Que segundo belo episódio 86 nos entregou, hein? Dessa vez vimos ainda mais “coragem” da Lena, mas também os Eighty-Six em combate, o que encorpa a compreensão da trama que a estreia nos apresentou. Já é o suficiente para esperar boas coisas do anime? Claro, assim como levantar, tentando não dar spoilers, óbvio, alguns pontos interessantes para a continuação da história. Sem mais demora, eu ainda não vi tudo o que eu vou precisar, e você?

A Lena se incorpora ao dia a dia do esquadrão Spearhead meio que de supetão e se você está se perguntando porque a interação parece tão incômoda para eles a resposta é óbvia, não tem como se sentir à vontade com alguém do povo que chama você de porco imundo, apagou sua cidadania e entrega apenas o mínimo para manter seu “escudo” de pé. Por mais que ela seja diferente, o sistema que os aproxima não, então não há razão para dar vida fácil a Operadora.

Além disso, se o desprezo deve chateá-los, tratá-los como gente também, afinal, soa hipócrita, e só ainda não houve um conflito que desse vazão ao desconforto do esquadrão porque a Lena ainda não foi mais à fundo na tentativa espinhosa de conhecê-los. No final do episódio ela começa a fazer isso em uma cena pós-créditos muito boa, mas que reforça o buraco de compreensão em que a heroína se encontra e sobre o qual falarei mais adiante.

Antes, não acho que tenha mais o que falar do ritual do Shin ou do perigo eminente de morte pelo qual os Eighty-Six passam, é preferível que eu comente o primeiro combate em detalhes contra o Império que o anime mostra. Aliás, contra o império não, contra a Legion, a unidade de drones altamente sofisticados que aparentemente destruiu seus criadores e luta uma guerra fadada a derrota. Aliás, a verdadeira derrota nessa guerra não é perder para a Legion e sim o conflito interno que a República sufoca.

Na verdade, não há conflito porque não há escolha ou chance de revolta, o sistema foi criado para a segregação total e o cerceamento da liberdade dos Eighty-Six pode até não parecer tão problemático porque eles têm casa, comida e algumas poucas opções de lazer, mas a verdade é que ele é tão problemático quanto qualquer outra forma de exploração. Não se deixa enganar pelas cenas descontraídas desse anime, o problema e muito pior do que conseguimos ver pelos olhos da Lena.

Mas vou deixar essa discussão para mais adiante e voltar ao embate, que contou com um CG bem decente e boas cenas de ação, apesar da luta que se dá entre os dispositivos de guerra não ser meu ideal de ação em um anime. Contudo, como leitor da novel, gostei da adaptação desse trecho, pois ele veio a complementar o que talvez a novel tenha mais dificuldade em nos fazer enxergar, que é justamente os combates; tanto pelas poucas ilustrações do campo de guerra que ela traz, quanto por limitações da escrita mesmo.

Dessa vez ninguém morreu e, apesar de não ter seguido as ordens, não houve nenhum grande problema entre a Operadora e seus comandados, mas a sensação de perigo foi passada com um pouco mais de cadência, de parcimônia, além de ter ficado claro qual o diferencial do esquadrão para se sair bem em tantas batalhas. O Shin é um soldado muito acima da média que luta de maneira arriscada, até aparentemente sobre-humana, mas o resto do esquadrão também têm suas qualidades, além de apresentarem um sólido trabalho em equipe.

Ademais, elogio a trilha sonora (música do Sawano, não tem como não melhorar a cena), mas principalmente a direção por conseguir dar certo equilíbrio a parte desprivilegiada do elenco em comparação ao que fazem no núcleo dos albas, em que tentam dar um ar meio moe a algumas cenas da Lena quando isso me parece até meio incoerente, apesar de eu saber que essa leveza em parte se deve a própria tolice da garota. Tudo que cerca o esquadrão Spearhead me parece bastante ajustado, até mesmo a interação com o mecânico ou o lazer fora dos embates.

Quanto a Lena, bem, aproveito para entrar no assunto dos posicionamentos que ela defendeu em sala de aula, o que me pareceu mias bater em cachorro morto que qualquer outra coisa. Já ficou claro que a sociedade sabe muito bem tudo o que foi e ainda é feito com os Eighty-Six, então, se essa sociedade já é podre ao ponto de normalizar a filha da putagem, como ela acha que vão dar eco as suas reclamações? Aliás, a maneira como ela coloca a questão me passa a ideia de que nem ela mesma tem noção da real gravidade do problema.

Parece que em pouco mais de cem anos (partindo do princípio de que o mundo de 86 parafraseia o nosso) regredimos ao ponto de não haver um órgão que vigie as ações dos governos, afinal, se os não albas é que são segredados, como os países relacionados a essas minorias não se manifestaram? Ou melhor, como isso não gerou outra guerra, e se não isso, sansões pesadas e interferência externa na administração dessa República?

E como é que dentro desse cenário em que um grupo grande de pessoas é jogado a própria sorte (na verdade, ao próprio azar) a Lena acha que existe a chance da cidadania dos não albas ser recuperada? Nem os Eighty-Six devem querer isso por saberem que seriam segredados no caso de qualquer tentativa de reintegração dentro das 85 colônias. Além disso, não dá para categorizar como “erro” que pode mudar na base do discurso algo que vai muito além disso, vai além da barbárie.

Inclusive, mascarar a realidade na mídia deve ser uma forma de não atrair atenção externa para os próprios problemas do país. E me estranha não existir nenhum grupo organizado e enraizado que vá contra isso, mas a verdade é que talvez exista, só não seja de conhecimento da heroína até pelo meio em que foi criada e pela carreira que decidiu exercer, então dou essa colher de chá. Mas é claro que se há um ponto de contestação em 86 é a maneira ainda “branda” como a Lena trata a barbárie de sua nação, não por acaso não levam ela a sério.

Pelo menos é razoável imaginar que ela pode se indignar mais e entender melhor o sistema podre e praticamente irreversível no qual se encontra a partir de sua convivência com o esquadrão, devemos esperar isso, mas o ponto é, os esforços dela acabam não ajudando em nada se sua intenção é mudar a injustiça. E isso nem é exatamente um problema do roteiro, eu só acho que amenizar demais as cenas dela, mesmo as que podem ser amenizadas, e nos apresentar esse lado inocente da heroína chega a ser um pouco desagradável sim.

Isso, claro, se a ideia foi ir à fundo em toda a atrocidade que a República praticou contra as suas minorias, algo que parece inevitável. Enfim, não condeno a Lena e nem a forma ainda branda como ela enxerga tudo que a cerca, mas é óbvio escrever que isso precisa mudar e que talvez ela ainda seja idealista demais ao ponto de falar verdades achando que está abalando justamente para criar um contraste entre seu eu sonhador que quer mudar o mundo para melhor e seu eu consciente de que ela é incapaz de fazer eco sozinha.

A tolice da Lena é evidente, mas não é incompreensível que ela seja assim, assim como deu para entender o belo encerramento ter chegado mais cedo se a intenção era trabalhar o momento de lazer do esquadrão se aproveitando da tática de aproximação de sua Operadora. Aliás, ela entrar em contato justamente nos horários em que eles estão relaxando não torna ainda mais claro o incômodo que causa para eles? É diferente de cooperar em meio a batalha, é como se ela estivesse roubando tempo deles falando de futilidades.

Não que ela fale coisas sem qualquer noção da situação em que ambos os lados se encontram, mas perguntar qual seria o destino depois de retomar a cidadania foi uma gritante demonstração de falta de tato por parte dela, justificada porque ela ainda não se deu conta de que eles sabem que não dá para contar com isso quando sequer sabem se vão estar vivos no dia seguinte.

A pergunta só seria realmente afável se fosse outra e se a Lena entendesse que um eventual fim da guerra não vai fazer as coisas voltarem a ser como eram antes, até porque antes com certeza não era tão bom se minorias étnicas foram segredadas e obrigadas a tomar o tiro pelos albas sem sequer terem seus nomes lembrados. 86 é daquelas histórias que pode ser ficção, mas trabalha com uma ideia que é constantemente presenciada na história do nosso planeta, na qual os mesmos erros se repetem de novo e de novo…

Até a próxima!

P.S: Mais uma vez o título do artigo faz referência a minha banda favorita, o Muse. A canção pode ter um contexto diferente do que é a “cidadania apagada” dos Eighty-Six nesse anime, mas em si a violência é a mesma e é com ela que sempre devemos ficar alerta.

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