Não sei se você já notou, mas esse anime vai ser assim, qualquer calmaria significa tempestade pouco depois, e como desgraça pouca é bobagem, não bastava que a Lena levasse o tapa na cara que estava pedindo para tomar, uma integrante do esquadrão Spearhead também teve que morrer para nos mostrar o quão cruel é a vida para os Eighty-Six. Quer tenham momentos de alegria e paz, é tudo passageiro, tênue…

Para começar elogiando a produção, posso dizer que adorei a primeira parte do episódio e de como o contraste que a direção buscou alcançar com a cena inicial cômica e fofa deu certo, afinal, uma personagem que teve espaço nesse momento, mas se destacou ainda mais no posterior, foi a que acabou morrendo no final, abrindo espaço para que a Lena recebesse o choque de realidade do qual ela tanto precisava.

Mas antes de falar sério, por que foi bom ver garotos tentando espiar garotas? Na verdade, o trecho não foi bom por isso, mas pelo momento de troca de figurinhas entre as garotas, que falaram de amor e outras coisas com muita empolgação e interesse. Menos mal que não houve fanservice, que nesse tipo de anime deveria ser evitado, e por mais que espiar seja errado, convenhamos, dá para entender adolescentes fazê-lo.

Esses momentos são importantes para contrastar com as mortes, que nesse episódio já chegaram a duas, afinal, só assim para que o público entenda a profundidade da situação dos Eighty-Six e porque, mesmo com poucas opiniões veementes nesse sentido, a Lena realmente estava “roubando” o tempo livre deles. Mais de uma vez alguém falava que eles poderiam morrer a qualquer hora e foi exatamente isso que ocorreu.

Quem se incomodava constantemente era a Kurena (a descendente oriental que era o “rato” nas conversas), que não conseguiu manter o teatrinho em curso como o Theo, também incomodado com todo o interesse e a simpatia demonstrados pela Lena. Mas não se engane, não é como se os outros também não se incomodassem, é que cada um reage de uma forma, então não é estranho que a maioria não queira o atrito.

Até porque, convenhamos, não ajudaria muito, ainda que não atrapalhasse (afinal, eles pouco precisam de sua Operadora para lutar). Além de que há Eighty-Six que não odeiam todos os Albas sem fazer distinção, como a própria Lena é um exemplo de Alba que não trata os Eighty-Six como porcos imundos. Contudo, basta não tratar as pessoas como lixo para reconhecer e respeitar a humanidade delas? Não, claramente não.

Só que antes de chegar na porrada que a Lena levou, e precisava levar, não posso deixar de comentar a pergunta que ela fez, que foi bem arriscada pelo ponto delicado em que tocava, mas ao mesmo tempo foi direta e honesta. A Lena deu sorte de ter sido a Kaie a responder, alguém que não guardava um rancor inerente contra os Albas como a Kurena, mas que também não parecia totalmente à vontade na situação.

A própria imagem que uso para capa deste artigo me passa essa impressão, de que entre todos ela era a menos incomodada em conversar com uma “porca branca”, mas ao mesmo tempo ela ainda estava incomodada em ter que interagir com a Lena, em sequer correr o risco de se afeiçoar a uma Alba. Além disso, por mais que tenha relevância, receber a gentileza de um ou outro Alba não minimiza a discriminação da maioria.

A Kaie sabia dessas coisas, que mesmo entre os Albas nem todos eram esses monstros que a Kurena pintava, ao mesmo tempo em que um ou outro elemento do grupo não compensa todo o mal causado pelos porcos brancos, e era justamente esse ponto que a Lena ainda não entendia, que seus esforços ainda eram muito aquém, pois mesmo com toda sua boa vontade, o sistema havia causado um mal praticamente irreversível.

Já que a Kaie deu uma ótima resposta, ela fez mais e se sentiu à vontade para fazer outra pergunta, mas principalmente dar um conselho, com isso demonstrando uma certa simpatia pela Lena, afinal, a intenção era protegê-la do sofrimento que um hora vai chegar se continuar a andar ao lado deles. A parte da Lena ser virgem ou não foi meio boba, né, mas compreensível se pensarmos na associação da virgindade a pureza.

E se pensarmos mais, que a Kaie, como todos os seus companheiros, não teve acesso a uma educação decente para fazer essa distinção, é ainda mais compreensível que faça essa associação simplória. Ser virgem não justifica a falta de malícia da Lena em entender onde estava pisando, é mais uma questão da forma como ela foi criada, em uma dicotomia de idealismo e comodismo, tendo uma experiência catalisadora disso.

Acho que não comentei episódio passado, mas a ida da Lena ao campo de batalha anda criança, meio que por acidente, ainda vai ter repercussão na série (seria um desperdício o contrário), mas para não dar spoilers só digo o que acho, que ela acabou levando o exemplo do soldado um pouco para o lado errado, sem se dar conta da complexidade da violência que os Albas infligem aos Eighty-Six.

Foi por isso que a Kaie a disse para se afastar porque ela pode “quebrar” se continuar sendo a Operadora dos Spearhead, apesar de que, como o Daiya bem pontua, o Shin não faz mal aos operadores por querer, é uma consequência de algo maior para o qual a pessoa não está preparada, mas a Lena vai estar se acontecer, a gente sabe disso. A questão é, ela vai ter que abandonar sua inocência para sobreviver entre eles.

Não que enlouquecê-la seja a intenção do Shin ou do esquadrão como um todo, mas é a tendência natural se ela continuar se envolvendo, até se pensarmos que quem não se envolveu, quem não se importava, também acabou sendo vítima da “intensidade” desses soldados, que em um muno ideal se preocupariam mais com o crush que com aproveitar a vida pela incerteza do amanhã, amanhã esse que não veio para a Kaie.

A tragédia estava anunciada e veio mesmo com os mapas que a Lena fez questão de arranjar para ajudar seus comandados. Até que a ideia dela foi boa, mas perceba como nada do que ela faz tem ajudando muito, e isso se deve a quê? Não é só a autossuficiência do esquadrão, mas também aos limites que o campo de batalha os oferece. Muitos ainda devem morrer, a trama já deixou claro que o bicho vai pegar.

Mas por que a Kaie teve que morrer logo agora, e ainda mais desesperada pela vida? Porque essa morte maximiza tudo que escrevi neste artigo. Bateram tanto na tecla de que eles não sabiam o dia de amanhã e por isso deveriam aproveitar o hoje, que matar a pessoa que mais se desviou de seu caminho para dar atenção a hipócrita e presunçosa Lena foi de uma crueldade e beleza sem igual.

E tudo isso sem muita firula, sem gastar muito tempo, e mais uma vez dando espaço para uma cena pós-créditos com muito valor dentro da narrativa, pois foi do alto de sua exposição de moralidade, que mais servia a autossatisfação que qualquer outra coisa, que a Lena levou uma pancada daquelas, ouvindo verdades que devem fazê-la acordar de uma vez por todas para a indulgência em seus esforços.

É muito hipócrita da parte delas se satisfazer com não chamá-los de Eighty-Six se ela também não pergunta seus nomes, é muito fácil dizer que os considera humanos quando impõe sua vontade a eles sem dar margem para entender a violência que tentar ser simpática também pode ser, é muito ruim que ela ainda não tenha entendido o abismo entre a vida que leva e a vida deles, que tiveram a liberdade roubada.

Vamos ver como a Lena vai se reerguer após esse tombo, tenho certeza de que saber seus nomes reais e usá-los não resolve nada, mas, se muito, já é uma demonstração de boa vontade que ela pode dar a eles, e a partir daí tentar resignificar essa relação disfuncional, o que só será possível se a heroína entender que falar da boca para fora é fácil, o difícil é ter a atitude de estar ao lado do outro de verdade, como for possível.

Até a próxima!

P.S.: Amo Muse e acho que consigo encaixar uma música como título todo artigo, dessa vez foi em homenagem aos drones (na verdade, as máquinas de matar remotas da Legion) que matam os Eighty-Six, que são tratados como verdadeiros drones de guerra pelos Albas. Cruel, não?

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