Se o último episódio foi o melhor do anime, então não é mais, pois esse o superou completamente. Esse foi carregado de emoções do início ao fim, e emoções das mais diversas. A tristeza e o desespero estiveram ao lado da felicidade e da esperança.

Isso em um episódio perfeito e de grande profundidade. É incrível a forma como ele guiou a situação criada ao fim do último episódio. O anime conseguiu trabalhar os seus personagens com uma sensibilidade admirável. Ele soube os ver como humanos, como pessoas que sentem e que sentem com todo o seu coração. Seja a felicidade ou seja a dor, seja em sua esperança ou em seu desespero.

Em cada um desses momentos o anime soube respeita-los e deixá-los serem aqueles que são. Os momentos calmos onde o anime não se apressava e deixava as cenas se prolongarem eram também uma prova de respeito ao sofrimento daquelas pobres crianças. E mesmo aquelas que se levantaram e foram lutar tiveram as suas dores tratadas com dignidade.

E vale lembrar que falamos de crianças. Isso é importante, temos que lembrar desse fato. E entre eles temos que destacar a Hikari, já que além de ser a mais jovem ela ainda é a que mais amava o Tai. Portanto a que mais sentia a sua perda. Destaco o momento em que ela pede para o Komondomon ir até o seu irmão, foi uma cena de partir o coração.

Mas sua tristeza não era a única, todos compartilhavam dela. Entre eles a Mimi, que protagonizou uma das cenas mais lindas desse reboot. Mesmo que o TK seja a esperança ele não poderia fazer o que a Mimi fez. Primeiro porque a Mimi é uma pessoa mais velha, e depois por ser uma garota. E não me leve a mal, mas há uma sensibilidade no sexo feminino tão peculiar que as tornam especiais.

E temos que lembrar que aquilo que emocionou a Hikari não foi a esperança da Mimi, mas a sinceridade com que ela dizia aquelas palavras de esperança. Numa cena que também foi muito emocionante, porém que não foi a última do episódio.

Se com uma mão ele nos deu esperança então com outra nos devolveu o desespero após o Millenniumon renascer. E quando tudo parecia acabado outra vez, eis que o Tai faz um retorno triunfal em uma cena maravilhosa. Outra, já que esse episódio esteve repleto delas. Tornando esse episódio de fato precioso.

Acredito que uma boa obra é aquela que alimenta a alma, não a que apenas entretêm a mente. Claro, é evidente que se trata de uma generalização. Nada contra algo que só serve como distração ou diversão. Mas a ficção tem um poder muito maior do que esse, ela é capaz de nos enriquecer enquanto seres humanos. Inclusive algumas das obras que você nem espera podem ser capazes disso. Sim, estou afirmando que Digimon é uma delas.

E digo isso para me aproveitar do fato que até aqui só comentei partes do episódio com tal capacidade. Porém, esse episódio mostrou outro tipo de profundidade também. Uma até mais inesperada do que essa primeira. Que se trata do simbolismo presente na obra, em especial na cena do ritual. Talvez a cena tenha te lembrado de alguns outros animes, o que faz sentido, já que eles compartilham das mesmas referências simbólicas.

Primeiro de tudo foi muito inteligente a ideia da ressureição do Millenniumon. Esse digimon é a combinação do Kimeramon com o Mugendramon. Aqui tivemos um Mugendramon usado como sacrifício enquanto o Kimeramon era a carne usada como recipiente. A própria ideia de usar uma quimera é interessante, já que alude à mitologia grega e também à alquimia.

E de fato o esoterismo não acaba por aqui, já que temos que lembrar que o Sephirothmon está relacionado com a cabala judaica. De fato, Sefirot são as potências de Ein Sof na manifestação de Sua vontade na criação do universo. Explico, Ein sof significa “o ser sem nome” e seria Deus antes de sua auto-manifestação. Os místicos judeus que conceberam a ideia da cabala se guiaram pelo princípio neoplatônico de um Deus sem atributos.

O ponto todo está em duvidar da ideia de um creatio ex nihilo (criação a partir do nada) para um emanacionismo. Isto é, a ideia de que tudo toda a realidade emana de uma unidade primária. Aquilo que poderíamos chamar de “O Um” e que nesse caso seria Ein Sof.

E lembre-se que Ein Sof seria Deus antes de manifestar a si mesmo e todas as outras coisas, pois como não existia nada além dele mesmo ele não poderia ter uma imagem de si mesmo, qualquer tipo de forma ou atributos. Portanto, pode-se concluir que a sua forma está justamente nas outras coisas. E essa ideia de uma conexão substancial entre Deus e Natureza permite uma visão panteísta da realidade.

O panteísmo, grosso modo, acredita que a Natureza e Deus são uma só coisa. A palavra “pan” significa “tudo” e a palavra “theos” significa “deus”. Isso nos lembra de Fullmetal Alchemist e do icônico “Um é tudo e tudo é um” que adquirem um novo significa quando vistos como o Um (Deus) e como o Tudo (Natureza) que acabo de explicar. Aliás, perceba que em Fullmetal a Árvore da Vida da Cabala está presente na Porta da Verdade. Te garanto que não por acaso.

Dito tudo isso, se recorde que o Sephirothmon é aquele usado para o surgimento do Millenniumon. Ou seja, naquele momento vemos as potências (Sefirot) de Ein Sof se manifestando e a partir delas a divindade tomando forma. Então sim, toda aquela cena possui uma grande riqueza simbólica e mística. Mas se deixei essa explicação para o final não foi apenas por ser a parte mais chata, mas de fato por ser a de menor importância.

É incrível que a obra traga um conceito tão interessante e o execute com tamanho brilhantismo, mas a beleza desse episódio está no carinho com que tratou os seus personagens e no quão impactante foi. Por último, peço desculpas se não consegui explicar corretamente sobre a Cabala ou se cometi algum erro ao discutir sobre ela; o que provavelmente fiz. Seja como for, até mais.

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