Death Parade – ep 2 – Confirmado e desmentido
[sc:review nota=4]
Nesse episódio foi exibido um outro ângulo do primeiro episódio. Foi uma forma de apresentar novos personagens, começar a explicar como funciona esse lugar sobrenatural onde a história se passa, e revelar algumas coisas sobre o primeiro episódio ao mesmo tempo em que mais dúvidas foram lançadas. Foi revelado, ainda, que a moral de Death Parade é de origem budista. O que me ajuda muito pouco, já que não conheço o budismo e as ambiguidades do primeiro episódio não foram realmente resolvidas para eu poder deduzir algo a partir disso. Mais importante, revelou que o próprio julgamento é falível. Faz sentido.
Decim nem ninguém ali está sempre certo. Se estivessem, a própria necessidade de um julgamento se tornaria questionável, acredito. Ainda assim não esperava que isso fosse ficar tão claro e logo no começo da série. Sinal de que os bastidores dos jogos devem ter um papel importante na história. Decim e outros juízes têm acesso a todas as memórias dos mortos, mas apenas as memórias não permitem a eles fazer um julgamento. Memórias são construídas, resultam de interações e necessidades específicas de uma pessoa durante sua vida. E mais importante, elas não revelam o caráter de quem as possui, mas apenas como a pessoa agiu diante de determinadas circunstâncias. Daí certamente é possível inferir muitas coisas sobre alguém, mas não é possível afirmar com certeza nada sobre ninguém. E isso é uma lição para nós espectadores. Sempre julgamos as pessoas de acordo com suas ações, que são as únicas coisas que podemos ver delas. Isso é normal, isso é humano, isso é necessário. Mas não devemos ser prepotentes e achar que o que achamos saber sobre alguém apenas o observando é a verdade absoluta. Nunca poderemos acessar o íntimo de uma pessoa. E digo mais! Acredito que nunca poderemos acessar plenamente nem nosso próprio íntimo.
Os juízes têm acesso às memórias das pessoas e ainda assim não possuem acesso ao íntimo delas. Daí que eles forcem elas à situações extremas para que elas revelem o máximo possível de suas verdadeiras naturezas. Só aí é possível fazer algum julgamento. E nada melhor que o medo da morte para deixar qualquer pessoa tensa a ponto de se revelar para o juíz. Sim, elas já estão mortas, mas não sabem disso. Eu especulava se isso era manipulação, mas não é: aparentemente o trauma da morte é que provoca essa amnésia. Ainda assim, os juízes têm acesso até mesmo a essas memórias esquecidas e as usam como ferramentas no julgamento, fazendo os mortos lembrarem delas aos poucos. E mesmo com todo esse cuidado o julgamento é falível. Não só porque o que é revelado é apenas uma sombra da natureza verdadeira da pessoa, que permanece até o fim oculta, como também porque mesmo essa sombra é vista apenas através da interpretação de um juíz, que é construída aos poucos através da experiência e sempre será imperfeita.
Esses dados criam várias possibilidades. O mais óbvio é que juízes diferentes podem ter julgamentos diferentes, e isso foi explorado nesse episódio. Decim julgou que Takashi deveria renascer e Machiko deveria ir para o vazio porque entendeu que ela o havia traído, não o amava e a criança em seu ventre não era dele. A Mulher de Cabelo Preto (esse é o “nome” dela, pelo menos por enquanto), que despertou nesse episódio para ser assistente nos julgamentos, entende que Machiko, já sabendo que eles estavam mortos e como um último ato de amor, mentiu para Takashi para livrá-lo da culpa de ter matado o próprio filho. Mesmo sem ter acesso às memórias, coisa aparentemente exclusiva dos juízes, ela acerta ao especular que Machiko havia tido um caso de uma noite apenas. E acredita que se o marido não tivesse escutado as amigas da esposa fofocando no banheiro ele não teria desconfiado dela e eles viveriam como um casal feliz. Decim se impressiona com o que ouve e se convence que errou mesmo em seu julgamento. Nona depois conclui sozinha que embora a Mulher de Cabelo Preto esteja certa sobre Machiko, ela está errada sobre Takashi: a desconfiança seria característica sua, e cedo ou tarde, não fosse por esse motivo, ele encontraria outro para duvidar de Machiko. O casamento deles estaria condenado de qualquer forma, eles nunca seriam felizes. Mais do que revelar qualquer coisa sobre Machiko e Takachi, essas diferentes interpretações revelam algo sobre os juízes e a Mulher de Cabelo Preto, assim como o episódio anterior servia para o espectador revelar-se a si mesmo através de sua interpretação do casal. Creio que essa questão do auto-conhecimento seja importante no budismo, mas não vou arriscar falar nada sobre isso.
Outra possibilidade que pensei é alguém por acaso morrer e não perder suas memórias. Se elas não são removidas propositalmente, dependendo de algo natural, talvez seja possível que isso em alguns raros casos não ocorra? Sabendo que já morreu, alguém nessas circunstâncias poderia mudar bastante a dinâmica do jogo. Mas não sei se isso irá ser usado. Voltando a Machiko e Takashi, todas essas interpretações diferentes significam que talvez eles devessem ter trocado de destino? Não sei. Porque ainda não sei qual deles é realmente ruim. Renascer não é exatamente algo bom no budismo. Não é algo ruim também, apenas significa que o ser ainda não evoluiu o suficiente para escapar do ciclo do carma. E quando ele chega a esse ponto, ele é basicamente vazio. Não é que ele vá para um lugar chamado vazio, e sim que ele próprio se torna vazio. É um pouco diferente portanto do que aparece no anime, mas o budismo tem várias vertentes e não sei qual delas é a predominante ou a inspiradora desses conceitos.
Não posso deixar de externar aqui uma dúvida minha: sempre um irá renascer e o outro irá para o vazio? Como são decididas as almas que vão para lá então? Não que isso importe, partindo do princípio que o julgamento não é infalível é apenas impossível que mesmo antes dele seja possível saber o suficiente para dizer que um dos dois com certeza mereça renascer e o outro com certeza mereça ir para o vazio. Imagine situações hipotéticas limítrofes: e se o Papa João Paulo II e a Madre Teresa de Calcutá tivessem morrido ao mesmo tempo, um deles teria que ir para o inferno? E o oposto, se Hitler tivesse morrido ao mesmo tempo que Mussolini, um dos dois teria que ir para o céu? Estou usando as expressões céu e inferno aqui para provocar mesmo, porque mesmo não sendo exatamente os mesmos conceitos, fica implícito que um é bom e o outro é ruim. Eu posso dizer que Mussolini era melhor que Hitler, e que o Papa João Paulo II era pior que a Madre Teresa de Calcutá, mas seria justo enviar o Papa para o inferno e Mussolini para o céu apenas porque por acaso um deu sorte de morrer ao mesmo tempo que Hitler e o outro deu azar de morrer ao mesmo tempo que a Madre Teresa? Bem, eu sei que estou pensando demais e situações assim não devem surgir no anime. Me perdoe pela ranhetice.
DRN
A criança é provavelmente de Takashi. Nos flashbacks de Machiko ela está grávida antes do casamento. Na cena de traição, ela é mostrada com a aliança que Takashi colocou em seu dedo.
Fábio "Mexicano" Godoy
Tudo certinho, DRN?
Então, a “cena de traição” não é clara para mim que seja traição – os homens são muito parecidos! Mas pode ser, por outro lado, que seja mesmo filho de outro, porém de um relacionamento anterior (ok, seria uma traição durante o noivado nesse caso, provavelmente, a não ser que tenha sido um relacionamento e casamento relâmpago).
Mas tudo isso cai no problema de que eles (e nós!) só têm acesso a fragmentos de memória. O que fica claro ao longo dos episódios é que esses julgamentos são, na prática, uma farsa, porque o juiz, Decim, sabe mais sobre as pessoas do que elas próprias, e usa esse conhecimento para manipulá-las, para provocar que reajam. Basicamente, o primeiro a perder a cabeça “perde”.
Tendo em vista que os julgamentos são em si injustos, acho que não faz sentido que busquemos, como expectadores, julgar essas pessoas. Esse é ponto de Death Parade.
Obrigado pela visita e pelo comentário! 🙂