Quando um imenso portão se abre no meio do Japão, ficção e realidade são colocadas mais uma vez lado a lado. Esse anime me traçou um perfil muito interessante do que geralmente (historicamente) acontece quando dois mundos com poderios desproporcionais se enfrentam. Só que com um prazer: muito bem animado.

Nessa trama, um viciado em cultura otaku (e militar) se depara em uma conturbada batalha com criaturas das mais variadas. Logo antes do meio desse episódio inicial, o protagonista já tem um diferencial da maioria: ele é capaz de matar se for preciso (a cena do minuto 8 ficou bem interessante).

Durante a incursão das criaturas pelas ruas do lado de cá, ele se destaca muito no auxílio e até certo gerenciamento estratégico de como lidar com aquela situação bizarra, o que lhe confere o título de “O Herói de Gimza” (que estava muito mais preocupado com a promoção de doujinshi que ia perder/que perdeu).

As interações com personagens e afins foram poucas, mas construídas com maturidade, dando leveza a uma narrativa potencialmente séria. Por outro lado, o constante alívio cômico (aviso logo: vai aumentando bastante ao longo da série) auxilia o telespectador a se manter atento na medida certa ao que vai acontecendo e às eventuais pistas deixadas.

Algumas estratégias narrativas também foram sabiamente utilizadas e manipularam a minha percepção de passagem temporal. Tudo para garantir que ao fim desse primeiro episódio, muita coisa acontecesse (da forma mais natural possível) e se iniciasse o que todos queriam ver de fato: a galera entrando no outro mundo com tanques de guerra e helicópteros.

Depois desse início, o personagem principal é designado para liderar um grupo de exploração nesse universo desconhecido. Essa parte 1 (composta pelos três primeiros episódios) ambienta a trama e apresenta as heroínas e suas personalidades.

Olhando mais de perto, dá pra perceber que a cada cena (ou intenção de cena) o autor dialoga com a dicotomia bem e mal; certo e errado; humano e monstro; real e fantasia… partindo disso, o anime não apenas fica muito mais gostoso de assistir como muito mais belo de se apreciar.

O universo em questão é gerido/centralizado por uma unidade de poder monárquica numa capital distante dos conflitos. Seu rei (um personagem que poderia estar facilmente em Game of Thrones) é espertinho o bastante pra usar o que for preciso pra se manter no poder (virou um estudo sobre Maquiavel…).

Além disso, a trama opta por colocar seus valores em propostas sutis, mas muito bem pensadas. A materialização, na figura de um arco, da desvantagem/desproporcionalidade de forças entre os exércitos é um excelente exemplo do timing muito lúcido do diretor.

Outro caráter excepcional do anime reside no fato de não cometer a besteira (como outros tantos) de se esquecer da geopolítica do negócio. Eventos dessa magnitude trazem consequências globais que devem ser retratadas e ao fazer isso colocam a trama em mais um nível de profundidade realística (ou pelo menos de metassimilhança) muito mais agradável e tenaz aos meus olhos.

A equipe liderada pelo protagonista (sim, não sou bom com nomes então podem esquecê-los… pensem nisso como um exercício interpretativo) logo começa a se mobilizar na direção de um desafio local pra mover a narrativa para uma malha mais próxima da simpatização e desfocá-la de grandes eventos que não geram empatia em quem assiste.

A forma como a comunicação deficiente entre eles é tratada é bem estranha, mas eficiente. E serve muito mais como um reforço periódico da dialética escancarada do que para qualquer outro propósito: “Todos que vimos pareciam bem humanos”.

Ao longo dessa primeira parte, as heroínas vão nos deliciando com suas atitudes genéricas transvestidas de muita perspicácia e originalidade do autor. Temos: a loli gótica, que pode ser lida como alguma beata superpoderosa; a maga serena, que pode ser lida como o confronto entre ciência e magia; a elfa: que pode ser lida como a inocência e a perseguição inerente a alguns; a médica (sim, considero ela como uma possível interação mais forte), que pode ser lida como a lucidez e o freio dos impulsos carnais do protagonista otaku.

As quatro (por enquanto)

A essa altura você pode estar pensado: certo, é legal e tals, mas o que isso tem de diferente e merece estar aqui…? E a resposta pra isso eu te dou em dois exemplos que elevam os temas trabalhados e os traduzem em valores para o nosso lado da tela:

Por tudo isso que a gente conversou não restam dúvidas de que essa primeira parte (episódios 1, 2 e 3) merecem a maior nota que eu já dei aqui no Anime21: 4,5 estrelas. Se você ficou curioso e quer saber mais sobre esse excelente retrato da humanidade: informações adicionais.

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