Produzida pelo Estúdio 4°C, Kigeki, obra também conhecida por seu título em inglês, Comedy, é mais um OVA de aproximadamente 10 minutos, assim como o último que resenhei. Lançado em 2002, essa obra faz parte de uma coletânea de curtas intitulada Sweat Punch, à qual é composta por 5 histórias, ou curtas animados, que intercalam propostas e temas diversos com a intenção de oferecer liberdade criativa aos artistas e a equipe envolvida.

Nesse projeto foram desenvolvidas obras que adentram pelo campo da experimentação, que buscam, de um modo geral, seja no que concerne à animação, a narrativa, a direção ou as demais abordagens estéticas, se libertar das rédeas tradicionais, mais ou menos ortodoxas, da indústria da animação.

Pesquisem sobre essa coletânea e sobre os demais projetos que foram desenvolvidos com esse mesmo espírito pelo Estúdio 4°C, vale a pena, sério mesmo, esse estúdio produziu, e ainda produz, coisas que literalmente podemos chamar de “fora da caixinha”.

 

Kigeki é um OVA que nos acolhe docemente, nos convida a acompanhar uma intensa fábula Irlandesa, sobre a qual não disponho de quaisquer informações, mas que provavelmente deve ser uma elaboração original, e não baseada em outro conto ou lenda que navegue pelo imaginário cultural Celta. Mas isso é o de menos. O OVA foi dirigido pelo aclamado, e muito conhecido, Kazuo Nakazawa. Tenho certeza que dentre os inúmeros trabalhos com os quais ele já esteve envolvido, pelo menos meia dúzia deles não devem ser estranhos a ninguém que conviva com o mundo dos animes.

Mas sem mais delongas. A narração do OVA fica a cargo de uma jovem camponesa. E isso é da maior importância. Ela lentamente nos conta a sua história, o seu pecado e a sua redenção, o enredo nos arremata através da sutil e lenta ambientação. Prestem atenção na paleta de cores, um opaco, diria até encardido, tom pastel que se mescla com um turvo de tonalidades escuras e difusas que nos guiam para uma reflexão contemplativa.

 

A mensagem que galopa pela ópera sonora é: qual o preço da sobrevivência. A imatura jovem que de um ímpeto se joga para o desconhecido e para o fantástico. Onde está o herói, a barragem que pode impedir a calamidade que bate à porta. Qual o enigmático custo para seus inestimáveis serviços? O sangue que derrama sangue, ou a corrente que asfixia o outro para que possa respirar. É claro que não estamos nos referindo a objetos ou metáforas, mas sim a ações necessárias que devem ser levadas a cabo para que a vítima possa se revestir de carrasco, e sem qualquer remorso, aplicar a pena capital para quem a ameaça.

A fadiga da conquista

 

Nosso herói misterioso, excêntrico e cheio de segredos, tateia por um vazio existencial sem fim, faminto por entretenimento, voraz e implacável ao se render à sua natureza. Não por acaso, sua alcunha é Espadachim Negro, alguém que pelas sombras e através das sombras, arrasta a sua existência, e não se engane, também fará o mesmo com qualquer um que rompa o pacto com ele selado.

 

O poder do conhecimento, da expressão e da fala, aquele que consegue entender a profundidade das palavras, e a ameaça e temeridade que elas podem oferecer. Kigeki é um prato cheio, e sua narrativa muito bem ilustra e descreve que a liberdade de expressão é uma ameaça. Os livros devem ser queimados? A cultura de “alguém” deve ser apagada? Povos devem ser subjugados ao serem calados e privados da felicidade?

A ingênua camponesa

 

Devorar, o efeito colateral de alguém que está preso entre eras, um ser que presencia e presenciou o silenciamento de culturas, uma entidade solitária aprisionada pela brutalidade da vida. O que pode libertar o Guerreiro de sua encruzilhada? Rir. Uma resposta que engloba a insanidade e a genialidade mais intensa, e que ilumina o destino mais sombrio.

15 Anos depois

 

Qual a mensagem que este OVA quer nos oferecer? Não responderei a essa pergunta. Deixo-a para entreter aqueles que se aventurarem pela intensa e onírica escuridão a qual esta obra nos convida.

Continuação e outra perspectiva de debate ^^

O Sorriso da pacto

Sorria

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