Eu confesso que vendo tanta coisa que eu dava por certa mudando diante de meus olhos esse detalhe veloz foi algo que eu não dei a devida atenção: por quê Yakumo segurou a Konatsu no balcão, e não o Sukeroku? Por toda a história conjunta dos dois (e porque Sukeroku segurava Miyokichi, com quem Yakumo também tinha uma longa história) a escolha óbvia, automática, visceral até, seria ele ter segurado seu irmão. Deixar uma criança cair para a morte é terrível, mas o Yakumo nunca foi famoso pelo seu grande coração de todo modo, então por quê? Não que eu tivesse dado a devida atenção a isso inicialmente, como já disse.

Em seus comentários no meu artigo de análise sobre o episódio, tanto a Chell quanto o Kondou mostraram que para eles aquilo foi uma escolha deliberada e que devia carregar algum significado. Pois então comecei a pensar e … é mesmo, não é?

Esse artigo não é para responder sobre as motivações do Yakumo. Sem saber o que aconteceu naquele quarto em primeiro lugar, sem saber o que se passava na cabeça de cada um dos três, é impossível inferir qualquer coisa sem alto risco de estar errado. Ao invés disso, quero dedicar esse artigo a dizer porque eu acho que essa cena é importante e porque eu acho que houve sim uma escolha deliberada por parte do Yakumo, o que traz implicações para a história.

De início, suponha-se que tenha sido apenas aleatório. Yakumo correu em direção ao balcão enquanto a tragédia se desdobrava e simplesmente salvou quem conseguiu salvar. É verossímil. No mundo real eu totalmente consigo imaginar isso acontecendo. Acontece que Rakugo Shinjuu não é o mundo real, é ficção. E é uma obra de ficção onde cada acontecimento tem se mostrado particularmente simbólico, carregado de significado e pistas para a verdade escondida por trás da história contada. Fumar um cigarro não é à toa em Rakugo Shinjuu – ou um incenso se apagar.

“Mas a Konatsu estava lá, não é questão de ter ou não ter significado, é questão de lógica, se o balcão desabou ela deveria cair junto, certo?”

Certo, se ela estava, deveria cair. Mas ela precisava estar sobre o balcão em primeiro lugar? Lembre-se: isso é ficção. A Konatsu estava sobre o balcão porque a autora da história assim quis. Ela poderia ter empurrado a mãe ainda de dentro do quarto e jamais se impulsionar para fora dele e pois, sobre o balcão.

“Ah, mas daí o Yakumo precisaria salvar o Sukeroku, afinal só ele estaria caindo, e isso modificaria completamente a história!”

Você acha? É verdade que, podendo, o Yakumo tentaria salvar o Sukeroku – a não ser que tivesse razões para não querer fazer isso (o que entraria em dissonância com o fato dele ter pedido para o Matsuda chamar o médico momentos antes), mas nesse caso ficaria óbvio que podendo salvar ele escolheu não salvar. Isso, claro, se ele pudesse salvar. Antes do Sukeroku se lançar em direção à janela, o Yakumo já se preparava para fazer o mesmo quando viu a Miyokichi caindo. Mas o Sukeroku o puxou para trás e passou a frente. Lembre-se que o autor, ou no caso a autora, manda na história, certo? Bastava um puxão um pouco mais forte do Sukeroku, algo perfeitamente verossímil, para Yakumo cair e ficar incapacitado de saltar em socorro de qualquer um que fosse por alguns instantes vitais.

Mas não foi nada disso o que aconteceu. A Konatsu empurrou a mãe balcão abaixo e caiu sobre o balcão ela própria. Yakumo tentou saltar para salvar a Miyokichi mas o Sukeroku o puxou para trás com força suficiente apenas para passar a sua frente, não para impedir o seu avanço. O balcão desabou com o peso do Sukeroku, da Miyokichi que ele segurava, e da pequena Konatsu. Yakumo alcançou-os nesse momento.

E então, dada a escolha de segurar um dos dois, Yakumo escolheu segurar a Konatsu e deixar o Sukeroku cair, levando Miyokichi consigo.

O exato instante em que Yakumo salva uma e deixa dois caírem para a morte

  1. O Yakumo a meu ver, nunca foi um homem a quem eu chamasse de mau, insensível e egoísta. O Kikuhiko, quando ainda era Zenza, ele namorou uma garota, durante uns tempos, ele não gostava dela, mas aceitou o namoro só para não lhe magoar os sentimentos. Quando a guerra começou, tal garota teve que voltar, para o interior, para cuidar de um familiar. Aqui notou-se mais o lado mais sensível e humano do Kiku, ele ficou com pena da garota, já que esta se despediu dele em lágrimas, ele sabia que a garota em questão, amava-o. O Kikuhiko, mudou muito de personalidade, foi quando a Miyo, entrou na vida dele é que começou a espiral das tragédias. A Miyo, amava o Kiku, o Kiku também gostava da Miyo e o Sukerou amava a Miyo, mas não era um amor correspondido. E depois daquela tragédia na pousada, com a morte do seu irmão Sukerou e a sua amada, é que o Kiku mudou completamente, ficou frio, distante, amargurado com a vida etc.
    Agora passando à cena, escolhida neste artigo, a escolha do Yakumo de ter salvo a Konatsu e não o seu irmão Sukerou. Em termos morais, a escolha do Yakumo foi a melhor. Ele nem teve tempo para processar a informação daquele acontecimento, ele quase por reflexo involuntário salvou a criança sem pensar duas vezes. Mesmo esta situação ser injusta para ele, já que ele amava o seu irmão e a Miyo, tal escolha deve ter sido difícil para ele e o quebrou emocionalmente. Tal acontecimento e tal escolha foram a ignição do desenvolvimento dos personagens e do anime. Agora, desconstruindo um pouco que eu escrevi anteriormente. E se por suposição o Kiku, por ventura tivesse escolhido salvar as duas pessoas mais importantes da sua vida, em vez da pobre Konatsu. O Kiku não tinha nenhuma ligação emocional com a pequena Konatsu, já a Miyo e o Sukerou já era bem diferente. Mesmo que o Kiku optasse por salvar o Sukerou, em vez da Konatsu e da Myo, ele acabaria por enfrentar um dilema moral ainda maior. Não seria só ele a sofrer com tal escolha, se o Sukerou depois de salvo, consegui-se sobreviver ao ferimento de arma branca, ele também se martirizaria e culparia com todo o rancor e ódio, o Kiku pela sua escolha. É este tipo de coisa, que torna Shouwa, um anime e história tão interessante. Mas o destaque (mesmo que negativo), desta cena, foi a descoberta macabra da verdade, detrás daquela noite fatídica, que tanto influenciou a vida do Yakumo como da Konatsu. A verdadeira culpada pela morte do Sukerou e da Miyo, foi a sua própria filha. Quando o Matsuda-san, contou a verdadeira história daquela tragédia, eu nem quis acreditar, que a Konatsu tinha sido responsável pela morte dos seus pais, mesmo que de forma involuntária, nada nas acções dela foram premeditadas. Se bem, que mesmo num momento de fúria, a Konatsu não teria força suficiente para empurrar uma mulher adulta, foi a própria Miyo, no seu estado emocional quebrado que recuou até ao balcão. Tal balcão, que mesmo a cheguei a comentar contigo, pensava que aguentava um adulto em cima, mas revi o episódio, aquilo era um balcão que só devia servir para pôr lá decorações, os suportes daquilo não suportaria o peso de uma adulto, quanto mais dois. Concordo, com a tua afirmação, em relação uso do balcão, se a Konatsu empurrou a sua mãe dele e o seu pai (que ainda não acho que era pai de sangue da Konatsu) Sukerou caiu, quando tentava salvar a Miyo e se a Konatsu estava agarrada pai, como ela não caiu junto. Eu até tenho uma resposta meio que conveniente para esta questão, a Konatsu tinha mais de metade do corpo apoiado no chão do balcão, mesmo agarrada ao seu pai, ainda havia uma possiblidade de o Kikuhiko salvá-la, mas os pais dela era impossivél. Eu concordo contigo, quando afirmaste que pode ter sido um toque da autora colocar a Konatsu lá. Mesmo ela não estando lá, para mim não ia fazer diferença na história, já que o Yakumo assumiria a culpa para si na mesma e a Konatsu passaria toda a vida a odiar e culpar o Yakumo.
    Continuo convicto que a escolha que o Yakumo. fez naquela noite foi a escolha moralmente e humanamente correcta, a vida de uma criança não tem preço. A outra atitude louvar do Yakumo, foi aquela onde ele assumiu toda a culpa para si, para poupar o estigma da morte dos pais na Konatsu. Ele literalmente teve que fazer tripas coração, com esta escolha, ele passou mais de 30 anos a ser odiado pela Konatsu e ainda assim tratou e cuidou dela, como filha dele se tratasse. O Yakumo é um personagem que deve ser respeitado e admirado por suas atitudes e decisões louváveis.
    Como sempre mais um excelente artigo Fábio.

    • Fábio "Mexicano" Godoy

      Olá =)

      Sua teoria então é que o Yakumo desde o começo escolheu salvar a Konatsu por princípio moral – ela era uma criança!, é isso? É uma possibilidade.

      No calor do momento, tendo ele pulado instantes após o Sukeroku (porque esse o puxou para trás), ele nem teria pensado então e mirou direto na criança, confiante de que seu irmão e amigo salvaria a Miyokichi – ou, no mínimo, delegando a ele essa tarefa.

      E ah, eu nunca quis dizer que Yakumo fosse egoísta no mau sentido. Ele é sim uma boa pessoa, e possui o egoísmo dos bons, daqueles que vieram de baixo, que passaram por poucas e boas, que se esforçaram por tudo o que tem na vida e continuam se esforçando porque nunca estão suficientemente satisfeitos consigo próprio. Pessoas assim pensam mais em si mesmas, antes em si mesmas, mas não é por não se importarem com as outras. É uma série de outras razões, desde auto-aperfeiçoamento até pura e simples preocupação com o futuro.

      Obrigado pela visita e pelo comentário =)

  2. Reescrevendo meu comentário: às vezes a própria autora da história também não planejou. Eu pessoalmente concordo que o Kikuhiko salvou porque foi o que deu, na verdade. Falei de se considerar fraco em um nível “inconsciente” mesmo, mas é sabido que ambos também o dominam corporalmente então foi chute. Sukeroku não era fisicamente fraco mas também não era o Rambo, ele não teria força suficiente pra jogar o Kikuhiko no chão, segurar uma mulher e uma menina bêbado e esfaqueado. Eu acreditaria na ideia de que ele foi no impulso – é bem Sukeroku se jogar pensando “é minha mulher e minha filha, ou vão os 3 ou ficam os 3”. Talvez a grande pergunta que a gente deveria fazer é: por que ele não confiou no seu irmão no momento crucial, depois de perdoarem-se? Por que ele achou que seria melhor empurrá-lo e tentar segurá-las esfaqueado do que deixá-lo segurá-las? Rolou uma desconfiança. O grande mistério agora na minha opinião é a origem dessa desconfiança.

    • Fábio "Mexicano" Godoy

      Sua dúvida é bastante razoável. Claro que é preciso partir do princípio de que foi mesmo algo nesses termos que aconteceu: Sukeroku viu a esposa caindo (e a filha quase), e quando o Yakumo tentou ir salvá-la ele o puxou e passou na frente por não acreditar que ele tomaria a decisão que ele gostaria que tomasse. E bem, se você e o Kondou estão certos e o Yakumo já havia se decidido pela criança mesmo, Sukeroku fez bem em desconfiar, não é? Mas de fato pode haver um motivo mais profundo para essa desconfiança.

      Por outro lado, se desimpedido, por que Yakumo não tentaria salvar Miyokichi? Se partirmos do pressuposto de que ele verdadeiramente a amou, isso não faz sentido. A não ser que ele não a amasse. A não ser que todas as suposições construídas com base nisso até agora estejam erradas. A não ser que a Miyokichi que ele viu enquanto infartava fosse mesmo uma assombração, uma vingança (no sentido figurado), e não um arrependimento.

      E temo que o anime vá se encerrar sem esclarecer qual era o caso. Mas quem já leu Dom Casmurro e gostou não se importa com isso, né?

      Obrigado pela visita e pelo comentário! =)

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