Bem-vindo a Hello World, um mundo que é espelho e reflexo, simulação e realidade, amadurecimento e ingenuidade. É um filme desafiador, mas no sentido de desafiar a si mesmo, e sua intenção, e aquilo que nos apresenta, se resume a uma aventura da simulação que ama. Isso fará sentido mais para frente na resenha.

Bem, como posso dizer, ao ver esse filme, à primeira vista me pareceu bem horroroso, principalmente no que tange a animação, mas que conforme ele foi passando, ou seja, o processo de apreciação engrenou, deu para perceber que a animação que antes me desagradou, no fim, fazia todo sentido junto ao cenário proposto pela obra.

 

 

Nisso, a experiência inicial acabou se invertendo, pois, para mim, a partir de um ponto, ela começou a complementar a proposta do anime. Entretanto, nem tudo são bits, e considero a trilha sonora desse anime extremamente genérica.

Mas vamos ao que importa, o seu conteúdo. Esse anime tem que ser entendido por um eixo, se não sacar ou seguir esse eixo, o anime desmorona. Ele tem três camadas de realidade, e tem algumas regras de composição científicas que norteiam a fantasia. Primeiro explicarei as camadas e depois de deterei ao conceito da animação.

A primeira camada se refere ao que é o passado desse mundo, localizado no ano de 2027, onde desde do ano de 2020 a informação de toda a cidade, de tudo o que acontece na fronteira da de Kyoto, todo e qualquer movimento, seja ele de qualquer molécula ou átomo, foi registrado. A informação foi armazenada em uma espécie de mecanismo chamado Alltale, com capacidade de armazenamento infinita.

 

 

Essa realidade armazenada não apenas entrou em paralelo com a realidade, como a copiou, sendo que tudo o que era armazenado, era o reflexo do presente, um universo paralelo de informação outra. Isso chegou ao ponto em que dava para emular a realidade do passado no futuro, literalmente repetindo detalhe por detalhe, tudo o que tinha acontecido na cidade, pois se tinha a informação completa do passado arquivada e ordenada para rodar como uma simulação.

Nisso, dentro de uma simulação que deveria ser plena, determinada, imutável, o filme nos apresenta o fato de que ela não é. Aqui temos que entender o porquê ela não é. Na verdade, essa simulação da primeira camada é ordenada por uma segunda camada, à qual pode reorganizar, mesmo que com certa limitação os eventos de um passado registrado em todos os mínimos detalhes. O filme inteiro, o que entendemos como o mundo real, pode ser entendido como um sinônimo da compilação de informações, às quais, na verdade, são uma simulação que simula uma simulação.

 

 

O que quero dizer é que essa segunda camada, que interfere na primeira, também conhecida como presente, nada mais é do que uma segunda simulação que acontece 10 anos à frente da primeira. É um programa que roda as informações completas de um programa anterior em seu interior. E isso nos leva ao fato bizarro, mas compreensível, de que uma simulação pode interferir na outra. Ou seja, uma camada não apenas pode, mas interfere na outra. O interessante é que o filme nos apresenta que, para que exista interferência em uma determinação, é preciso controlar ou estar em posse do poder do administrador. Esse é um mistério que deixo para quem assistir ao filme desvendar.

E assim chegamos a terceira camada. Só existe essa terceira para que as ações de programação, ou de corruptela da causalidade, façam sentido no anime. O habitante da realidade da segunda camada, ao efetivar a realidade da segunda camada, se permite criar uma brecha para entrar na simulação do passado, ou seja, da primeira camada, para resgatar dados, ou melhor, acompanhar o amadurecimento desses dados, para que, em um determinado momento e com uma determinada ordem, ele possa resgatar essa informação.

 

 

A consequência de se retirar um bloco que constitui e influi na completude de uma teia, é nada mais que o colapso de toda a estrutura como ela é conhecida e como está organizada. Pensem comigo, caso apenas um ser humano, seja ele qual for, morra na história humana, toda a história humana vai inevitavelmente se direcionar para uma outra realidade que é completamente diferente daquela que seria real caso esse humano ali estivesse. E nisso, a ausência de uma parte, acaba corrompendo a estrutura do sistema como um todo.

A primeira camada é uma realidade composta por sua completude, ao se retirar dela essas informações, se desencadeia eventos em cadeia que destroem completamente a realidade simulada. E pior, ao impor dados em sua camada, a segunda, se acaba, por sua vez, efetivando o mesmo efeito, ou seja, corrompe-se, igual se sucedeu na primeira, a sua própria camada.

Tudo isso no fim leva ao desenvolvimento dramático dos eventos desse anime. Um anime onde uma simulação composta por um passado simulado, ao exercer a liberdade de influenciar o seu próprio estado de origem, implode tanto a ordem daquilo que a antecede como o destino daquilo que a precede. Esse anime não faz nenhum sentido, a menos que se tenha uma outra camada, à qual, essa sim, seja real e norteie as outras simulações. Ordenando assim as informações em cada realidade para que todos possam ser reais e não colapsar. E isso é o que vemos no fim do filme. Essa camada final da consistência aos dados das duas realidades abaixo dela, e essas duas simulações tem, além de tudo, um outro objetivo, para além do armazenamento de informações, que é salvar o protagonista.

 

 

É um filme bem mais cabeça e coeso do que à primeira vista pode parecer, mas ao mesmo tempo ele nos joga junto a um terreno arenoso e complexo que, para além da fantasia, corre o risco de não fazer sentido algum. Fica a critério de cada um tirar as suas próprias conclusões em relação a essa gama de elementos ali dispostos e conflitantes. Outro elemento complicador desse anime, é que ele praticamente descarta a relevância de todos os personagens secundários, que praticamente não tem importância na trama. O que importa são os dois personagens principais e a lógica dos mundos.

Essa é a parte sombria e intrigante desse anime, de resto, somos apresentados a uma história de amor intensa entre uma garota introspectiva e um menino obstinado. A parte mais bonita da obra é a relação de afeto entre eles, pontuada pela dinâmica entre o amor que não conhece fronteiras para conquistar a sua efetivação na realidade, e também, porque não, na simulação.

 

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