O laço de sangue que ata as gerações. Kun é um menino de cerca de quatro anos que acaba de ganhar uma irmã. Mirai, que significa futuro em japonês, é uma adorável recém-nascida. Ela, sem qualquer culpa, rouba a atenção de seus pais; afinal, precisa de cuidados constantes. Sobre o que é esse filme? Ele é uma história de superação através da hiper-imaginação, ou mesmo hiper-realidade, em que um jovem “mimado” acaba de perder o pedestal de centro das atenções.

 

 

O que eu quero dizer por hiper-realidade? Bem, o filme busca superar a barreira narrativa ao nos convidar a submergir em um mundo fantástico, o qual devemos aceitar como real. Mais do que real. A fronteira entre o tempo e o espaço se dissolvem. O passado, o presente e o futuro coexistem e se inter-relacionam, culminando em uma aventura pelas consequências do amadurecimento e da superação dos conflitos.

 

 

Mamoru Hosoda nos presenteia com uma jornada inusitada. Kun, atônito pela chegada de sua pequena irmã em sua vida, se vê desprovido, temporariamente, da prioridade do afeto de seus pais, os quais estão centrados no bem-estar da nova filha. Percebendo que foi deixado de lado, o menino se recente, começa a agir deliberadamente de modo hostil e birrento, pois suas emoções estão amalgamadas em um misto de revolta, curiosidade e resignação. E mesmo embora tenha inveja, ele começa a prezar e gostar da pequena Mirai, sua irmã, e a interagir com a sua fofura, querer que ela lhe reconheça e brinque com ele. O conflito se desdobra enquanto novas emoções florescem em Kun.

 

 

O choque em seu cotidiano é gigantesco, ao ponto de, em uma manobra para restabelecer o controle sobre os seus sentimentos, o menino, sem querer, acabar por inflar toda a sua imaginação e a despejar sobre o mundo; entretanto, ele só efetiva essa ação quando está em seu pequeno jardim, o qual se localiza dentro de sua própria casa.

Esqueci de pontuar, mas a casa da família é um tanto moderna, no sentido de que o pai de Kun é arquiteto, e o modo e disposição dos cômodos dela é um tanto excêntrico. Na verdade, as escadas da residência me dão calafrios, já que temos uma criança constantemente subindo e descendo por esses degraus. Enfim, o jardim interno da casa possui um pequeno carvalho, árvore que representa, literalmente, a genealogia da família de Kun.

 

 

Em contato com esse ambiente, a realidade se transforma descontroladamente, e eis que surge em frente ao jovem Kun, a sua irmã Mirai, já crescida e adolescente, para interagir com o pequeno. Essa não é a primeira vez e nem a última que o jardim, e a árvore em especial, darão acesso ao mundo fantástico da hiper-realidade. Em um momento de interação com o seu cachorro Yukko, Kun irá humanizá-lo, trazê-lo para uma forma antropomórfica para que possa interagir com ele. Em outro momento, o próprio Kun será transportado para regiões diversas que remetem ao seu laço genealógico, sanguíneo e familiar, em que conhecerá o seu bisavô.

 

 

Só para destacar, a reconstrução estética do cenário engrena perfeitamente com a narrativa e a apresentação dos conflitos do jovem, ajudando-o a superar os sentimentos negativos que preenchem o seu coração. O filme se concentra em trabalhar essa bonita mensagem, onde o passado e os conflitos de outras pessoas, que compõem o destino de Kun, o auxiliam a superar os seus dilemas presentes, seja a partir da divertida missão que sua irmã, em forma adulta, lhe concede, ou mesmo na livre interação com o passado de sua própria mãe e pai, os quais também tiveram os seus momentos de dificuldade e excentricidade quando eram mais novos. Desse modo, Kun desvenda as suas origens e até mesmo avança no desvelar de seu futuro. Essas ferramentas de roteiro nos direcionam de um lado ao outro, apresentando os fios que atam e justificam o presente de Kun, e ainda mais, que oferecem as alternativas para que ele possa agir adequadamente ao enfrentar as transformações de sua realidade presente.

 

 

Em um dado momento, Kun chega até mesmo a conhecer a sua versão adulta, um adolescente azedo e sem graça, que contrasta e muito com o pequeno e enérgico menino. Uma diferença tão gritante que nos faz pensar  como será que isso foi acontecer, ou seja, como ele acabou se tornando esse rapaz. Mas é claro, o filme não tem tempo o suficiente para podermos obter essa resposta, mas em troca podemos apreender os ensinamentos que o velho Kun predispõe a sua versão infantil, mesmo que indiretamente, já que a participação do rapaz apenas sinaliza a metáfora, mas não a expõe completamente. De todo modo, a mensagem transmitida é que, por mais que se esteja perdido, enquanto se estiver em companhia da família, enquanto se efetivar a proteção de uns sobre os outros e todos cuidarem uns dos outros, mesmo que as dificuldades e os obstáculos do percurso moldem a sua personalidade, você nunca estará só, e sempre deve-se manter em mente que existirá alguém que dependerá de você.

 

 

No fim, Kun aceita e protege a sua irmã, assim como Mirai aceita e protege Kun, a identidade de um depende da identidade do outro. A mensagem dentre as mensagens, junto a qual esse filme nos convida a refletir, é que devemos prezar e cuidar uns dos outros, como família, como irmãos, assim como nossos antepassados cuidaram uns dos outros para que, direta ou indiretamente, nos garantisse a existência futuramente. E não importa o conflito com que se depare, enquanto se estiver junto à árvore familiar, se estará junto a herança que predispõe as ferramentas para a superação de todos os conflitos. E mais importante ainda, mesmo que o laço não seja sanguíneo, mas sim uma parceria em vida, ainda assim estaremos juntos, do mesmo modo que é exemplificado quando Kun conhece o passado e a origem da conexão entre o seu cachorro Yukko, e a sua nova família, que no caso é a sua própria família humana.

Como sempre, deixo aqui o hiperlink que direciona ao vídeo no qual debato um pouco mais sobre o anime!

 

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