Achei por bem comentar um pouco sobre esse assunto escatológico também, depois da súbita popularidade que ele ganhou com aquele vídeo do omelete. Sim, o fim dos animes (e o anime21 ainda é tão novo!). Eu ia fazer uma piada ali no título dizendo que é o Omelete que está chegando ao fim, mas preferi aliviar por duas razões: 1) Eu não acho que o Omelete está chegando ao fim. Ele está tão não chegando ao fim que nem graça teria essa piada. E porque 2) Eu conheço um senhor muito simpático que mora na Praça da Sé (na praça mesmo), que o que tem de simpatia tem de mau cheiro. E ele é uma das pessoas mais simpáticas que eu conheço. Enfim, ele sabe muito sobre muita coisa, e me disse que no Omelete só tem roquista que fez pacto com Satan Goss. Eu não sei se é verdade, mas preferi jogar seguro.

Come on, boy!

Esse simpático senhor também me disse que se chama Napoleão, e que veio nadando desde Santa Helena até o Brasil. Eu não vejo motivo para duvidar dele, mas as vezes eu acho que ele não sabe do que está falando. Não é que eu ache que ele minta, é só que, por um motivo ou por outro, ele aumenta, exagera, joga com expectativas. Mais ou menos o que o Guido Mantega passou os últimos quatro anos fazendo quando dizia que a economia brasileira iria crescer. Ou quando um pescador diz que já pescou um peixe maior do que o barco dele. Ou quando o Hideaki Anno diz que a indústria de animes no Japão está morrendo.

De todos esses, eu ainda confio mais no Napoleão.

De todos esses, eu ainda confio mais no Napoleão.

Não dá nem para dizer que isso é mentira, né? Mas com base em que se pode dizer que é verdade? É só porque alguém disse? Sim, ao contrário do Napoleão, o Hideaki Anno está dentro da indústria do anime, então ele ganha um pouco de credibilidade por isso, mas o Guido Mantega também estava super imerso na economia brasileira e mesmo assim ele errou feio suas previsões, e olha que ele estava em posição de poder bem maior que o Anno. Isso acontece quando as pessoas falam sem base em fatos, em conjuntos reais de dados, e preferem falar apenas o que pensam. Antes de continuar, é verdade, o anime21 é vastamente opinativo antes de qualquer outra coisa, mas é por isso mesmo que não costumamos fazer previsões sobre o mercado aqui. Apenas sobre os animes que assistimos, e olhe lá! E eu sei o quanto eu erro, nossa, eu erro pra caramba. Que problema tem isso? Respondo no final, segura essa pergunta.

Antes de escrever meu próprio texto eu li esse artigo no JunkBox e assisti esse vídeo do Capslock. Recomendo ambos, concordo com basicamente todos os argumentos dos dois (discordo de uma irrelevância ou outra apenas), e devo acentuar que amo animes, mas detesto videocasts ou podcasts. Porém esse do Capslock tem quase meia hora e eu assisti inteiro, gostei e recomendo, então isso deve significar alguma coisa, né? A importância deles é que já trataram de quase tudo, de forma que meu artigo pode se apoiar neles e ser mais sucinto e ao mesmo tempo mais abrangente.

Primeira coisa que eu quero comentar é sobre o Hideaki Anno. Adoro Evangelion, adoro The End of Evangelion, adoro o Rebuild of Evangelion, sou um grande fã de Evangelion. Ou seja, eu adoro o trabalho de roteirista e diretor do Anno. Mas ser um grande diretor não torna a pessoa automaticamente uma boa analista de mercado. Claro, ele sabe de coisa que não sabemos, ele vive uma realidade que não vivemos, eu acho que as opiniões dele têm mais chance de estarem certas do que as minhas. Mas no fundo é só um pouco mais que um chute de qualquer forma. E um chute de alguém que depois de sua último grande trabalho em anime (Evangelion 3.0) entrou em depressão e ficou mais ou menos afastado da indústria desde então, tendo voltado brevemente como dublador do protagonista de Vidas ao Vento, último filme do Hayao Miyazaki. Agora ele supostamente já retomou o trabalho do quarto filme da série Rebuild of Evangelion, mas seu projeto mais concreto atualmente é como diretor do novo filme do Godzilla.

"E depois reclamam comigo quando eu não entro no robô."

“E depois reclamam comigo quando eu não entro no robô.”

Quero dizer, ele é só uma pessoa, e sequer é a especialidade dele analisar o mercado, ele pode errar. Os links que eu passei para o JunkBox e para o Capslock listam um monte de razões objetivas pelas quais eu acredito que ele esteja errado. Voltando ao Anno, se ele entendesse tanto assim de mercado talvez a sua Gainax não tivesse sucumbido, não é? O estúdio ainda existe, alguns dizem que está morto, eu não acho que esteja, estão fazendo um trabalho fenomenal em Houkago no Pleiades, mas é fato que hoje a Gainax é muito menor do que já foi. Como o Capslock apontou, o Anno é praticamente um discípulo do Hayao Miyazaki, a quem eu já citei no parágrafo anterior, e cujo estúdio dependia basicamente dele. Ele envelheceu sem encontrar um modelo de negócio melhor do que “Hayao Miyazaki fazer um filme com linguagem universal que venda bem tanto no Japão quanto no Ocidente por causa da grife que o nome dele carrega”, adiou sua aposentadoria várias vezes, mas ele já não conseguia mais manter a produtividade que um dia teve, e foi obrigado a pendurar a pena. O outro diretor famoso e seu sócio no estúdio Ghibli não parou oficialmente ainda, mas também está velho, e embora eu adore seus poucos filmes que consegui assistir, eles não são tão comerciais quanto os do famoso Miyazaki. Com o estúdio paralisado, seus ex-funcionários estão indo fazer outros trabalhos em outros lugares.

Ou seja: mesmo a decadência do poderoso estúdio Ghibli, um dos mais conhecidos no ocidente e um dos mais premiados e respeitados, não levou ao fim de nada. E Hayao Miyazaki, como Hideaki Anno, seu quase-pupilo, também costuma fazer previsões pessimistas sobre a indústria do anime. A mais recente foi quando ele reclamou que o problema da indústria do anime é que ela está cheia de otakus, que seriam pessoas sem contato com o mundo real e portanto sem a capacidade de criar obras que reflitam a realidade. Enquanto é verdadeiro que uma pessoa sem contato com o mundo real é menos capaz de criar algo baseado no mundo real do que outra com esse contato, levando-a a criar personagens que não dá para levar a sério em mundos inverossímeis, o fato é que apenas o Miyazaki dizer que a indústria estaria cheia de gente assim não quer dizer que ela realmente esteja. Essa é só a impressão dele, por quaisquer motivos que ele tenha, do ponto em que ele enxerga a indústria. Considere que há mais de uma década atrás, em 2002, ele havia dito que o anime estava em um beco sem saída. Bom, ou a indústria do anime conseguiu evitar esse beco, ou, o que é mais provável, o grande diretor estava errado quando tentou fazer um bico como analista de mercado, não é?

Chihiro, apesar de estar à beira de um "beco sem saída", não foi o último longa dirigido por Hayao Miyazaki. Houveram outros três ainda antes que ele se aposentasse.

Chihiro, apesar de estar à beira de um “beco sem saída”, não foi o último longa dirigido por Hayao Miyazaki. Houveram outros três ainda antes que ele se aposentasse.

A indústria do anime não está morrendo. Ponto. Não faltam recursos para novas produções e apesar do que pensa Hideaki Anno é improvável que venham a faltar em um futuro próximo. Esse artigo possui dados sobre os lucros da indústria em 2013 e é muito interessante. Tem um gráfico adorável nele (primeira imagem, gráfico amarelo) que mostra o lucro apenas com longas animados. Note que se remover os anos de 2001, 2004, 2008 e 2013 ele fica com menos sobressaltos e é basicamente um gráfico ascendente. Por que remover esses anos? Entre eles estão os três mais lucrativos dessa série! Em 2001 foi lançado A Viagem de Chihiro (ganhador do Oscar, sucesso internacional absoluto), em 2004 O Castelo Ambulante, em 2008 Ponyo e em 2013 Vidas ao Vento, todos filmes do internacionalmente bem sucedido Hayao Miyazaki, o que com certeza faz os números subirem além do normal. De certa forma, a indústria pode esperar lucrar menos, mas não pelos motivos apontados por Miyazaki senão por sua própria aposentadoria. Mas mesmo sem ele a indústria está crescendo.

Mais sobre isso, sobre a suposta decadência e a suposta perda da influência dos animes no ocidente, o Capslock já falou mais do que o suficiente. Ele não falou com todas essas letras, mas eu falo: você tem que estar de brincadeira para dizer que nenhum anime mais fez tanto sucesso assim no ocidente estando ciente de Naruto e o ignorando propositalmente. Você pode não gostar de Naruto, mas se o que estamos falando é de sucesso no ocidente, bem, isso ele tem de sobra e o seu gosto pessoal não vai mudar isso.

Haveria então, como dizem, uma crise de criatividade? Antes de tudo, como avaliar isso? Os animes produzidos hoje seriam menos criativos que os produzidos antigamente? Loucura, como sequer se mede criatividade? Muitos animes com temas ou personagens parecidos, entendo. Só que isso não é um fenômeno recente. Em qualquer indústria cultural, em qualquer lugar do mundo, há tendências criativas, modas que vão e vem, anos melhores e anos piores, bem como algumas poucas obras que aparecem de vez em quando e por serem tão inovadoras e atingirem um sucesso tão grande inspiram toda uma geração depois delas. Evangelion, do Anno, foi uma dessas obras (goste ou não). E foi implacavelmente imitado, com maior ou menor sucesso, com mais ou menos cara-de-pau. Mas a criatividade não acabou depois de Evangelion (só a do próprio Hideaki Anno, que está produzindo mais Evangelion até hoje).

Rahxephon, um dos primeiros clones de Evangelion

Rahxephon, um dos primeiros clones de Evangelion

Então talvez o problema seja que hoje em dia não se produzam mais tantos “bons animes” quanto antigamente. Embora haja um ou outro critério objetivo que se pode usar para definir se uma obra de arte é boa ou ruim, no fundo a avaliação final é subjetiva, então estamos de volta com o mesmo problema da “criatividade”. Se você perguntar para uma pessoa qualquer seus animes prediletos, ela provavelmente irá dizer um ou dois animes recentes muito famosos e uma penca de animes mais antigos. Então está provado que os antigos eram melhores! Está..? Como argumentado pelo JunkBox, não está coisíssima nenhuma. Isso é impressão sua causada por um viés nostálgico.

E nem é difícil de entender como isso funciona: no caso mesmo da pergunta sobre melhores animes, qualquer pessoa vai começar a se recordar dos mais recentes primeiro. A maioria dos animes que lembrar, contudo, não será tão bom para merecer figurar em uma lista de melhores, então ela irá buscar mais distante no passado. Quanto mais no passado, menos a pessoa vai se lembrar, tendendo a se lembrar apenas dos que mais marcaram, ou seja, dos melhores. Assim, ao analisarmos apenas de memória o passado e o presente dos animes, lembramos um monte de animes bons do passado, e mesmo que lembremos um monte do presente também, lembraremos junto um monte de animes ruins do presente, o que vai fazer o presente parecer ruim em comparação. Tem ainda o problema do tempo: “antigamente” costuma significar qualquer coisa antes de um, dois, cinco anos atrás, enquanto “presente” é uma faixa de tempo bem mais estreita. Em menos tempo, menos animes foram produzidos, tanto bons quanto ruins.

Eu li um artigo interessante dia desses sobre o viés nostálgico falando sobre o efeito dele na música. Porque é comum as pessoas dizerem “a música antigamente era melhor”. Tenho certeza que se você não diz isso, ou é muito novo ou conhece alguém que diz isso. E no caso da música parece até haver uma prova: compare uma rádio de clássicos com uma rádio de música atual e na primeira vão tocar muito mais boas músicas. Só que também as escolhas dessas rádios são afetadas pela nostalgia e pela extensão de tempo. Por que uma rádio de rock clássico tocaria a porcaria que se produzia em 1973? Eles só vão tocar o que de melhor, de mais relevante, aquilo que até hoje é famoso, que tenha sido criado em 1973. E muita droga foi criada em 1973, pode ter certeza disso.

E não é disso que estou falando.

E não é disso que estou falando.

Agora, quero compartilhar uma preocupação minha que eu já expressei por outros meios. O Omelete, portal que criou o vídeo da discórdia, é também o organizador de um evento que eu e muitos de nós, que gostamos da produção cultural japonesa, estamos ansiosos: a Comic Con Experience (CCXP). Por diversas razões muita gente cansou de esperar muito dos grandes eventos de anime e mangá que ocorrem no país (por São Paulo eu posso falar, não há nada que me chame muita atenção por aqui). Então quando surgiu no ano passado um evento grande, organizado, trazendo diversas atrações internacionais relevantes da cultura pop atual, sendo o anime e mangá também cultura pop, claro que ficamos esperançosos. No primeiro ano não teve nada de mais, mas quem sabe no segundo? Só que daí eu assisti esse vídeo do Omelete, e francamente, o Capslock falou isso melhor e com muito mais insultos do que eu, o amadorismo assombra. Eu sei que fazer um videocast não é exatamente a mesma coisa que organizar um grande evento profissional, mas a má impressão já ficou. Quero dizer, se é isso o que o Omelete pensa dos animes, que esperança eu tenho que eles possam trazer para seu evento alguém relevante dessa indústria que é responsável por produzir meu hobby predileto?

Para encerrar, até porque já ficou bem mais longo do que eu esperava (e eu disse que seria sucinto!), a pergunta que eu fiz lá em cima (lembra?): que problema tem opinar e errar? Na maior parte das vezes, nenhum. Quando eu digo que o Kuririn vai morrer no próximo episódio, tanto faz se ele morre ou não. Se eu for opinar sobre o poder farmacêutico do veneno do escorpião e errar, porém, posso acabar causando estragos. Quando um grande portal sobre cultura pop, como o Omelete, por ação (como nesse vídeo) ou omissão (a maior parte do tempo) passa uma má impressão sobre a indústria de animes para seus milhares (será que chegam a milhões?) de visitantes, eles estão formando a opinião dessas pessoas. A maioria nunca viu animes, mas agora acredita que animes “estão morrendo”, que a indústria está em “crise criativa”, e qual a chance de alguém com esses preconceitos começar a consumir animes? A minha opinião sobre um episódio é irrelevante, seja porque meu público é pequeno, seja porque é uma opinião que não trata de coisas reais. A opinião do Omelete sobre a indústria de animes é, ao contrário, muito relevante. Não foi à toa que a JBC escolheu anunciar Akira através do Omelete ao invés de usar canal próprio. Com grandes audiências vêm grandes responsabilidades.

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