Chikyuu ga Ugoita Hi – A punição divina está no egoísmo das almas solitárias
A jornada do egoísmo ao altruísmo é representada pela empatia. Na relação direta, proativa e inevitável com o outro.
Chikyuu ga Ugoita Hi, narra um evento real, dramatizado em formato de animação. O desastre ocorrido em 1995, quando um terremoto assolou diversas cidades do Japão, incluindo Kobe, a cidade retratada no anime em questão.
Somos apresentados a seguinte situação. Os habitantes da cidade, pegos de surpresa ante a madrugada, tragicamente tem suas vidas e, em grande parte, as suas posses soterradas pela natureza. Após a tragédia resta apenas o humano, despido de desejos, de destino ou propósito outro que conviver e coexistir, sobreviver e prover existência e dignidade aos sobreviventes que estão ao seu redor, para que assim, essas mesmas pessoas as quais ajudou, possam dignificar a sua vida.
Quando despidos dos ornamentos e posses individuais, o que resta é a fome, a sede e o frio, o que resta é o semelhante. Esquerda, direita, política ou moral, gênero, idade, tudo isso se dissolve perante a tragédia e a fragilidade humana.
Os nomes dos personagens, assim como os nossos nomes, não são realmente importantes, embora não devam ser esquecidos. O que é preciso ser destacado é que são pessoas comuns, assim como qualquer e todas as pessoas. Trabalhadores dos mais diversos segmentos, estudantes, crianças e adultos. Todos em soma, são a sociedade. Mesmo que cada um tenha as potências e características pessoais, históricas e adquiridas socialmente, as quais são intransferíveis, elas são adquiridas para serem aplicadas e fazerem a sua parte dentro da sociedade.
O ponto de fuga da história é a tragédia, mas podemos acompanhar os seus desdobramentos pelo olhar de Tsuyoshi, um jovem adolescente que aprende a duras penas o que significa existir junto aos outros. Ele presencia os seus amigos perderem os familiares, os seus conhecidos se tornarem apenas lembranças e sentimentos, pois já não estão mais presentes. Se depara com o nivelamento que uma situação ímpar proporciona a todos os humanos. Estão todos sozinhos, e estão todos ao lado uns dos outros, por isso precisam cuidar e olhar um para os outros, encarar os semelhantes como iguais.
O seu melhor amigo Kato representa bem o absoluto desamparo de alguém que perdeu tudo, que tem que se reerguer e seguir em frente, mesmo que não tenha nenhum destino, ele tem que viver. O’Hana-san, uma idosa que está abrigada junto ao local temporário para as vítimas da catástrofe, representa bem a resiliência de uma veterana que já perdeu tudo diversas vezes em sua vida, e novamente, sobrevive. A parte tocante é que ao perder tudo, ela é abraçada pela sociedade, cuidada, ouvida, acompanhada, dissolvendo a profunda solidão e abandono que presencia em sua existência segregada da convivência e utilidade social.
O desastre trouxe uma nova luz sobre sua vida, e ela se desespera ao saber que novamente terá que adentrar a solidão. Os jovens que a acompanham prometem não a abandonar, e que irão se revezar para visitá-la.
Em meio a isso temos o professor dos jovens, que os ensina, em aulas especiais, o valor da vida, as consequências da negligência humana ao construir uma sociedade que só olha para o outro quando ambos não possuem mais nada.
O luto, a reconstrução e esperança recaem em quem sobrevive, em quem constrói as estruturas para o futuro. A mensagem principal do filme não é o lamento, mas sim a reflexão para agir e se precaver, seja ao construir uma cidade mais resistente, seja em não abandonar o seu semelhante mesmo quando não se está em uma situação extrema.
Pessoas unidas por um bem maior, que ambicionam salvar e construir conjuntamente a sociedade a qual pertencem, e também que estão dispostas a chorar e apoiar umas às outras em toda e qualquer situação.
Sabemos que isso é utópico, e que quando a normalidade bate à porta, cada um acaba se direcionando a sua isolada vida, onde o outro é o outro, distante e vazio de significado. Por isso acho interessante que tentem seguir o jovem Tsuyoshi com um olhar generoso, não o entendendo como um menino frente a sua transformação psicológica e existencial devido a uma tragédia, mas sim como um adulto pleno e consciente, que decide agir e se posicionar com o peso de toda a sua existência para mudar o mundo.
Ele abandona o seu egoísmo e abraça um futuro que almeja construir. Um futuro onde o que importa é o outro, e não a si mesmo, onde o outro é aquele que define quem o indivíduo “eu” é.