Cenas de ação são uma faca de dois gumes na hora de analisar ficção. Por um lado, essas cenas por diversas vezes são as mais adoradas de uma obra, ao ponto de conseguirem monopolizar o interesse do público. Por outro, é muito comum que também sejam vistas apenas como algo que segura a audiência, ao ponto de terem seu valor reduzido, sendo consideradas nada mais que um espetáculo vazio.

Minha intenção com este artigo é demonstrar que cenas de ação não tem por que serem apenas um festival de sakuga, e demonstrar todo o potencial que elas possuem para caracterizar personagens e engrandecer a narrativa além de apenas progredi-la.

O aspecto mais importante para construir um personagem é o conflito, seja ele interno ou externo. A forma como um personagem age em determinada situação e como ele é afetado pelas circunstâncias ao seu redor diz muito sobre ele – e muito da personalidade e emoção de uma pessoa pode ser demonstrado através de pura linguagem corporal.

Quando a linguagem corporal de um personagem é aplicada no meio de um combate, ela acaba por se tornar uma parte vital do seu estilo de luta. Há diversas formas de trabalhar um personagem por meio da forma como ele combate, seja ao demonstrar seu estado mental com o seu padrão de ataque, ou posição em relação ao fluxo da luta.

Em alguns casos, o estilo de combate pode não só ser um reflexo direto do usuário, como seu maior fator característico. São dois bons exemplos disso os protagonistas do anime Samurai Champloo.

Mugen é um jovem que tem a despreocupação e necessidade de lutar desde cedo refletidos em seu estilo de combate sem forma ou padrão, o qual consiste em usar absolutamente tudo ao seu redor junto de movimentos de break-dance para assim ser ainda mais imprevisível.

Jin, em contraste, possui um estilo de combate muito mais associável a imagem padrão do samurai – com movimentos simples, rápidos e precisos; que refletem a seriedade e frieza do personagem, assim como sua dedicação ao kendo – e tais características não são apenas os detalhes mais associados a esses personagens, mas também o maior chamariz de Samurai Champloo como obra.

 

 

É sempre importante que as habilidades de um personagem, independente destas serem de cunho físico ou “místico”, sejam um reflexo dele como pessoa e battles shonens muitas vezes falham quando chega a hora de evoluir o personagem. Por exemplo, por mais que momentos como o do Zoro se recordando dos ensinamentos de seu mestre na saga de Baroque Works tenham qualidades atreladas a si, o fato é que tal habilidade não demonstrou nenhum crescimento particular do personagem e nem causou uma alteração em sua forma de pensar ou agir.

Em outros casos, a habilidade simplesmente perde todo o peso que tinha, porque é readaptada ou substituída. Os dois melhores exemplos em que consigo pensar são o Rasenshuriken de Naruto e o Kaio-Ken de Goku. Ambas eram técnicas que, por funcionarem como facas de dois gumes, reforçavam o desejo de vitória dos personagens e tudo o que elas garantiam, porém, logo perderam tal característica devido ao efeito de futuros power-ups que tornaram os personagens bem mais poderosos e praticamente isentos de fraquezas.

Um caso bem mais significativo é o de Avatar: O Último Mestre do Ar com o personagem Zuko, cujo crescimento como dominador de fogo não apenas se prova no desenvolvimento do personagem — seus incessantes disparos de fogo dão lugar a um estilo mais defensivo, focado em dispersar as chamas inimigas, o que simboliza a libertação de sua raiva interior —, como também adiciona movimentos de outros estilos de dobra, o que demonstra que ele já não mais se baseia nos ideais imperialistas da nação do fogo, mas aprecia e respeita a individualidade de cada nação.

Por todas essas lições serem ensinadas por seu tio Iroh, elas acabam sendo o símbolo de sua relação com ele. No fim do segundo livro há uma ótima ilustração disso quando o príncipe primeiro utiliza movimentos de dominação de água contra a irmã e só depois usa os ferozes golpes de outrora, quando era manipulado por Azula e renegou os ensinamentos de seu tio em favor de seu pai, Ozai.

 

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  1. Quando eu assisti Dororo consegui notar um exemplo parecido com esse que deu.
    Hyakkimaru desde sempre luta com um estilo imprevisível, buscando apenas ferir sem se importar com seu próprio corpo.
    Já Tahomaru tem movimentos muito mais duros e ensaiados, coisa que só vai mudar quando ele decide que seu irmão tem que morrer, tornando o estilo de luta dele muito mais implacável e cruél.

  2. Excelente texto, ótimos exemplos,l. Certa vez oubo que o combate é a manifestação máxima dos senimentos dos personagens em um confronto e como tão devem ter uma grande carga dramática que vai contribuir para o crescimento do personagem.

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