A primeira coisa que me vem à mente ao tentar falar desse OVA é, o que diabos ele quer dizer? E movido por essa questão elaboro essa resenha.

Je T’aime, título da obra, traduzido do francês para o português, significa eu te amo. O protagonista do OVA é um Basset Hound, raça de cachorro recorrente em diversos filmes de Mamoru Oshii, diretor e roteirista do anime em questão. Mamoru ama, ama profundamente essa raça de cachorro, e finalmente obteve liberdade para elaborar sua declaração derradeira de amor. Fato esse que é no mínimo curioso, mas que para mim, é absolutamente sublime.

Antes de falar do OVA em si, devemos entender um pouco mais sobre Mamoru, a pessoa que ama. Quem é Mamoru Oshii?

 

Ser ou não ser, eis a questão

 

Mesmo que elabore uma resposta, ou mesmo que pesquise incessantemente sobre o autor, como poderia verdadeiramente responder essa pergunta? A única resposta sincera que posso conceber é, não sei.

Mas gostaria de compartilhar uma teoria, e nada mais do que isso. Minha aposta é que ele é uma alma em transição.

 

 

O que quero dizer é, dentre os diversos filmes onde Mamoru teve papel de destaque e controle, seja ao dirigir ou escrever o roteiro (me remeto apenas às obras que pude apreciar), uma característica parece reincidir junto à mensagem e ao desenvolvimento de seus cenários, e também, consequentemente, junto à essência de seus personagens. Estou me referindo a uma sensação que, para mim, sempre está lá, e digo sempre no sentido forte do termo, a sensação de deslocamento. Eu sei que é meio estranho falar que um cenário tem uma aura de deslocamento, mas me dê uma colher de chá.

 

 

Jin Roh, The Sky Crawlers, Ghost in the Shell e Angel’s Egg. Filmes que têm uma atmosfera parecida em comum, protagonistas com olhares penetrantes e em deriva pelo vazio, que parecem estar para além de seus próprios corpos, ou mesmo da materialidade real de seus personagens, podendo assim contemplar o mundo através de um olhar difuso e perdido, quase robótico, um olhar que está imerso em uma casca descartável de existência.

 

 

Não vou me aprofundar sobre tais filmes, deixo-os para uma posterior oportunidade de resenha. Mas preste bem atenção nesse OVA. Ele tem exatamente dois personagens, e os utiliza para fazer um contraste perfeito entre uma máquina e um ser humano. (humano no caso representado por um cachorro)

Ao pesquisar na internet sobre curiosidades desse diretor, me deparei com um relato de que em uma entrevista, Mamoru diz ser a reencarnação de um Basset Hound. O impacto que isso teve em mim foi brutal. Se utilizar essa linha de raciocínio para investigar a mensagem desse OVA, o que posso constatar?

 

Ninguém me dá atenção

 

O anime é desolador, existe apenas um ser vivo e humanizado durante toda a sua duração, e este vaga sem rumo à procura de calor humano e afeto. O protagonista está perdido dentro de uma perfeita e inerte casca, uma cidade que não apresenta qualquer sinal de gentileza outra que não a dele mesmo, o cachorro que vaga. Um túmulo desprovido de cadáveres e inexpressivo de alma. Esse mundo é monitorado por uma espécie de lei, um androide que exerce o papel de gerência desse vazio, tendo a função inerte de proteger o nada. Nosso protagonista é, nesse sentido, uma alma que vaga e habita junto ao nada, o qual é protegido por uma lei mecânica que nada protege.

 

Deus ex void

 

Dia após dia o cachorro solitário se depara com a lei, tenta convencê-la a interagir com ele, a abraçar e conviver com sua necessidade de atenção. A lei o ignora, a lei é fria, ela protege um corpo, ou uma cidade, asséptica. Qual o paralelo disso com o título da obra? E o que isso tem a ver com o diretor dessa animação?

Mamoru está preso em um corpo descartável que não condiz com a identidade de sua essência. Assim como o seu amor, o qual também está preso ao objeto que ama, objeto que, por sua vez, é uma raça de cachorro sobre a qual ele diz pertencer e compartilhar das características essenciais (isso caso o relato da entrevista citada acima seja verídico).

 

 

A lei, representada pelo androide, monitora a casca de um corpo que não lhe pertence (no caso estou me referindo ao Mamoru), mas que abriga a sua forma primordial (sua essência canina), e que quando detecta qualquer ameaça, anomalia estranha ou resquício de energia destrutiva, automaticamente, como um instinto programado, busca proteger a casca e eliminar a ameaça. Mamoru, sua alma, assim como o seu amor, existe dentro de uma máquina, dentro da artificialidade mecânica da existência.

 

O que sobra é...

 

O que o diretor ama é o reflexo daquilo com o que ele se identifica, sua humanidade é representada não junto a seres humanos, mas sim junto ao simbólico cachorro que, recorrentemente, aparece como um fantasma dentro de seus filmes.

Uma leitura deveras distorcida, não posso negar, mas me conceda o benefício da especulação. Veja o OVA, preste muita atenção à letra da música cantada ao fundo pela banda Glay, ao comportamento do cachorro protagonista e sua busca incessante por companhia.

Nesse LINK complemento e debato um pouco mais sobre uma outra possível leitura desse anime!

 

 

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