5 centímetros por segundo é um anime que corta a alma mais do que o coração, ele me marca de forma intensa, como uma cicatriz que nunca se fecha. A ferida que esse anime abriu ainda sangra.

Makoto Shinkai, em seu auge, nos conta a história de Akari e Takaki, dois jovens que se conhecem com cerca de 11 anos de idade, despertaram o primeiro amor um no outro, mas devido a circunstâncias familiares, tiveram que se separar. Akari muda para uma cidade distante, mas mantém contato com Takaki, um dolorido amor à distância que melancolicamente consome a ambos. Takaki também é surpreendido por sua família, e terá que se mudar de Tokyo para um lugar ainda mais distante de Akari.

As mão que se soltam

 

O filme 5 per sec, como gosto de chamar, é dividido em três momentos, ou três episódios. O primeiro arco engloba a relação dos jovens, o como se conhecem e o como se separam. O percurso espinhoso da impossibilidade do contato e do desenvolvimento da maturidade para com os sentimentos. Eles estão aprendendo o que significa amar ao amar um ao outro, mas de uma maneira brutal, amar um ao outro pela faceta maligna e corrupta do sentimento, que nada mais é, quando ele causa uma dor insuportável e uma tristeza indescritível.

 

Nesse primeiro arco, Takaki, antes de se mudar, combina uma visita a Akari, uma viagem que normalmente duraria cerca de três horas, com um custo relativamente elevado de locomoção, ainda mais para um jovem de 13 anos.

 

Quem tem parentes em cidades distantes, sabe muito bem o como é complicado sair da própria rotina, das correntes que nos prendem ao lugar onde moramos, e quem tem amizades que começaram presencialmente, em um ambiente comum, e depois se distanciam devido ao percurso do tempo e da vida, sabe muito bem como é complicado manter contato, ou seja, uma relação orgânica e saudável para com esses amigos. As coisas se dissolvem, tudo evapora, o que preenche o lugar daquilo que não mais está ali à nossa frente, é uma incrível melancolia.

 

Shinkai nos tortura em banho maria, Takaki fica preso durante uma eternidade no transporte, um tempo que, assim como o clima invernal, congela os ossos. Uma viagem de três horas se torna uma batalha de pelo menos seis, onde a fome, o frio, a ansiedade e a saudade apertam a cada segundo. Em um dado momento ele até chega a desacreditar que Akari ainda estaria o esperando.

 

Takaki está fraco, um jovem de 13 anos que não consegue expressar os seus sentimentos mais íntimos, que se engasga com aquilo que deseja falar, e também com aquilo que deseja ouvir.

 

Akari o recebe em lágrimas, esperar pelo seu primeiro amor, o qual não via a mais de um ano, uma pessoa de importância e carinho enorme em sua vida, lhe foi um martírio. O primeiro arco termina com eles concretizando o primeiro beijo, e a primeira despedida. Akari também carrega consigo uma carta onde descreve o que as palavras não conseguem pronunciar; o que coração ambiciona ouvir, mas não ousa requisitar. Ela não a entrega.

 

No segundo arco Takaki já se encontra no ensino médio. Ele se mudou para uma região litorânea e rural, ao sul do Japão. Akari continua ao norte, onde neva, mais distante do que nunca. Takaki está no vazio, seu olhar só enxerga o vazio, um vazio que preenche seu coração e sua existência, um vazio que somente Akari poderia preencher.

 

Somos também apresentados a Kanae, uma colega de turma que se apaixona por Takaki assim que o vê pela primeira vez. Ela carrega esse sentimento consigo enquanto convive com o rapaz, anos a fio o amando a distância, anos preenchidos pela agonia de nunca ser sobreposta junto aos mesmos sentimentos que possui para com ele. Kanae vai se formar, e ela não sabe o que deseja para o seu futuro, então ela decide fazer o melhor a cada momento, no presente, e assim viver do melhor modo possível, para aos poucos, construir o seu mundo. Já Takaki vive no passado, digitando mensagens para Akari no celular, sem nunca as enviar. Está imerso em delírios de um futuro que não consegue criar forças para concretizar. Segue o fluxo e almeja voltar para o lugar onde tudo começou, para o tempo onde sua felicidade ainda era pura, ingênua e real.

 

Kanae se esforça para dominar as ondas, Takaki se afunda nas profundezas do oceano. Ela não pode abrir o próprio coração para ele, pois sabe que o coração e à mente do rapaz estão em um outro lugar. O que lhe resta e cultivar um amor próximo e constate, mas o qual as mãos não podem tocar ou reter, e isso se revê-la uma amargura que Kanae é obrigada a engolir em seco.

 

Em contraste com o primeiro momento, ou ato, essa parte do filme nos joga na imensidão dos sentimentos que se diluem entre o tempo e o espaço, mas nunca dissolvem. Entretanto, empedram e bloqueiam os caminhos dos personagens, que não apenas não conseguem agir perante tamanho desafio, como se sentem solitários e reféns de suas próprias circunstâncias. Eles estão contemplando a própria impotência em superar as distâncias; e mesmo na situação onde estão perante uma proximidade espacial,  ainda assim, o coração de Takaki não está ali, ele é incapaz de se desprender e seguir em frente, ao mesmo tempo que também é incapaz de agarrar um possível futuro com as próprias mãos, entrando em contato com Akari ou aceitando os sentimentos de Kanae.

 

No terceiro e último ato, Takaki já está adulto, provavelmente já completou a faculdade, mora em Tokyo e trabalha (provavelmente de novo) com programação, sua rotina diária continua sendo uma espiral de melancolia. Ele não consegue se afastar dos laços que se tornaram correntes, e aos poucos endurece seu coração, seus sentimentos e sua capacidade de sentir afeto de modo romântico por outras mulheres. Ele até se engaja em relações, como fica evidente no filme, mas ele é frio, ausente e abandona àquela com quem se relaciona. Risa, outra garota que também se apaixona por ele, está sofrendo por não ser correspondida, mesmo que ele tenha efetivado uma relação junto a ela.

 

Não é possível saber se essa relação está em vias de término ou não, mas fica claro que, assim como aconteceu para com Kanae, Takaki segue em frente sem sair do lugar, ele não consegue mais se aproximar das pessoas ou deixar o passado de lado.

 

Já Akari, embora também em constante busca por um passado longínquo, pelo primeiro amor nunca efetivado, caminha aos poucos para o presente. Também se relaciona com outras pessoas e, diferentemente de Takaki, avança, mesmo que seja a 5 centímetros por segundo, em direção à felicidade. Ela está noiva.

 

Ambos relembram do trajeto de seu amor, que como um sonho opaco, uma chama calorosa, marcaram o nascimento do sentimento “amor” em cada um. Akari enxerga essa chama como ponto de partida, um farol que ilumina uma solitária trilha, triste, mas constante, em direção a um novo amor. Takaki, ao contrário, embora também enxergue essa chama, a vê como um ponto de partida e de chegada impossível, atado a um presente infeliz e enrijecido, incapaz de seguir em frente, de voltar atrás ou mesmo de viver o presente.

 

O clímax dessa jornada, e o momento onde Takaki é finalmente libertado dessa prisão existencial, é exatamente quando eles cruzam o caminho um do outro, mesmo que ambos tenham perseguido a sombra um do outro durante muito tempo, e sofrido com a não conclusão da relação, os efeitos particulares foram diferentes. Akari não olhou para trás, ela decidiu que o sonho, que o amor, que a felicidade e a tristeza faziam parte do percurso, e através disso, para garantir um futuro, ela escolheu não reacender uma chama que não mais deveria ser intensificada. Para ela o amor juvenil era diferente da maturidade e dos compromissos adultos.

 

Takaki, de modo adverso, esperou ser resgatado, desejando que a chama de sua paixão fosse mais uma vez alimentada pela única pessoa que amou durante toda a vida. Ele não sabia se esse sonho seria uma realidade ou uma ilusão, se existia a possibilidade de construir uma real relação junto a esse novo contexto em que ambos estavam inseridos, mas ele desejou que isso se realizasse. Entretanto, ao ver que Akari escolheu outro caminho, ele compreendeu, ele percebeu que finalmente estava livre e que deveria seguir em frente, que precisava seguir o seu próprio e particular destino. Ela o havia libertado do fardo de esperar por uma relação impossível que nunca se concretizaria.

 

5 per sec é um filme que traduz o sofrimento de amar, principalmente o primeiro amor, de forma sublime. É um filme que tem um final amargo, que nos machuca profundamente, ainda mais àqueles que já amaram e que sabem muito bem o que esse sentimento nos faz sentir, o como ele nos afeta e reestrutura toda a nossa psique. É incrivelmente complicado se apaixonar por alguém junto a esse nível de profundidade, pior ainda quando somos tão novos e estamos aprendendo o que significa viver nesse mundo, nessa sociedade. Nossa fragilidade, nosso desespero, nossa solidão, tudo isso gira no turbilhão cotidiano, nas pressões e responsabilidades. Como cuidar e nutrir um amor sem o corromper, ou como cuidar desse sentimento sem o deixar dissolver entre toda a impermanência da existência. É um enigma, uma questão em aberto que sangra tanto quando esses personagens sangraram no decorrer desse belo filme.

Hyperlink que direciona para o vídeo em que continuo o debate!

Comentários