Dr. Stone é originalmente um mangá escrito por Inagaki Riichiro e ilustrado pelo super talentoso Boichi. A obra teve seu anime exibido entre julho e dezembro de 2019 e em seus 24 episódios cativou o público com Senku, um jovem cientista, e seus companheiros que embarcam em sua paixão pela ciência.

O anime já foi renovado para uma segunda temporada e como cobri a primeira aqui no blog vou me encarregar da resenha. É hora de Dr. Stone no Anime21!

Na história acompanhamos um trio de amigos: Senku, Taiju e Yuzuhira, que acordam milhares de anos no futuro após sofrerem uma petrificação misteriosa que atingiu a todos os humanos presentes na Terra.

Na verdade, acordar é uma forma simplista de ver as coisas, já que há um processo cientifico por trás da despetrificação e é a partir daí que Senku, um genial cientista do colegial, tem a ideia de levar a sociedade de volta ao ponto tenológico em que ela se encontrava antes do evento. Mas para isso ele precisa de aliados e recursos e são justamente esses dois pontos que norteiam a sua jornada de reconstrução.

O que levou os seres humanos a virarem pedra é certamente o maior mistério da obra e apesar de não ser dada qualquer resposta sobre isso, uma coisa é clara, tem que existir uma explicação científica para esse fenômeno. E tem que ser uma minimamente convincente, pois se não houver Dr. Stone terá falhado tematicamente, afinal, uma das frases marcantes de seu protagonista já no início implica que ele busca desvendar o que parece fantasia com ciência, que ele acredita ser possível fazer isso.

E é esse o grande tema de Dr. Stone, a ciência. É ela que aproxima Senku e seu melhor amigo, Taiju, de Tsukasa, um jovem forte que é despetrificado e os ajuda de imediato, mas em um segundo momento os afasta já que Tsukasa deseja construir uma utopia que objetiva se livrar da ganância dos adultos.

Por outro lado, Senku deseja voltar a sociedade para o que ela era antes, com a ciência. Mesmo que o Senku nem fosse cientista não faltariam motivos para bater de frente com o primata do ensino médio, mas se é a paixão do protagonista que molda a trama, então é ela que deve ser posta nos holofotes.

E ele faz isso, ainda que de forma um tanto quanto fantasiosa, mas faz!

Não à toa uma das principais qualidades do anime é como a capacidade de provocar encantamento da ciência é explorada. Sim, eu sei que a ciência em si não é boa ou má, útil ou inútil, depende de quem a usa e para o quê. O caso é que o Senku faz pose, mas é uma boa pessoa, apesar de ser bastante racional.

É por isso que ele é capaz de impressionar contemporâneos e nativos com seu conhecimento e capacidade de pôr esse conhecimento em prática. Tudo isso aliando o útil ao agradável ao usar do encantamento provocado pela ciência para conquistar aliados e disseminar seus avanços.

O anime tem algumas reviravoltas que levam o personagem principal a se separar da dupla de amigos e acabar parando em um vilarejo perfeito para começar essa “colonização”. A verdade é que a conexão entre ele e o vilarejo pode parecer um pouco forçada, mas esse é um desconto que a gente pode dar, né.

Aliás, o anime pede várias doses de suspensão de descrença ao longo dos episódios, mas isso não é um problema visto que seu tom mais cômico e abordagem leve favorecem as piadinhas, caricaturas e clima de aventura edificadora. Dr. Stone cresce ao ponto que os projetos de Senku se sofisticam.

Se são as ações humanas que moldam a utilidade da ciência, a ciência não tem uma natureza exata, então consigo comprar a ideia de que um adolescente é tanto genial quanto bonzinho o suficiente para só usar a ciência para o benefício da coletividade. Até porque isso também o beneficia, afinal, ele se diverte.

Tenho minhas reservas quanto ao “positivismo” constante com o qual a ciência é abordada na obra, mas dou o braço a torcer. Inagaki sabe escrever momentos legais e que evocam uma nostalgia e orgulho pelas conquistas da raça humana que muitas vezes a pessoa nem sabe ou sequer lembra que tem.

Dr. Stone dá a seu público um vislumbre divertido e cativante sobre a evolução da sociedade através das eras e do desenvolvimento da ciência. Pulando quantos pontos relevantes se pode pular, é verdade, mas também é verdade que é mais do que o suficiente para nos lembrar o quanto a ciência é algo grandioso.

A ciência é a voz da ração que nos mantém presos ao chão enquanto nos desafiamos em voos cada vez mais altos. É edificante, mas exige trabalho duro, paciência e inteligência para que dê os frutos desejados. É a fantasia palpável e por isso Dr. Stone acaba por deslumbrar tanto em seus momentos mais marcantes.

A verdade é que mesmo sozinho o cientista não é capaz de muito e é por isso que a produção se ocupa em dar um desenvolvimento no mínimo razoável para muitos dos personagens que cercam o protagonista, assim como formar laços entre eles, reforçá-los ou simplesmente ampliá-los com o convívio diário.

Há desenvolvimentos de personagens pontuais e muito bons, como também desenvolvimento mais lentos e pungentes que são bem aproveitados não apenas no que se refere às invenções, como a formação do laço de confiança que se torna o alicerce da nação da ciência, tão almejada pelo Senku.

Sejam os amigos do passado ou os amigos que Senku vai fazendo ao longo do caminho, todos são de suma importância para a variação e evolução da qual a série necessita, ainda mais porque só há um tema e ele sempre é explorado da mesma forma, o que torna alguns momentos um pouco mais enjoativos.

Pequenas tramas de personagens que se aliam ou chocam com o objetivo principal e uma constante predileção por uma abordagem cômica, que funciona mesmo dentro de momentos mais tensos ou entre eles, ajudam a equilibrar a balança e não tornar o anime desgastante ao ponto de provocar desinteresse.

Ao menos foi o que aconteceu comigo. É verdade que lia o mangá antes do anime sair, mas mesmo lendo já percebia esses momentos perigosos de quase saturação e, ainda assim, estava lá “comprando” a ideia de novo toda semana.

Creio que o anime faça o possível para não deixar a peteca cair, o que não é tanto o reflexo de sua animação bela, mas comum, e sim de sua trilha poderosa, roteiro pontual e direção competente. Nada exatamente espetacular, mas o suficiente para receber elogios.

Há pouca ou quase nenhuma ação – o foco jamais foi esse em nenhum momento da obra, apenas um meio para algo -, então se faz necessário que a produção se sobressaia ainda mais na tentativa de provocar diferentes sentimentos em seu público.

Enfim, posso até comentar o anime de maneira mais geral, mas o arco do Byakuya, o pai do Senku, merece uma atenção especial, pois a conexão que ele faz entre passado e presente através da ciência faz inveja a muitas histórias de viagem no tempo por aí. Nesse arco Dr. Stone fala sério como nunca!

Mas, claro, tudo isso sem perder a compostura. Digo, o Senku não a perde nunca, mas isso não o impede de deixar transparecer seus sentimentos. Racionalidade e emoção caminham lado a lado no personagem e essa é uma característica que também podemos ver em seu pai adotivo, astronauta e um pouco “Adão”.

Byakuya confia no amor pela ciência do filho e encara suas limitações de recursos e tempo para lhe passar uma mensagem que atravessa gerações, mas consegue chegar de alguma forma intacta justamente por causa da ciência. Em um primeiro momento de maneira primitiva, depois de maneira mais “tecnológica”.

Essa “passagem de bastão” rende alguns dos momentos mais emocionantes do anime, como quando o Senku vê a lápide em nome do pai e deixa cair uma lágrima ou quando ele a quebra e descobre um disco que não só cativa os ouvidos e corações de quem o escuta, como também terá grande utilidade prática.

Não vou escrever mais para não dar um spoiler específico, mas, de toda forma, isso é irrelevante. O mais importante é que apesar de ainda parecer um tanto conveniente, fica difícil não se emocionar com a conexão profunda entre Senku e os moradores do vilarejo que ele precisa ir cativando aos poucos.

É verdade, há o arco do remédio, que é mais uma desculpa para tornar o Senku o chefe do lugar que qualquer outra coisa, mas ele é mais uma preparação para o que se segue, que é a real formação de um grupo grande e versátil de aliados que orientados por Senku usam a ciência para combater Tsukasa.

Aliás, a forma como o Senku escapou da morte pelas mãos dele e como manejou a informação de sua sobrevivência foram detalhes legais nessa “guerra fria” (com direito a alguns conflitos, é verdade), de verdadeira preparação e observação do inimigo, que antevem o arco a ser adaptado na sequência.

Where legends cry a lot.

E falando em Tsukasa, não consigo mesmo concordar em nada com a ideologia dele. Afinal, o que garante que os jovens que ele pretende reviver não se tornarão adultos iguais ou piores dos que um dia reinaram sobre o mundo? A vida dele é mundana como qualquer outra, limitada, ele não pode garantir isso.

Mesmo que se tornasse um ditador (o que na prática ele já é e isso acho bem contraditório) de uma população maior e socialmente estabelecida, ele vai poder garantir que não existirá mais corrupção? Vai poder garantir que não haverá oposição e, portanto, uma ameaça aos seus ideais?

A motivação do Tsukasa beira a inocência, quer ele tenha ou não um motivo para se agarrar a essa utopia tola. A verdade é que nesse aspecto o personagem não é bem escrito mesmo (o que acaba o tornando bem escrito praticamente em nada, né), menos mal que ele vira o combustível do qual o Senku precisava.

Por que combustível? Porque a ameaça do Tsukasa impele o Senku a agir e é com essas ações que outras pessoas vão se deixando cativar e se comprometem a ajudar, a serem os aliados que o Senku sempre quis, capazes de prover recursos que ele jamais seria capaz de obter sozinho.

O Tsukasa acaba sendo um mal necessário para que a trama ande, um casamento até então bem útil, mas que vai provar mesmo sua utilidade quando a segunda temporada, Stone Wars, começar. Afinal, é nela que o embate entre Senku e Tsukasa se dará e mal posso esperar para ver isso acontecer.

Tsukasa, o primata do ensino médio de um pensar primitivo…

Já citei a maioria dos pontos positivos e negativos do anime, acho que só preciso frisar que Dr. Stone é realmente muito divertido para quem se preocupa menos com a razão por trás da ciência que com os personagens e suas tramas.

Isso significa que a ciência em si é apenas um meio para se chegar a um fim? Acho que não, o tema está intricado no alicerce do que é a obra e pode não convencer a um adulto sem tempo e ânimo para folhear um livro ou ler um artigo científico, mas pode instigar uma criança ou um adolescente a olhar a ciência com melhores olhos. Em alguns casos até mesmo se aprofundar nela.

A mensagem que Dr. Stone busca passar é de que a ciência pode ser bem mais encantadora do que um professor rabugento e incapaz (nem todos são assim, é claro) possa fazer parecer. Ela foi transmitida com sucesso para o grande público alcançado com o anime? Depende. O sucesso é sempre um ponto positivo, mas se está influenciando no interesse do público pelo tema ainda falta um estudo comprovar.

Como para tudo na vida, o tempo guarda todas, ou quase todas, as respostas. E se não tem resposta é só porque ainda não existe um processo científico capaz de extrai-la. Acho que o Senku ficaria orgulhoso lendo isso…

Para a segunda temporada você pode esperar várias reviravoltas, uma boa dose de clichês e a ciência sendo usada para superar os obstáculos de sempre. Tudo com muito bom humor e, espero eu, boa vontade de você, caro(a) leitor(a).

Até a próxima!

Mal sabe a Kohaku que o mundo antigo, nosso mundo atual, é todo uma grande vila da ciência.

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