Acho que a primeira coisa que temos que fazer, antes, e também depois de assistir esse filme, é nos perguntar. Qual a proposta desse filme? O que ele quer dizer? Porque ele existe?

Infelizmente não são respostas agradáveis. Mas vamos lá.

Tenki no Ko é uma continuação que não é uma continuação, uma obra que segue a linha do pode copiar, mas não faça igual, que na situação em que se encontra, é quase inevitavelmente um auto plágio. Kimi No Na Wa é um filme que acabou, ele tem muitos méritos, apesar dos pesares, e um dos seus méritos, é que a história teve um fim. Satisfatório, eu diria. Mas se a proposta não era reviver um filme que não morreu, podemos dizer que acabou por se apresentar um clone mal concebido.

 

 

Não me levem a mal, Tenki no Ko tem os elementos mínimos necessários para um filme prender a atenção, o que ele faz bem, não pode ser negado, mas também não podemos passar pano para aquilo que ele, não apenas não faz, como se o faz, acaba efetivando de maneira espalhafatosa. É um filme de amplitude emotiva, de drama intenso e de amor romântico de cor única, não tem camadas.

 

 

Hodaka é um jovem que decide tomar as rédeas da própria vida, ele se joga no mundo, ele abandona sua terra natal, suas angústias e cicatrizes, as quais não são apresentadas. É um pulo do gato, ou um pulo na capital Tokyo, o começo de uma jornada em direção a luz, que por sinal, é exatamente o que ele seguiu ao iniciar o seu novo recomeço.

 

 

Hina é uma jovem que decide tomar as rédeas da própria vida, ela é jogada no mundo, ela fica presa a sua terra natal e responsável pelo destino de seu irmão, ambos órfãos, com angústias e cicatrizes, as quais não são apresentadas, ou melhor, a situação é dada, às consequências são mostradas, mas não sabemos as complexidades do mundo para além do filete de realidade a nós oferecido.

Parentes, amigos, não existem, os irmãos vivem em um mundo bolha. Hina vive como adulta, trabalha e abandona a infância. Ela vende o destino, a sua força de trabalho, quase vende o seu corpo. Embora, em certo sentido, e para que a magia nasça no filme, ela vende, ou doa, o seu corpo para o mundo que se localiza entre o céu e a terra.

 

 

Hina tornasse uma entidade, uma quase deusa, uma sacerdotisa do clima. É interessante que ela é convidada a ter um poder, uma benção e um fardo, mas o como essas coisas são alocadas a ela, não tem real fundamento. Sua oração foi atendida, e ela não ganhou realmente nada em troca, apenas ofereceu, se tornou um receptáculo de poder.

Hodaka, mais perdido que um garoto sozinho em uma cidade grande, sem dinheiro, amigos, conhecidos ou sustentação social, acaba por se agarrar a um adulto difuso, Keisuke, a única pessoa que lhe “ajudou”. Rendido pela carência, ele é absorvido pela conveniência. Natsume, a personagem mais interessante do filme, sobrinha e “amante” de mentirinha de seu tio, o auxilia em seu negócio diferenciado. Caçar rumores e lendas urbanas para um tablóide com foco no submundo dos mistérios.

Dentre sua missão e nova profissão, Hodata persegue uma lenda, uma Menina Sol, ou menina solar. E nisso o filme resolve abandonar o plot da dignidade de Hodaka como novo morador da capital sombria, e o direcionar como um príncipe, melhor amigo e salvador de uma Menina Sol.

 

 

O que o filme pretende? Uma relação de amor. O que ele faz, estipula um plot ejetável de base para a origem de um personagem que abandona a sua ambição, que não existia em primeiro lugar, para se apaixonar perdidamente por um mito lendário.

Quanto mais ele se conecta com a sua musa, mais ele descobre o seu sentimento, mais ele se vincula a um destino de determinação afetiva divina.

O outro personagem desse filme, e talvez o mais importante, é a chuva, ela vem como uma profecia, como uma natureza em reivindicação de justiça e equilíbrio. Ela, junto ao seu mundo de origem, o mundo entre o céu e a terra, usam como marionete os sentimentos de Hina, a sua refém, para efetivar o seu plano e a sua ambição, chover.

 

 

Enquanto Hina for humana, a chuva, através dela, não cessará. Como a chuva é um artifício de atmosfera, e não alguém consciente e com vontade própria, ela apenas se materializa através de sua representante, Hina, à qual não tem controle qualquer de sua bênção, ou de sua maldição. E caso ela deseje que sua maldição cesse, que a luz e o sol perfurem as densas nuvens, ela deve oferecer a si mesma como oferenda e sacrifício. Ela pode rezar, e sua reza tem o efeito de abrir as cortinas do tempo, por apenas um momento. Quanto mais ela usa a sua benção, que tem efeito paliativo, mais ela é consumida no processo.

A Menina do Sol é a entidade da chuva. A eterna chuva que nunca cessa, que regula um ambiente que aparentemente estava desregulado. Isso é usado como pano de fundo para uma história onde esse pano de fundo não tem real importância. O que importa nesse filme é a história de amor. Hodaka e Hina, enfrentam uma perniciosa maldição, abandonando, ou apenas pontuando, as relações e densidade daqueles que os circundam. Hodaka revela seu recém trabalho, Keisuke segue seu rumo em busca da guarda da filha, a polícia cumpre a sua tarefa de devolver menores de idade aos seus devidos responsáveis, ou a cuidar e zelar por crianças desamparadas e sem pais para a eles proteger.

 

 

Entre tudo isso temos o grande ato final, a maldição de uma entidade sobre a sua sacerdotisa escolhida. A lenda urbana encarnada, que usa de seu poder para resolver paliativamente o cataclisma do qual ela mesma é a causa e a origem. E com isso é abraçada por Hodaka, que tanto a resgata quanto a condena a ser eternamente uma entidade do caos, a deusa da chuva eterna, para que assim a terra seja inundada e eles possam viver felizes para sempre.

Por fim, podemos entender que por de trás de uma bela animação, e um bom ritmo e estrutura, com paredes ocas que sustentam uma competência técnica adequada, mas que mesmo assim, o filme, a animação, ela não quer dizer nada, ela só quer desenvolver uma história de amor efetivada sob um céu chuvoso, a sua proposta é conectar dois corações enquanto toca músicas bonitas e nos apresenta cenas belas e intensas, um filme que existe para propagar apenas uma coisa, o sucesso e a herança do filme anterior. Bem, pelo menos ele tem a Natsume, a Natsume é um anjo.

 

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