O fim, a cicatriz que nunca fecha é uma ferida da vida e da morte. Chegamos ao fim de um começo, nesse terceiro filme de Kizumonogatari, divido em três atos, acompanhamos a agonia de um monstro, o coração partido de uma imortal.

 

 

Kiss Shot Acerola Orion Heart Under Blade, em seus mais de 500 anos, se apaixonou uma vez. Seu primeiro servo, um samurai japonês, roubou a sua felicidade e se tornou cinzas ante ao peso de seu destino vazio e tolo.

Araragi, o seu segundo servo, um humano a beira do colapso, concretiza a missão que lhe foi dada, recupera os membros de Kiss Shot, o contrato está cumprido, a recompensa prometida deve ser entregue, deseja o mundano, o comum, o humano efêmero imerso na ignorância e impotência.

Tenho que reverenciar a relação de ambos, mestra e pupilo, após descobrirmos as maquinações de Oshino Meme, que na verdade se revelam em mistério e jogo de espelhos, um mediador neutro que neutraliza, mas que pende para um horizonte o qual nenhum olhar pode discernir. Ficamos na incógnita, mas Kiss Shot pouco se importa, está nas nuvens de sua plenitude.

 

 

A inquietação de um sorriso falso, intenso e que derrama lágrimas por detrás de um vocabulário orgulhoso. Kiss Shot perdeu o coração, mas nem percebeu, e quando se viu encurralada, perdeu as pernas e os braços, em parte por desejar, em parte para se punir. No entanto, face ao desfecho, adentrou pelo desespero, implorando pela salvação, pela gentileza, pelo calor humano que não mais possuía.

Araragi, símbolo da tolice, oferece a vida para a figura incapacitada, e depois, ao fim de sua jornada, herdando o pecado e a bestialidade de sua mestra, espera dócil e ingenuamente pela liberdade prometida. Kiss Shot, comovida e grata, lhe revela o passado, a espada que guarda dentro de si como uma lembrança, um corte que não sangra, que não dói, que não corta, mas que lhe arrasta para o abismo do sofrimento.

A luz, a felicidade e a amizade são coloridas de sangue, Guillotinecutter retorna para o acerto de contas, mas por fim é consumido em carne e vida, o banquete que revela a verdade, a cortina que se abre. Onde está a comida ambulante, o aperitivo de tenra idade que atende pelo nome Hanekawa?

 

 

A realidade caí como uma tempestade de vidro, e o incólume e ingênuo se vê refletido em sua escuridão, em sua natureza de predador que apenas consome. Rasteja pelo lamento, pela culpa que corre por suas veias. Araragi é um tolo.

A quem pode recorrer? O que deve fazer? É responsável por um monstro que caminha entre cadáveres, e por sua vez, está se transformando em um, seja em um monstro, seja em um cadáver. Qual alternativa outra que lhe resta a não ser dar fim a sua existência?

Dentre os três atos, a melancolia de uma resolução avança para a agonia de uma consciência, a carência de um pecador. Hanekawa, um anjo, abre as asas em sua direção, lhe agarra com firmeza e resolução, não pode desistir, não pode, sob hipótese alguma lhe é permitido.

 

 

A inquietação palpita sobre a responsabilidade, quem pode deter o mal liberto, a maldição mais bela que nada mais faz do que sorver o néctar da vida. Cabe a mim enfrentar e concluir aquilo que comecei. É o que ambos concluem. Araragi é o único que pode fazer frente a Kiss Shot.

Nesse momento de tensão, somos guiados para o nascimento lascivo do tesão, um treinamento justo para um herói maculado e decadente. A eficiência deve ser preservada, quanto mais êxito lhe for permitido, melhor.

Como prova, que se toque o costume dos volumes, de seios abertos, de corpo distendido, que seja cobaia e refém da amizade, que se prepare para ser consumida e privada de sua inocência. É de coragem e ímpeto resoluto, a menina se apresenta mulher, mas o homem se apresenta um garoto.

 

 

O ato não se efetiva, mas é belo o respeito que ambos nutrem um pelo outro, uma confiança sem igual, de proporções esbeltas onde a juventude habita. É o suficiente, pois o tempo urge e a maturidade chama, o enlace íntimo entre cria e criador.

Não há volta, não existe argumento, o que de humana Kiss Shot nasceu, corrompida e imutável se tornou, uma entidade sobrenatural que pertence ao limbo e às sombras. Sua voz é o comando de ordem do embate, me supere.

Cabeças rolam, carcaças são dilaceradas, o inexperiente jovem se esforça frente ao imbatível e superior oponente, em realidade, não é páreo, é apenas um parvo de pouca amplitude. As chamas se conjuram enquanto os músculos oferecem o seu máximo.

 

 

Hanekawa percebe o teatro, desvenda a encenação, revela uma corrida em direção a verdade. É o clímax, a máscara de um ser de joelhos que espera o momento certo para oferecer a bênção de seu sacrifício. Kiss Shot só pode devolver o humano a Araragi caso permita que ele a mate.

Jamais, que humano ele seria caso para ser humano tivesse que sacrificar outra vida, ou mesmo, outra morte. Sob hipótese alguma. O que fazer, a quem recorrer, qual a resposta para o irrespondível?

Oshino possui uma alternativa, que se lance à infelicidade, já que a satisfação de todos os desejos é impossível, que não se satisfaça nenhum. Sugue a vida até que a vida seja sua, mas não permita que sua vida deixe de viver, sejam unos, ambos incompletos.

 

 

Para Kiss Shot, que de esperança deseja o fim, o inferno de permanecer é um fardo humilhante e inaceitável. Para Araragi, que de culpa deseja a permanência, carregar o fardo e degradar a existência de outro é uma cruz que tem de aceitar.

Um pseudo humano e uma pseudo vampira, esse é o resultado de alguém que não abandona e de alguém a quem não foi permitido abandonar, as feridas estão abertas.

Foi uma jornada intensa e sensual pelas sombras de uma obra sincera, o início de uma saga de elementos petulantes, irreverentes e abusivos, o caminho em tela que oferece ao egoísta o seu prêmio amargo com troco em questionáveis monogataris. Histórias a serem contadas.

 

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