que se formam sem parecerem forçados. Kaos, com seu desespero e desejo de crescer como autora, ativa o senso de proteção em suas companheiras, o que contribui para o bem-estar da garota, seja consolando-a ou a estimulando a prosperar suas qualidades.
Com a entrega de esboços e exames na escola chegando, a vida das garotas se torna mais difícil com a necessidade de conciliar sua arte com os estudos. Cada uma tem os seus motivos para se distrair e não conseguir se concentrar nas matérias. Kaos se afunda em seu pessimismo, enquanto Koyume, que já não é uma aluna aplicada, tem somente Tsubasa em mente. Com a comédia, a parte de precisar harmonizar o futuro na escola com os compromissos profissionais ganha um alívio, mas não deixa de revelar os transtornos que essa realidade produz.
Retornando ao sofrimento de Kaos, o seu sentimento é de fácil identificação com qualquer um que já se sentiu abalado com as críticas recebidas e ficou dividido entre continuar – insistindo em suas convicções ou redefinindo o trajeto – e desistir. Todos os seus avanços são ilusórios, cada nova ideia leva a um novo fracasso. Mas, como percebe Mayu, em um dos momentos mais comoventes do anime até agora, Kaos é forte, persiste em seu sonho e sempre retorna com um sorriso no rosto. Apesar de ser a única sem uma serialização no dormitório (engraçado notar que Koyume ainda que tenha chegado a esse status, por só pensar em Tsubasa, não avançou em sua história, que é uma exaltação a sua amada), Kaos tem credibilidade com Mayu, que, mesmo que a critique severamente, não deixa de prestigiar a garota (lembrando que Kaos, mesmo ficando em último lugar em uma pesquisa com leitores, conseguiu uma vaga no dormitório graças ao apoio de sua editora).
No entanto, as críticas que precisa dirigir aos manuscritos de Kaos se transformam em um tormento. Como apontar defeitos de modo objetivo sem ferir sentimentos ou desestimular alguém? É essa a encruzilhada de Mayu Amisawa que precisa reprovar as abordagens tentadas por Kaos em seus esboços, ao mesmo tempo em que acredita no potencial da jovem e tem uma enorme admiração pela sua resistência e seriedade, da capacidade em se refazer e voltar com uma nova obra (pois, só quando alguém possui essas características, é possível sofrer e buscar se superar). O trabalho de Mayu não é fácil, e magoar Kaos, com quem tem uma identificação, já que na juventude era uma autora de 4-koma com histórias de “garotas fofas fazendo coisas fofas”, fazem-na mostrar sua fragilidade. Mas Mayu encontra um caminho para encorajar Kaos, estimulando-a a manter a frequência de apresentação de seus manuscritos. É o poder das palavras. Para o bem e para o mal.
Um outro foco foi a amizade entre Mayu, Ririka e Miharu, que segue firme desde o ensino médio, quando fizeram parte do Clube de Mangá. A editora Amisawa, como já mencionado, era uma autora de 4-koma, criando histórias de humor e fofura com estudantes de ensino médio, a zeladora Ririka era uma mangaká yuri, enquanto Nijino-sensei era artista de mangá yaoi. O encontro entre elas começa em um bar e acaba no dormitório, com Mayu se culpando pela possibilidade de levar Kaos a desistência, mas procurando uma maneira de aconselhá-la e reduzir os efeitos das críticas (que ela sabe que são justas e necessárias) e a professora Miharu embriagada, demonstrando sua juventude, já que aparenta ter idade de uma pós-adolescente, e seu amor pelos mangás, comportando-se como fangirl de Tsubasa, o Wing V. (momento divertido 1: Nijino-sensei é convencida por Ririka a vestir um uniforme escolar e se torna irreconhecível para suas alunas. Momento divertido 2: Fuuru aterrorizando Mayu e Miharu).
Na verdade, essas três mulheres estão à disposição das quatro garotas, incentivando-as e amparando-as para que não renunciem aos seus talentos como elas fizeram. Uma sessão de nostalgia que se transforma em uma ode ao presente, por saber que os obstáculos para um futuro promissor são muitos, entretanto, superáveis. Orientar o caminho é fundamental.
Além dos conflitos internos de Kaos e Mayu, a declaração de Ririka que o dormitório será fechado em breve dá o mote para o drama dos episódios que estão por vir, talvez os últimos suspiros de um projeto de apoio ao desenvolvimento de jovens talentos. Mais um motivo para a união entre as mangakás.
O episódio 8 é o ponto alto em relação ao modo consistente como os dramas pessoais – geralmente, vinculados à arte que cada uma das autoras abraçou – compartilham o espaço com uma comicidade que é leve e comunica as dificuldades da realidade vivenciada pelas mangakás, contribuindo para a química entre elas e para a percepção da textura do roteiro.