Banana Fish – Destino: Violência
Bom dia!
Banana Fish é adaptação para anime de um mangá shoujo de ação publicado entre 1985 e 1994 na Betsucomi, de autoria de Akimi Yoshida. Atualmente, a autora publica Umimachi Diary na revista josei Flowers, desde 2006.
Por se tratar de uma obra antiga, algumas escolhas tiveram que ser feitas antes mesmo de começar a produção. Notavelmente, ao invés da Nova Iorque dos anos 1980, do mangá, o anime foi adaptado para se passar na Nova Iorque contemporânea. A Guerra do Vietnã, importante na história original, foi substituída pela Guerra do Afeganistão.
Apesar das atualizações, o mais importante se mantém: Banana Fish tem um clima, narrativa, até mesmo construção de personagens e resolução de conflitos típicos de filmes americanos de ação dos anos 1980, particularmente filmes sobre máfias e gangues, que são os elementos proeminentes do anime.
O espírito de fim da Guerra Fria contudo se perdeu, e era parte importante da construção do Blanca, um personagem secundário relevante na segunda metade da história. O conspiracionismo, porém, está lá, e é o núcleo duro da primeira metade do anime.
Ao contrário de filmes como Máquina Mortífera, Scarface e Nico, Acima da Lei, contudo, Banana Fish tem coração. Ash, seu protagonista, preferiria não matar, não ferir, mas ele nunca teve escolha, e seu conflito e os conflitos de outros personagens têm papel decisivo nos rumos da história.
Não é como se o típico protagonista de filme de ação não tivesse conflitos pessoais e motivações bastante humanas para agir, mas no mais das vezes soa apenas como pretexto, o mínimo do mínimo. Ash, por outro lado, tem sua vida pessoal inteira escrutinada na tela. E não é nada bonito.
Vítima de abuso sexual quando criança em uma cidade pequena, ninguém acreditou nele e seu pai pouco fez pelo garoto, que eventualmente matou o estuprador. Mesmo depois da verdade vir à tona a vida dele não foi fácil, e foi enviado para viver com uma parente distante, de quem fugiu e acabou caindo nas garras da máfia, onde foi, adivinhe só, abusado mais uma vez e transformado em escravo sexual de ricos e poderosos.
Eventualmente Dino Golzine, o chefe local da máfia corsa, tomou gosto pelo garoto – em todos os sentidos, entenda. E entre um abuso e outro o treinou para um dia ser seu sucessor.
Ash, ainda traumatizado pelo que sofreu na sua cidadezinha e ainda assustado por ter tirado a vida de alguém, foi educado para que se tornasse um matador de elite.
E um matador de elite ele se tornou, bem como elite em muitas outras coisas. É certo que muito disso já estava nele, mas sem a educação que recebeu jamais teria despertado todo o seu potencial. Dino foi o melhor e o pior pai que ele poderia ter tido.
Foi esse Ash, agora líder de gangue, com as costas protegidas pela máfia corsa, mantido preso por uma coleira invisível, que um dia escutou as palavras “banana fish” de um homem pouco antes dele morrer e lhe entregar um frasco com uma droga e um endereço. Aquilo, pensou, era seu passaporte para a liberdade.
As peripécias de Ash em Banana Fish são acompanhadas por diversos personagens em vários momentos, mas o mais importante deles é Eiji, o japonês que viajou para os Estados Unidos para se distrair e, talvez, se reencontrar.
Eiji era um atleta e sofrera uma lesão. Já estava recuperado mas havia perdido a coragem e a motivação, e por isso foi convidado por Ibe, um fotógrafo jornalístico, para acompanhá-lo em uma viagem que faria para Nova Iorque para produzir uma matéria sobre jovens de gangues.
O deuteragonista demonstra em diversos momentos uma curiosidade quase infantil, e essa inocência diverte e atrai Ash. Não demora, porém, para que ambos se metam na primeira confusão. Se tivesse demorado talvez eles tivessem mantido a distância profissional necessária e talvez nada do que aconteceu depois teria acontecido, mas como saber?
O fato é que um salvou o outro e o outro salvou o um, e não conseguiram se separar mais depois disso. E não faltaram tentativas por parte do Ash, que queria a todo custo preservar a pureza do amigo. Se ele próprio não gostava do que tinha que fazer, por que iria deixar que alguém importante para ele se envolvesse também?
Esse é um dos maiores conflitos da série inteira, embora seja menos notável do que outros. Algumas das situações em que eles acabam se metendo teriam sido bem diferentes se eles estivessem melhor informados, mas Ash escondia coisas do Eiji para que ele não se envolvesse, e Eiji escondia coisas do Ash para que ele não o afastasse.
Mas por quê, afinal, os dois se mantém juntos até o fim? Eles são muito diferentes, vieram de mundos diferentes, têm experiências de vida diferentes, não têm nada em comum, e mesmo assim não conseguem nem querem se separar. Essa é uma pergunta que o anime nunca responde, embora fique a pista, aqui e ali, de que estivessem mesmo apaixonados um pelo outro.
Mesmo isso nunca se desenvolve, nunca passa de pistas que podem ser isso ou qualquer outra coisa. Mas o fato do Ash ser uma pessoa que sofreu abusos sexuais durante quase toda a sua vida dá uma boa desculpa para que seja assim, pelo menos. Não é que não possa haver amor sem sexo, mas não espere que um adolescente que cresceu nas circunstâncias do Ash entenda isso.
E assim sendo, se para ele é impossível sexualizar sua relação com o Eiji, porque para Ash sexo é violência, é algo ruim, tampouco há como, no curso do anime, entre uma crise e outra, desenvolver qualquer tipo de romance. Ele provavelmente nunca entendeu porque se sentia atraído pelo Eiji. Que, por sua vez, talvez nunca tenha entendido também, mas por outros motivos mais complicados e que têm a ver com própria sociedade japonesa.
De todo modo, entre fugas e ataques contra a máfia corsa, não é como se Ash e Eiji tivessem tempo sobrando para escrever poemas de amor. Estavam em jogo, de um lado, a liberdade e a vingança de Ash, e do outro o futuro da máfia corsa e o orgulho de Dino Golzine.
Já mencionei que há uma conspiração no anime: banana fish é o nome código de uma droga em desenvolvimento secreto, que permitirá, se concluída, controlar pessoas em uma trama envolvendo a máfia corsa e o governo americano.
A ideia é substituir governos inimigos por aliados no Oriente Médio e na Ásia Central, o que é conveniente para os Estados Unidos, e entregar o controle das rotas de tráfico de ópio na região para a máfia corsa. É o ganha-ganha dos vilões. Mas tinha um Ash no meio do caminho.
O irmão mais velho de Ash, Griffin, é veterano da Guerra do Afeganistão, mas voltou em estado vegetativo de lá. Ele foi sujeito a um experimento envolvendo os estágios iniciais do desenvolvimento do banana fish.
Desenvolvimento esse que não fica claro se já estava sob controle da máfia ou se Dino só contrataria o Dr. Abraham Dawson (que também estava então no Afeganistão, e foi quem realizou os experimentos) depois. Mas não importa: desvendar essa conspiração se tornou o objetivo de Ash, com a ajuda eventual de Max Lobo, atualmente repórter que está investigando sobre o banana fish também e que foi companheiro de Griffin no Afeganistão.
Não apenas Ash estava se movimentando contra Dino como ele tentou matá-lo após descobrir que o irmão havia morrido em uma ação da máfia sob seu comando, e acima de tudo o mafioso o considerava seu, uma obra-prima que ele produziu, uma joia bruta que ele lapidou. Por todos esses motivos, Dino negligenciou seus outros deveres para perseguir Ash. E também por conta dessa relação perversa de “pai e filho” que ele julgava ter, vacilou em matar Ash em mais de uma ocasião em que poderia ter feito isso.
Isso tudo leva a uma situação que se repete várias vezes ao longo do anime, com Ash capturado e conseguindo realizar fugas fantásticas, deixando um rastro de mortes pelo caminho, alterando várias vezes o equilíbrio de forças entre as facções criminosas de Manhattan, e tornando Ash um problema cada vez maior, cada vez mais impossível de ser ignorado. E ele, que era só um garoto que não queria matar ninguém, que se sentia sujo por ser um assassino, colecionou inimigos desde as fileiras dos criminosos de rua até o alto oficialato das forças armadas americanas.
Antes de Eiji, seu melhor amigo era Shorter, o líder da gangue de rua dos chineses. Ele possuía boas relações com líderes de gangue em geral, seu carisma, diplomacia e capacidade de convencimento são qualidades exaltadas ao longo do anime, sendo talvez o ponto alto disso quando ele conquista o apoio de Cain, o líder da gangue dos negros. Ash tinha capacidade ímpar de conquistar aliados.
Foi isso que garantiu sua vida mais de uma vez no submundo dominado pelas máfias corsa e chinesa. Infelizmente seus olhos azuis e seu sedoso cabelo loiro não eram o bastante para conquistar os chefes da máfia e outros vilões que aparecem ao longo da série e que querem, antes de tudo, dinheiro e poder. Isso Ash não pode oferecer.
E o que pode, sua própria capacidade de fogo e organização, ele não oferece. Ele não gosta de matar, ele não gosta de cometer crimes. Ele faz o que faz porque ele tem que fazer, não porque ele quer fazer.
No final das contas, Banana Fish passa a impressão que tudo gira apenas para retornar onde já estava no começo. O mundo é um lugar horrível e assim vai continuar, não importa a vontade de indivíduos.
Falta bondade, confiança, compaixão, e sobram maldade, preconceito e ganância. O governo, as máfias, a polícia, as gangues, ninguém escapa. Ninguém é diferente.
Isso corrobora ou é corroborado (é difícil saber o que veio primeiro) o tema repetido na própria história de vida do Ash: o ciclo de violência. Toda violência que acontece agora é resultado de uma violência que aconteceu antes, e ninguém consegue ou parece interessado em quebrar essa corrente.
Ash tenta, mas por mais inteligente, capaz e habilidoso que seja, ele é só um. Ao fincar os pés no chão e dizer “agora não mais!” tudo o que ele conseguiu foi fazer com que as correias de transmissão da violência girassem ao seu redor, criando um imenso turbilhão de morte e sangue com ele no epicentro.
Mesmo assim, Banana Fish termina com uma nota agridoce: Eiji não se envolveu com isso. Se não é possível parar a serpente do mal, pelo menos é possível (para alguns) evitar se tornar um escravo ela.