Centaur no Nayami – ep 10 – O que é arte
Uau. Fazia tempo que eu não tinha um bloqueio desses. O artigo está atrasadíssimo, o próximo episódio sai no mesmo dia em que ele está indo para o ar, e francamente eu ainda não me sinto seguro para escrevê-lo, mas tem que sair.
Graças em grande parte à animação horrorosa que esse episódio teve (vou dar alguns exemplos nas imagens do artigo), o que é irônico quando considera-se que ele lidou com o tema “arte”, mas também por causa das histórias não muito inspiradas (principalmente depois do incrível episódio 11), considero esse o pior episódio do anime até agora. Mas não foi por isso que eu não consegui escrever o artigo antes; já escrevi sobre episódios piores de animes piores. Uma coisa boa de episódios ruins é que eles permitem bastante liberdade em seus artigos – posso esculhambá-los, posso me limitar a listar seus problemas, ou posso até escrever sobre qualquer coisa que me der na telha com pouca ou nenhuma relação com o episódio. Arte é, hoje, um tema quente no Brasil. Acho que nem escolhas políticas (e nem falo dos escândalos, falo da política honesta, do dia a dia) que o país costuma fazer jamais me deixaram tão triste. Cultura importa.
E vem esse maldito episódio falar de arte? Um presente de Deus ou do Diabo? Como se eu acreditasse em algo assim para poder me confortar com isso. Quero escrever sobre o episódio, mesmo ele tendo sido medíocre. Quero aproveitar a deixa que ele me deu para dizer uma coisa ou duas que eu penso a respeito de arte e que tem a ver com a gritaria que varreu a internet como fogo e enxofre. E fazer tudo isso sem ficar político demais ou fugindo demais do episódio. Foi isso o que amarrou minhas mãos por dias. Não sei se consegui. Leia e me julgue, por favor.
Nesse décimo episódio de Centaur no Nayami as duas esquetes são histórias paralelas que se cruzam durante a parte mais importante delas: a visita a um museu de arte. Sassassul foi ao museu com um colega de classe e foi perseguida por Hime, Kyouko e Nozomi. Do outro lado, Manami sai com uma colega de classe chamada Omaki para visitar esse mesmo museu. A primeira história foi boba e serviu para a maioria das piadas do episódio: a tensão enquanto Sassassul e seu colega passavam em frente a um motel (e tinha uma piada extra no mangá com os nomes dos motéis), a Kyouko ficando frustrada porque a Sassassul não entrou no motel, a quantidade absurda de grupos de inteligência perseguindo a garota – e a preocupação de uma funcionária do governo japonês de que Hime e companhia fossem terroristas, e as principais, a Hime admitindo sem querer no final do episódio que estava seguindo a Sassassul e a antártica dizendo que já sabia que estava sendo seguida.
A segunda metade teve outras dimensões bem mais interessantes, como quase sempre é o caso quando a representante de classe está envolvida. O anime não deixou muito claro, mas todo o esforço da Manami (inclusive financeiro, comprando o livro oficial da exposição – essas coisas são caras!) só pode significar que ela não estava no museu apenas à passeio: ela foi lá estudar artes plásticas para ver se poderia, de alguma forma, ajudar seu pai. Ou entendê-lo melhor, não sei. A Omaki, por sua vez, gosta de verdade da amiga (romanticamente falando) e a acompanhou com prazer, e até tentou dar conselhos úteis no final. Será o sentimento recíproco? Quando uma colega de escola reclamou para a Manami que eles são, enfim, apenas adolescentes, ela ficou irritada e deu uma resposta atravessada para a garota. A Omaki disse essencialmente a mesma coisa e ela parece ter aceitado bem melhor. Bom, elas são amigas de infância de todo modo, suponho que isso ajude também.
Mas pobre Manami, não poderá ajudar em nada o seu pai. Ele gosta de pintar quadros fotorrealistas mas o mercado de arte não tem lugar para isso. Como a breve aula de história da arte dada durante o episódio deixou claro, a máquina fotográfica tornou a pintura fotorrealista obsoleta. Como o episódio não deixou claro, os artistas hoje em dia não estão buscando fazer coisas cada vez mais estranhas. Se a realidade conforme a vemos pode ser perfeitamente capturada por uma máquina, a arte deve então capturar outros detalhes da realidade, ou mesmo outras realidades. É daí que surgem obras abstratas que exploram apenas as cores ou apenas as formas. Ou movimentos como o surrealismo, que explora o mundo onírico, e o cubismo, que distorce a percepção para que o objeto da arte seja observado simultaneamente por mais de um ponto de vista. E eu poderia continuar listando e listando, mas acho que já entendemos que a arte não degenerou ou estagnou, e sim que ela evoluiu, e por isso não vemos mais coisas como a Monalisa ou A Criação de Adão. É por isso que os artistas hoje não pintam como Rembrandt ou Velázquez – para o desespero de Manami e o infortúnio de seu pai.
Ele pinta apenas porque ele gosta de pintar. E pinta apenas aquilo que ele quer pintar. Como bem lembrou a Omaki, se ele trabalhasse por comissão (pintando o que os outros pedem), poderia muito bem viver como ilustrador. Mas não só esse é um caminho difícil de todo modo (se você for ilustrador e estiver lendo esse artigo, não me deixe mentir, manifeste-se!) como, mesmo se ele estivesse disposto a tanto, não é como se sua técnica fosse das melhores. Tem muita gente que faz melhor e mais rápido que ele – e que provavelmente cobra mais barato porque não precisa sustentar uma família com isso. Fazer arte para vender é tão válido quanto fazer para si mesmo. Bem como por qualquer outro motivo: Picasso pintou Guernica para denunciar o crime de guerra cometido por alemães e italianos a pedido do fascismo espanhol. Artemisia Gentileschi, uma artista barroca, pintou várias telas ilustrando casos históricos ou mitológicos de estupro como forma de lidar com o fato dela própria ter sido estuprada. Nenhuma obra é mais ou menos arte a depender dos motivos e das circunstâncias de sua produção.
Eu queria ter feito ainda outro artigo, uma galeria com as obras de arte reais referenciadas nesse episódio, mas só consegui identificar O Nascimento de Vênus (Botticelli, 1483), A Noite Estrelada (Van Gogh, 1889), Les Demoiselles d’Avignon (Picasso, 1907) e Composição 8 (Kandinsky, 1923). Se tiver reconhecido mais alguma, diga nos comentários!