Babylon é originalmente uma novel escrita por Mado Nozaki, roteirista de Seikaisuru Kado, só que diferente da obra de ficção-científica, Babylon parece ter os dois pés bem fincados no chão ao apresentar um thriller que envolve conspiração política e a única certeza na vida da qual todo ser humano pode ter: a morte.

Afinal, o que é a justiça?

Na história somos apresentados a Zen Seizaki e seu parceiro Fumio, os dois são funcionários do Ministério Público de Tóquio e investigam o crime de uma empresa farmacêutica, mas acabam se deparando com uma perigosa conspiração política envolvendo uma nova zona autônoma sediada no oeste da cidade, chamada Shiniki.

Seizaki é o protagonista dessa história e é seguindo seu determinado senso de justiça, assim como seu dia a dia de trabalho, que somos apresentados a trama de Babylon.

O que começa como uma simples operação para desmascarar um esquema ilegal para aprovar novas drogas acaba ganhando contornos bizarros com a descoberta de uma página cheia de pelos e sangue com a letra F escrita várias vezes. F de Female como o protagonista percebe posteriormente.

Descobrir o significado da mensagem é o que atrai o interesse dos promotores e abre caminho para descobertas ainda mais obscuras, envolvendo desde o suicídio daquele que escreveu a mensagem ao uso de mulheres para se obter apoio político.

Se o sexo anda de mãos dadas com a política, assim é a queima de arquivo e é usando o melhor que esse cliffhanger pode proporcionar que o primeiro ato do anime se encerra.

Os justos serão os primeiros…

Mas antes de chegar nele posso apontar algumas características que tornaram o primeiro episódio tão promissor, como a forma seca, objetiva, com a qual a trama se desenvolve certamente é um ponto positivo da narrativa, pois a aproxima do que o público esperaria ver caso estivesse acompanhando uma investigação real.

Além disso, quando a gravidade da situação se acentua é a polícia que os promotores recorrem, o que normalmente você espera que aconteça. A título de curiosidade, já prestei concurso para o Ministério Público, não fui chamado e nem devo ser, mas confesso que acharia bem gratificante se fizesse o mesmo trabalho que o Seizaki e o Fumio.

Não posso esquecer de elogiar o protagonista, um funcionário público diligente dotado de um senso de justiça idealista, mas igualmente proativo.

A forma como ele cumpre seu dever ao mesmo tempo em que busca ensinar os ossos do ofício ao seu parceiro é louvável. Desde o princípio foi fácil simpatizar com os personagens e este inclusive é o principal motivo pelo qual o final do primeiro episódio é tão impactante.

Fumio se suicida, ou é induzido a isso, de maneira misteriosa e é esse acontecimento que dá a guinada que a trama precisava para se tornar um thriller instigante.

… a morrer?

No segundo episódio uma personagem feminina e um interrogatório roubam a cena e guiam a trama para territórios ainda mais instigantes, tudo isso enquanto Seizaki remoe o luto pela morte do parceiro e reforça seu desejo de justiça com o objetivo de capturar o criminoso.

Para chegar a verdade ele precisa se aprofundar no esquema de sexo por influência relacionado ao candidato à prefeitura de Shiniki, Nomaru Ryuuichirou, e é aí que entra Ai Magase, a princípio apenas uma das mulheres usadas pelos políticos, mas na verdade a única a facilitar a conspiração mais tarde revelada.

Ela é uma personagem instigante que quebra o estereótipo de passividade da mulher nesse cenário de interesses envolvendo poderosos e mostra uma personalidade dissimulada irresistível, capaz de prender a atenção do público com suas respostas sagazes e capacidade de indução do diálogo.

Seizaki acaba sendo engolfado pelo ritmo dela e pouco extrai do interrogatório. Em compensação, a direção arrasou com um show de cortes de cena, alternando entre passado e presente, incluindo cenas nas quais a Ai do passado responde pela Ai do presente. Uma sacada artística que contribuiu para exibir o melhor que a personagem tinha a oferecer.

Além disso, o roteiro foi muito bem escrito, dando, principalmente no final, leves pistas da revelação feita no final do bloco de episódios.

Reveja as cenas do interrogatório, principalmente depois que a mulher passa a controlar de vez a conversa e o quebra-cabeças passa a fazer um pouco mais de sentido.

Ai Magase contraria a objetificação da mulher comum a esses ciclos, e não é como se retratar isso fosse errado (é o que acontece muitas vezes mesmo), mas optar por uma personagem feminina forte, que pensa por si mesma e agrega a trama foi uma escolha bem mais interessante.

Ainda não sabemos qual a extensão da relação que ela tem com o político que ganhou a eleição, nem as circunstâncias que a cercam, mas espero que seu aprofundamento faça jus a primeira impressão passada.

O único detalhe que me deixou ressabiado é como vão explicar as “mil faces” que ela assume. Se envolverem uma droga experimental que altera os contornos da face eu até vou aceitar, ao menos mais que disfarces convencionais, mudança de maquiagem, etc.

Aliás, é exatamente o objetivo de criar novas drogas que move, ao menos na primeira camada revelada a Seizaki, a trama.

A direção tornou esse interrogatório um verdadeiro espetáculo.

E então o segundo episódio se encerra com outro cliffhanger, mas dessa vez trazendo um tipo de desespero diferente ao protagonista, de algo remediável, diferente da morte do parceiro, mas que ao mesmo tempo encurrala, pondo em cheque a justiça a qual ele tanto preza e é bem mais complexa do que ele fazia parecer para Fumio.

Seizaki é posto em frente ao político que está investigando, não como um acusador a ter sua denúncia acatada, mas como um macaco que apenas dançava nas mãos de Buda até possuir outra utilidade.

Sem ter saída entre denunciar o esquema com teórico propósito benefício a sociedade ou ser conivente com o grupo responsável pela morte do parceiro, independentemente de quem executou o ato, nosso herói precisa flexibilizar seus princípios a fim de pegar o culpado.

É nesse ponto que a busca pela verdade por trás da verdade de Seizaki deixa de ser apenas a afirmação de sua visão de justiça e passar a ter um teor pessoal, como se ele tivesse uma dívida moral com seu kouhai a ser paga com o desmascaramento e a prisão do culpado por sua morte.

Uma visão não tão idealista se lembrarmos de sua tática para pegar o peixe grande no primeiro episódio, mas certamente não tão maleável até esse ponto da trama.

Aquela visita indesejada que tem a chave da porta.

Acho fascinante como a justiça que ele tanto exaltava (quase chegando ao ponto de me irritar tal qual ocorre nos battle shonens em que o herói repete demais os seus valores) acaba se mostrando mais próxima de uma quimera que de uma realidade.

Ele sofre uma virada de tapete, mas continua a trilhar o mesmo caminho por conveniência, hipocrisia, ou será que é porque seu conceito de justiça não é tão arcaico ao ponto de desconsiderar a necessidade de concessões em prol de uma justiça maior, mais eficiente?

Qualquer que seja o caso, é impossível negar que o desdobramento da revelação e a colaboração de Seizaki, englobando seus próprios objetivos, mantém a trama em uma constante na qual cada acontecimento colaborou para a revelação do problema maior.

Este que; dentro de um esquema envolvendo vários indivíduos, organizações e interesses não necessariamente alinhados; me parece conceitualmente plausível.

O que ocorre, e me desagrada em certo nível, é a forma lúdica pela qual o objetivo escuso contido na boa intenção é exposto. Diferente do conceito de justiça, que foi trazido para dentro de uma situação problema e nela questionado, não é dado tempo para que se processe a revelação da “distopia da morte”.

Afinal, o que é a justiça?

E eu até entendo que não haja tempo para processar, ainda mais porque é algo que pode ser trazido para a realidade de uma maneira mais crível eventualmente, o que pega é a maneira espalhafatosa e sincronizada usada para exemplificar o discurso do prefeito.

Se há algo que me desagradou nesses episódios certamente foi isso. Por outro lado, entendo que ainda é um anime e que impactar tem um peso importante no entretenimento objetivado pelo público.

Sendo assim, posso relevar a forma como um ou outro acontecimento se dá e até mesmo me conceder o direito de pensar que nesse caso específico, a criação de uma cidade modelo de caráter experimental, não é tão incoerente o suicídio coletivo de dezenas de pessoas enquanto o prefeito anuncia que a morte se tornou um algo “banal”.

Maa eu digerir isso bem vai depender principalmente do que os próximos episódios têm a entregar, de como essa cidade distópica que normaliza a morte vai ser trazida para a realidade, para o dia a dia das pessoas de Shiniki.

Porque o suicídio coletivo símbolo dessa nova era não foi uma escolha das pessoas, o que coloca em cheque a “pureza” dessa ideia, vilanizando a empreitada logo de cara. Quero ver como a população vai absorver isso, quais serão as consequências e, principalmente, como o Nyux será utilizado para construir essa distopia audaciosa.

Babylon nos apresentou a um jogo perigoso…

Lembrando que o suicídio é um tema delicado no Japão e explorá-lo ostensivamente pode ser desgastante para o público, vai depender muito da forma que isso for feito.

Até o terceiro episódio acho que a exploração do tema foi satisfatória; nem banalizado, nem romantizado; o suicídio foi tratado com seriedade. Aliás, desde o primeiro episódio a “morte” foi uma ocorrência frequente no anime, então nem dá para considerar a revelação repentina, e se repararmos bem, a Ai Magase esteve envolvida em todas elas.

Objetivamente falando ela é a personagem mais perigosa e certamente vai desempenhar um papel ainda mais importante na trama desse ponto em diante.

Por fim, só o que posso afirmar é que Babylon foi a grata surpresa que tive nessa temporada de outono de 2019. Tirando o que me incomodou no final do terceiro episódio o que vi foram três atos excelentes de uma trama instigante, um protagonista e uma antagonista interessantes e temas complexos sendo trabalhados com maturidade e competência.

O anime tem potencial e até onde pesquisei não há muito material a ser adaptado, o que aponta para um final fechado que seria muito bem-vindo, afinal, esse tipo de história tem menos chances de se perder se for contada em um tiro curto. Assista Babylon, e se você não gostar pode vir me cobrar aqui na sessão de comentários.

Até a próxima!

… em que a chave para a “vitória” é a vida? Ou seria a morte?

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