Death Parade – ep 1 – Capitu traiu Takashi?
[sc:review nota=4]
Quando eu assisti pela primeira vez terminei o episódio com certeza que a Machiko havia traído o Takashi. Mas aí para lembrar de detalhes e escrever esse artigo eu reassisti algumas cenas, e agora não tenho mais tanta certeza assim. Na verdade acho igualmente possíveis as duas interpretações, tornando-a efetivamente em um personagem como a famosa Capitu, de Dom Casmurro. Eu não acho que Capitu traiu Bentinho, mas ainda acho que Machiko traiu Takashi. De todo modo isso é o menos importante: todos os humanos são imperfeitos mesmo. E importa menos ainda porque em Death Parade a história de Machiko e Takashi se encerra aqui, com apenas um episódio. No próximo teremos outras pessoas completamente diferentes.
Quem assistiu Death Billiards já conhece o formato. Quem não assistiu, eu explico: duas pessoas que morrem ao mesmo tempo vão para um bar no além, o Queen Decim. É um nome engraçado porque Decim é o nome do bartender, mas o bar se chama “rainha”, e ah, bom, isso não importa. As pessoas que chegam lá não sabem que estão mortas (e em Death Billiards a audiência também não sabia, foi a grande reviravolta da história) e Decim diz a elas que devem jogar um jogo apostando suas vidas para poderem sair de lá. Lógico que ninguém em sã consciência concorda com isso facilmente, e eles partem para procurar saídas e não encontram, e quando voltam reclamam com o Decim e dizem que não irão, afinal, jogar. Aí o Decim mostra um quarto atrás dele cheio do que parecem ser corpos pendurados e diz que não recomenda essa escolha, e com isso eventualmente as almas penadas se convencem a jogar. O jogo em si é pouco importante, e eles não apostam a vida de verdade (não é como se tivessem uma para apostar), mas durante o jogo memórias de suas vidas retornam, e essas memórias vagas mais a incerteza sobre o que acontecerá com quem perder o jogo faz com que os jogadores fiquem sob extrema pressão psicológica, eventualmente revelando suas verdadeiras naturezas e lembrando que já morreram. Finalmente, Decim os julga e decide quem vai para o céu e quem vai para o inferno, mas não se ligue muito nisso porque as noções de céu e inferno no Japão são muito diferentes das nossas.
Primeira coisa que me vem a mente é como eles manterão esse formato. Talvez alguns jogos durem mais de um episódio, porque a menos que verdadeiros loucos morram sempre será necessário passar pelos passos da confusão, procura de forma de escapar, recusa a jogar, exibição do quarto de cadáveres pendurados, até que finalmente aceitem jogar e o episódio comece. Quero dizer, o elenco fixo do anime irá crescer, então talvez variem um pouco nesses passos, mas mesmo assim deve ser sempre um pouco demorado (e repetitivo) até que uma partida comece. Mas tirando esse receio a fórmula é muito interessante. Como os personagens já estão mortos, é lógico que não estão apostando a vida, o objetivo todo é fazê-los se revelarem. E quando eles se revelam, eles revelam algo sobre a relação que possuíam ou as circunstâncias em que viviam, e isso dá margem para uma boa crítica e personagens instantaneamente profundos (um pouco, pelo menos). O julgamento em si, a meu ver, é pouco importante também.
Nesse primeiro episódio, os mortos eram um casal de recém casados em viagem para a lua de mel: Takashi e Machiko. Eles pareciam felizes consigo mesmos e com a relação que possuíam. O jogo que eles foram feitos jogar foi dardos, e acertar o alvo iria ferir seu companheiro dependendo do local do alvo atingido. Naturalmente eles não acreditaram nisso, mas quando os dois fizeram suas primeiras jogadas e sentiram a dor tiveram que levar o jogo mais a sério. Takashi foi cobrar de Decim o que havia sido feito aos corpos deles, e voltou com a ideia óbvia de simplesmente errarem todos os arremessos, assim ninguém precisaria sentir dor. Nesse momento, Takashi pensa para si mesmo que vencer ou perder não importa, ele só quer ficar com Machiko – ele parece amá-la de verdade. Quando ele foi arremessar o penúltimo dardo, porém, ele se assustou com uma visão dos corpos pendurados, se vendo entre eles, e atingiu o alvo bem na garganta de Machiko. Esse doeu mais que os anteriores, e quando ela foi arremessar o seu próprio dardo se atrapalhou por causa da dor e atingiu o alvo no olho de Takashi.
É a partir daqui que a história engrena. E eu acho simbólicos os locais atingidos: Machiko, que mentia para seu marido, foi atingida na garganta, e Takashi, que não via o que sua esposa fazia pelas suas costas, foi atingido no olho. Isso, claro, partindo do pressuposto que Machiko traiu Takashi. Se achar o contrário, faça a sua interpretação e compartilhe comigo! Enfim, Takashi fica nervoso com Machiko, e ela, acreditando que ele irá querer se vingar em seu último arremesso, apenas pede que ele não a atinja na barriga. Ela está grávida! Não havia contado ainda para ele, mas já estava na décima semana de gestação, ou seja, ela já se casou grávida (bem grávida), o que fica explícito em memórias reveladas posteriormente. Eu acho que ela demorou demais para contar, e ela não pareceu muito confortável contando para o marido, e isso aumenta minhas suspeitas contra Machiko. Takashi se acalma e fica feliz por um momento, e faz seu último arremesso com tranquilidade no rosto, mas no instante seguinte ao que o dardo sai de sua mão (e portanto o arremesso em si não foi afetado por isso) Takashi se lembra de ter ouvido as amigas de Machiko conversarem no banheiro na festa de seu próprio casamento sobre como “Matchy” teria se casado com um médico (como Takashi) mas teria um caso com outro homem. Takashi se lembrou que desde esse momento nunca mais confiou na esposa.
O dardo arremessado ainda com inocência atingiu o alvo justamente na barriga de Machiko. Você percebe, é por coisas assim que acredito que esses jogos são marmelada, controlados pelo Decim ou sei lá quem o ajude com isso, apenas para pressionar os jogadores mesmo. O dardo foi na barriga e Takashi se lembrou que estava sendo traído. Enquanto Machiko geme de dor ajoelhada no chão, Takashi rouba seu último dardo planejando vencer o jogo. Enquanto ele faz isso ele repete o que ouviu das amigas de Machiko, sobre como elas falavam sobre uma tal “Matchy”, e aí Machiko responde que essa Matchy é outra, uma amiga dela do colégio que por acaso também havia se casado com um médico. Não é conclusivo, mas também não senti convicção nesse momento, acho que ela estava mentindo de novo, inventou na hora. Isso convence Takashi que tenta se desculpar, mas Machiko já estava irritada e na confusão que se segue ela atinge Takashi bem no coração. Bem no coração. Então Machiko tem visões e percebe que eles dois já estão mortos.
Takashi com dor no coração (literalmente) fica devastado ao ouvir Decim confirmar para Machiko que eles já morreram. Aí, ele, que antes de ser atingido no peito parecia ter se convencido que teria sido só um mal entendido mesmo a desconfiança que teve de Machiko, voltou a duvidar dela. Ele só queria uma família feliz, ele não queria matar o próprio filho. Mas ele não havia matado o próprio filho, raciocinava Takashi, porque o que estava na barriga de Machiko não era seu filho! Machiko tem uma discussão com ele sobre isso, e em dado momento ela muda totalmente de expressão. Desolada, caminha para longe e confirma que sim, estava traindo Takashi, amava outro homem, o filho era desse outro homem e só havia se casado com Takashi pelo dinheiro. Enquanto ela diz isso aparece uma memória dela na cama com o que, para mim, é outro homem. Pelo menos é com certeza outro quarto que não o que ela compartilhava com Takashi quando eles já eram casados, o resto deixo cada um decidir. Acho que é outro homem porque não apenas é outro quarto como o homem não tem pelos no queixo, como Takashi, e está fumando, o que Takashi nunca aparece fazendo e é pouco provável que o faça por ser um médico (não é impossível nem tão improvável assim, eu sei, mas é a minha teoria). Compare as imagens no final do artigo.
Eu acho que ela confessou a verdade. Você pode preferir achar que ela apenas se desiludiu com Takashi e quis machucá-lo no final com mentiras dolorosas. Ou ela mentiu antes ou ela mentiu depois, ela é uma mentirosa em qualquer situação. Bem como Takashi, com razão ou não, era ciumento e doentiamente desconfiado – aliás, foi isso que causou a morte de ambos. Os dois eram pessoas imperfeitas, por isso acho difícil avaliar o julgamento. Prefiro saborear os personagens interessantes que foram exibidos e procurar entender o que esse jogo mostrou. Primeiro, o jogo de um casal é um jogo de dardos, onde um está sempre machucando o outro, a menos que decidam não machucar, e para isso é preciso desapego: quem quiser “ganhar” vai ter que machucar o parceiro. Casais eventualmente se machucam mesmo sem querer, como no começo do jogo. É natural. Casais felizes e com o relacionamento saudável conseguem combinar formas de não se machucarem, como eles fizeram. Mas quando surge a desconfiança, eles irão se machucar até que o relacionamento acabe. Acabou para Takashi e Machiko, que morreram por causa disso.
Compare as imagens e decida se Machiko traiu Takashi ou não:
Bruno Fernandes
Vou assistir, parece ser um dos melhores da temporada de inverno. E parabéns pelo texto, fez uma bela análise.
Felipe Xavier Lopes
O quarto parece ser o mesmo. Pelo menos, a parede parece a mesma. Então, eu diria que ela queria dar à ele a resposta que ele tanto queria, mesmo sendo falsa, pois já não reconhecia mais aquele cara gentil que ela conheceu no começo (vide flashback anterior à resposta dela). Mas, por que ela foi para o vazio e seu marido para a reencarnação? Acho que foi o julgamento dela por que ela estava enganando seu marido.
Fábio "Mexicano" Godoy
Os quartos são muito parecidos, mas definitivamente diferentes. Mesmo assim, acredito que é o Takachi em ambos, e o incômodo dela no segundo caso é com a desconfiança dele que o levou a fuçar no celular dela. Na sequência do anime fica claro que os julgamentos não são justos, então não dá para afirmar qualquer coisa a partir do resultado desse julgamento. Muitos meses depois, continuo acreditando que esse episódio permite múltiplas interpretações, mesmo que exista, e provavelmente existe, uma intenção original do autor, e isso é proposital.
Está assistindo o anime agora? Ou já assistiu faz tempo e só agora encontrou minha crítica? De um jeito ou de outro, obrigado por ler e por comentar, volte mais vezes =)
Draklagen
Ela não traiu ele. Eu concordo que a interpretação fique em aberto, mas, eu creio que foi uma farsa dela, ela no final faz parecer que o marido dela tinha razão pois ela era tão boa que não queria que ele ficasse daquele jeito, ela o amava tanto que não queria que ele fosse pro inferno. Ela ganhou o jogo, ela não tinha feito nada de errado, vc nota a hora do plot twist quando ela abruptamente se encaminha pra porta e os olhos do juiz por um momento oscilam, de surpresa, que surpresa seria essa? Ele já sabe quem era o “Bom” e quem era o “Ruim”, eles oscilam pois ele vislumbra o acontecimento, ele vislumbra um ato tão pueril, tão estranho, por que? ele deve ter pensado. Ela não fez nada de errado, e mais que isso, ela no lugar dele foi ao inferno, pois o amava muito e passou por cima da própria loucura de seu marido, ele já estava em um inferno, e ela quis o salvar.
Fábio "Mexicano" Godoy
Essa é a minha interpretação pessoal também, mas já li muitas boas interpretações defendendo o contrário também =)
Só não concordo com você quando diz que o Decim já sabe quem é bom e quem é mau: ora, tanto não sabe que precisa julgá-los. Se ele já tivesse decidido, não iria mudar de ideia no último instante. Não se esqueça que os juízes possuem apenas uma fração das memórias dos mortos. Acho que, se muito, ele ficou confuso também, tanto quanto foi a intenção que o espectador ficasse confuso. Foi um primeiro episódio sensacional.
Obrigado pela visita e pelo comentário, volte sempre =)
Antonio
Comentário um pouco depois da discussão (hehe), mas vai. Embora acredite que Capitu não traiu Bentinho, acredito que Machiko traiu Takashi. Vai minha argumentação… De fato, os quartos são diferentes. Mas não apenas os quartos, para mim está na beirinha do evidente que o homem do “outro quarto” não é Takashi por causa da barba no queixo, o ato de fumar e o penteado (em nenhum momento se vê o Takashi com um penteado parecido). Sei que essas coisas já foram ditas (dentre outras), mas tenho três pontos a considerar sobre as imagens:
1º-Eles estão deitados de lados diferentes. Não seria A prova, mas é uma prática comum entre casais cada um ter o seu lado para dormir.
2º-Na imagem do outro quarto, Machiko segura o travesseiro com muita força, podendo representar arrependimento. A outra possibilidade que formulei inicialmente era a de que Machiko estava apertando o travesseiro segurando choro porque Takashi estava bisbilhotando seu celular. Mas pude desconsiderar essa última alternativa porque claramente o celular que Machiko utiliza é diferente do celular que o homem fumando está usando.
3º-A cena do outro quarto é a única que Machiko está de cabelo solto, diferentemente das outras cenas na cama. Um dos sinais de traição é quando a pessoa que trai passa a se arrumar mais (claro que, isoladamente, isso não deve ser relevado. Mas temos tantos pontos que reforçam a traição, que acredito que esse pequeno detalhe ganhe valor).
É muito interessante, como a cena do outro quarto dificulta a identificação do homem. Além dos quartos serem muito parecidos, a postura do homem ao celular não deixa evidente se ele está usando uma aliança.
Por conta dos delírios do Takashi, posso dizer que me esforcei para acreditar na Machiko. Ainda assim, não foi possível refutar a imagem do outro quarto. Foi o xeque-mate.
Texto excelente! Lerei mais!
Fábio "Mexicano" Godoy
Olá Antonio, e desculpe pela resposta atrasada!
Acredito que seus argumentos são bastante convincentes, mas ainda sustento a hipótese de que não houve traição. No mínimo, o anime se esforçou para fazer essas cenas bastante parecidas, não é?
E todo o ponto, me pareceu, foi esse: confundir.
No final das contas, Machiko explodiu com Takashi, e ainda que ela tenha traído, ela não tinha motivo nenhum para ter explodido, para querer fazer que ele a odiasse. Se ela o detestasse seria outra coisa, mas não era o caso. Ele quis que ele a odiasse no fim. Ela quis que a culpa, no final, fosse toda dela. Ela quis ser condenada, o que implica que ela quis que ele fosse salvo.
Foi porque o amava, ou foi por sentimento de culpa por tê-lo traído?
Acho que faz pouca diferença. Death Parade quer fazer o expectador, como Decim, julgar Machiko por suas reações durante o jogo, não por suas ações enquanto viva. É uma armadilha, e acho que a continuidade da série deixa isso cada vez mais claro.
Obrigado pela visita e pelo comentário 🙂