Arslan Senki – ep 1 – Edward Elric escravista atacado por um português
[sc:review nota=4]
Alguns autores realmente gostam de desenhar os mesmos personagens de novo e de novo, hein? O príncipe Arslan é idêntico ao Edward Elric (de Fullmetal Alchemist, se você não o conhece ainda considere fortemente ir ler o mangá ou assistir o anime). A única diferença é o cabelo branco. O rosto talvez seja um pouco mais fino, mas isso é uma diferença tão sutil que dá para ignorar como mudança natural de traço ao longo dos anos. Enfim, se fisicamente Arslan e Edward são praticamente iguais, em todo o resto seria difícil serem mais diferentes. Sem saber onde está seu pai, tendo perdido sua mãe ainda criança e tendo um irmão mais novo, Edward precisou aprender a lidar com o mundo duro e cruel desde muito cedo. Enquanto Arlan é o príncipe mimado (não por seus pais) de um poderoso reino.
Como não contrastar o príncipe que acha que desde que não se morra de fome, viver como escravo não é má ideia, com o alquimista que promete socar Roy Mustang caso ele se torne um ditador? Arslan merece um bom soco na cara. E parece que a vida está preparando para ele um soco épico, mas isso é coisa para o próximo episódio. A característica redentora do príncipe Arslan é sua índole bondosa. Mimado como é, sem saber nada sobre o mundo, e vivendo em um reino perverso como o seu, não seria estranho se ele quisesse escravos para dissecar vivos ou para organizar rinhas, fosse um príncipe mais cruel e entediado. Arslan, contudo, demonstra curiosidade genuína e não quer ferir escravo nenhum, quer apenas conversar com eles para saber mais sobre um mundo que ainda não conhece.
Um pouco de contexto é necessário agora. Arslan é príncipe do reino de Pars, um reino militar e comercialmente poderoso que está prestando auxílio militar a um aliado vizinho que está sendo invadido pela Lusitania (são portugueses?). Seu próprio pai, o rei Andrágoras III vai para o campo de batalha e esmaga o invasor lusitaniano (acho que usaram essa escrita porque lusitano seria português demais e poderia ofender os portugueses de verdade… você é português? Como se sentiria se os lusitanianos fossem chamados de lusitanos?). Pars é um reino poderoso e orgulhoso de seu poder. Escravos lusitanianos são trazidos de volta à capital e o príncipe Arslan fica curioso para conversar com eles, pelo motivo que já expliquei acima.
Escravos em Pars são presos em jaulas, açoitados, maltratados pela população em geral e até mortos se forem “rebeldes demais”. Três crianças parsianas imbecis decidem maltratar uma criança escrava lusitaniana, só porque sim, só porque Pars é um reino errado pra caramba e criou crianças assim. Um comentário rápido: se Lusitania tiver sido imaginada como uma versão de fantasia de Portugal do mundo real, o que uma escolha de nomes dessa faz crer, parece ter sido ironia proposital também a inversão de posição histórica: se Portugal era uma potência escravista, Lusitania é uma nação livre anti-escravismo e seus soldados são capturados e feitos escravos. Retomando, a criança soldado lusitaniana feita de escravo escapa da jaula graças aos imbecis que o atacaram e por uma coincidência conveniente acaba fazendo o príncipe de refém, e aí começa uma caçada pela cidade. O príncipe em momento algum parece sentir-se ameaçado, chegando até mesmo a salvar seu captor quando ele estava para cair. Arslan é a inocência personificada.
Num momento particularmente mais calmo, príncipe e escravo conversam brevemente e colocam suas diferenças em jogo. É aí que o lusitaniano explica que seu povo é anti-escravismo porque seu deus e único deus, Yaldabaoth, trata todos os seres humanos igualmente. Yaldabaoth? Calma que isso não é nem o nome de um deus antigo lovecraftiano nem uma batida aleatória no teclado: Yaldabaoth é um de sete deuses gnósticos responsáveis pela criação do mundo, e em sua arrogância acredita ser o único deus. Por essa postura gnósticos identificam-o com, adivinhe? Jeová, o deus único judeu, cristão e muçulmano (ainda que não usem esse nome, trata-se do mesmo deus). Ainda acha que as escolhas de nomes em Arslan Senki são coincidências? Adiante. Apontando para escravos sendo açoitados, o garoto escravo corretamente critica o reino de Pars por suas desigualdades, o que Arslan é incapaz de compreender. O príncipe acredita que mesmo escravos terão uma vida maravilhosa no reino de abundância que é Pars, afinal, não morrerão de fome! Para o escravo, aqueles que não acreditam em Yaldabaoth merecem morrer, por isso Lusitania está invadindo outros reinos. O anime faz o garoto dizer isso de forma tão tola e tão obviamente contraditória que não acho verossímil que alguém diga isso, mesmo um fanático religioso.
Tendo Arslan capturado e com sua ajuda no final (ele seria morto à flechada não fosse pelo príncipe) o escravo consegue fugir da capital fortificada do reino de Pars. Me pergunto se isso não será crucial para a queda do reino mais tarde, já que ele é um inimigo que conheceu a estrutura interna da maior fortaleza parsiana. No momento em que o exército lusitaniano bater às portas da capital, creio que ele saberá exatamente por onde atacar e que direções seguir uma vez dentro da cidade.
Agora sou obrigado a fazer algumas perguntas: Pars irá cair, isso é um dado do roteiro que já sabemos de antemão, mas por que a restauração do reino pelo príncipe da antiga família real seria algo bom? Ele acredita que escravismo é bom! Claro que não quero ver o povo parsiano ser chacinado por fanáticos religiosos em sua guerra santa, mas estou absolutamente convencido que uma mudança radical no governo da nação é necessária. Arslan terá que mudar muito se quiser me convencer que ele merece ser o rei de uma nova Pars. Ele não precisará ser apenas anti-escravista, porque isso muitas pessoas comuns podem ser sem que sejam símbolos de um regime que se sustentava no trabalho escravo, como o príncipe é. Arslan precisa ir muito além disso, senão mesmo um suposto anti-escravismo que ele venha a desenvolver será sobrepujado pelo reacionarismo natural que envolve seguir o antigo príncipe. Ainda, a primeira coisa que ele precisa é se tornar anti-escravismo. Durante esse episódio inteiro houve um só momento em que ele olhou com tristeza para a relação entre senhor e escravo, e foi quando vendedores mataram escravos como quem abate animais inúteis. Mas Arslan não criticou os vendedores, não, criticou os próprios escravos: se eles tivessem aceitado se submeter, afinal, não teriam precisado morrer.
Arslan Senki é uma história instigante em um mundo que lembra o oriente medieval. O protagonista tem muito a crescer, e quero acompanhar isso. Ainda assim, fico um pouco com um pé atrás ainda antes de ver como os temas complicados e delicados que o anime propõe serão desenvolvidos.
Bruna
Boa tarde, bela sinopse e comentários muito pertinentes. Eu também me peguei falando: Ed?, logo quando tive contato com o anime e o manga, o anime vi primeiro e como só ha 4 episódios disponíveis parti logo para o manga que está no capitulo 22.
Pelo que vi posso dizer algumas coisas: as coisas vão piorar e muito. O autor faz com que seja extremamente difícil simpatizar totalmente com qualquer lado, por exemplo: Os lusitanianos são anti-escravistas correto? Sim, mas apenas daqueles que se convertem a sua religião por opção, aqueles que fazer baixo a circunstâncias difíceis, digamos assim: GUERRA e MORTE iminentes têm suas vidas polpadas para servir como ESCRAVOS! tadã o/
Isso mesmo, eles escravizam também e ainda pior não suprem as necessidades básicas como a alimentação e abrigo, não gostou? Morte, simples assim. Não que Pars sejam lá estas coisas, nem direi sobre a questão escravista porque isso é bem obvio e há outros pontos contra bem pertinentes, como a família real de Pars, a qual é seriamente estranha, principalmente a rainha… para não dizer o fato que o príncipe não se parece com ninguém ali, nem física como emocionalmente. (há muitos possíveis desdobramentos qto a isso ^^)
Há muita coisa errada e isso ocorre de modo igual em ambos os lados, nisso o autor foi expert, sinceramente me parece uma guerra entre o sujo e o mal lavado. Em sua só há escolhas ruins, apesar de haver bem também em cada lado, dai vem a sacada genial no autor: O Principe Arslan
Arslan realmente é a personificação da inocência, apesar de que isto não vai durar por muito tempo, mas é fato que ele não é tão tolo quanto aparenta. E é possível observar isto em vários momentos tanto no anime quanto o manga, ele compreende rapidamente diversas situações, pessoas e acima de tudo sua própria fraqueza, ele sabe o que pode e não pode fazer, avalia as coisas por diversos ângulos, bem como considera a opinião de cada um, apesar de não abrir mão da sua, além de pesar as coisas culturalemente. Ao meu ver é um personagem complexo que tende a crescer e formar um caráter marcante que pode reunir o que há de bom em ambas culturas.
Ao meu ver um anime e mangá que vale uma debruçada e a espera do proximo ep/cap.
Fábio Mexicano Godoy
Antes de mais nada, muito obrigado pelo seu comentário, e obrigado pelos elogios! Espero poder contar com sua audiência e participação no anime21 mais vezes =)
De fato, como eu já notei, não sei se deixei claro em meus artigos mas creio que ainda não, essa história não é a de uma guerra entre dois reinos, não é a história de heróis lendários ou guerreiros poderosos ou estrategistas astutos – e por isso rechaço as comparações que já vi fazerem entre Arslan Senki e Kingdom. Pela minha impressão logo no primeiro episódio, corroborada pelos dois episódios seguintes, essa é a história do crescimento pessoal de uma pessoa: o príncipe Arslan. E através dele o leitor ou espectador é convidado a refletir sobre temas como a guerra e a escravidão. Bom, refletir pode ser um pouco de exagero já que o anime é extremamente caricato e mão pesada na forma como ele expõe a sua moral, mas para quem está esperando assistir só mais um anime de guerra estilo medieval oriental pode ser uma surpresa encontrar esse tipo de discurso em Arslan Senki. Como eu já disse por aí (acho que não em artigos ainda), Arslan Senki está muito mais para Akatsuki no Yona do que para Kingdom.