É com pesar e contentamento que começo a análise do último episódio de Re:Creators, um anime que vai me deixar saudades mesmo tendo problemas e passando longe de ser o melhor ou o mais marcante do ano de 2017. E isso por quê? Porque Re:Creators é uma história sobre a criação de histórias, e desde criança eu sou um aficionado por elas. Sendo escritas ou desenhadas, atuadas ou animadas, o importante para mim é que sejam histórias que me cativem e me façam refletir sobre algo. Esse anime conseguiu fazer isso em seus vinte e dois episódios, então primeiro falarei o que achei desse último e depois tecerei comentários sobre todo o anime em si. Co-criadores, peço pela última vez que embarquem comigo nessa viagem!

O episódio começa com todo aquele clima de despedida onde o conflito principal já foi resolvido e agora o que resta é apenas os personagens lidarem com as consequências disso. Novamente Re:Creators faz algo que sempre fez com primor: refletiu sobre algum aspecto de uma história. No momento em que a Hikayu fala que personagens de suporte também são importantes em toda história – personagens esses que são aqueles que sobreviveram – ela está não só usando de metalinguagem, como também reconhecendo o seu valor e o de seus companheiros, e convenhamos, a história poderia até ter sido boa só com a Altair e os personagens que ficaram pelo caminho, mas existiria um grande vazio sem bons personagens de suporte – como eles foram. Aliás, um dos pontos mais fortes de toda a série reside na força de seus personagens que mesmo quando não foram bem aproveitados conseguiram ter não só designs bonitos ou poderes legais, mas também um mínimo de profundidade e atitudes condizentes com seus status de protagonismo nas histórias das quais eles vieram.

Quando a cena e a legenda foram feitas uma para a outra!

Depois disso, o que se sucede são as despedidas entre criadores e criaturas, bons e leves diálogos que trazem um clima mais descontraído para o episódio. Por outro lado, o Sota ainda questiona o que ele fez, mas a Meteora novamente lança mão de um bom argumento e compreende até a hora em que é melhor ela parar de falar – aliás, mais para frente comentarei mais dessa personagem tão importante para Re:Creators. Por fim, ele consegue apaziguar seu coração em frente ao túmulo da Setsuna, um momento belo e simples que encerra o assunto sem exageros desnecessários. Pelo resto do episódio deu para ver que ele conseguiu seguir em frente aceitando as consequências de suas ações passadas – como alguém maduro deve fazer.

Bons personagens que tiveram um fechamento digno!

O que me surpreendeu mesmo nesse episódio foi a Meteora ter ficado enquanto os outros foram embora. Confesso que não esperava aquilo e adorei a explicação dada fazer todo o sentido. Aliás, essa explicação foi na contramão de um dos maiores problemas que vi nesse anime e, assim sendo, me fez reavaliá-lo – apesar de eu continuar achando que há esse problema e que ele foi realmente bem “problemático”. Mais à frente comentarei mais sobre ele.

Quanto a ela ficar no mundo dos criadores e se tornar uma criadora – sendo seu primeiro trabalho chamado exatamente Re:CREATORS – eu só posso dizer que achei ótimo! Confesso que esperava que ela pegasse o bastão de protagonismo da Selesia e derrotasse a Altair – apesar de ter gostado mais do desfecho dado –, ou que ao menos tivesse uma “recompensa” da história por ter sido uma personagem tão importante. Vendo ela ter a oportunidade de ficar no mundo dos criadores e ser uma criatura que se tornou um criador foi bem satisfatório.

Todo o anime a Meteora foi o cérebro das ações por parte do pessoal que queria deter a Altair, tanto que ela era a que mais falava, se estendendo em diálogos que muitas vezes irritaram o público da obra – alguns até a tomavam como chata –, mas a verdade é que ela foi sim uma personagem importante, e boa. O problema é que ela foi um tanto quanto “maltratada” pelo roteiro ao servir de “bode expiatório” para que as coisas acontecessem em prol do desejado por quem fez o anime, em prol de situações convenientes. O problema que citei mais acima está diretamente ligado ao pior defeito dela, o que na verdade foi um defeito geral do anime e ela por ser a cabeça pensante mais ativa teve que “pagar o pato” por ele.

Por fim, só posso dizer que achei o desfecho dela mais que merecido – até se formos pensar que ela veio de um jogo com história já fechada e que seu criador já havia morrido –, pois ela meio que não tinha nada para resolver na sua história original – salvar o mundo ou ficar com seu amor, etc – e, sendo assim, não teria problema em ficar no mundo dos criadores. Por outro lado, a Magane – que antes tinha aparecido com uma mala em um aeroporto – não ter sido nem procurada para ser enviada de volta foi meio estranho. Se pensarmos que ela já havia matado pessoas ela não deveria ter sido deixada à solta – ainda mais com o desaparecimento dos poderes que a Meteora citou. Considero isso um furo por não ter sido nem citado, mesmo com ela tendo ajudado a “reviver” a Setsuna. Mas no geral isso não estragou o episódio que teve um belo desfecho, encerrando um anime que já era pura metalinguagem com mais metalinguagem ainda – a cena da Meteora escrevendo o título!

Nessa hora eu fiquei muito feliz. Ela mereceu esse desfecho!

Para finalizar, só gostaria de citar mais uma coisa, de como gostei da sensação que o anime passou quanto ao quão é importante criar histórias para aqueles criadores. Criar histórias é aquilo que os sustém e mesmo com frustrações ou pesares eles não conseguem parar, eles continuam em frente porque é algo que está intrinsecamente ligado à natureza deles, faz parte de quem eles são, eles não conseguiriam ser felizes – ser completos – sem criar histórias.

Acredito que foi isso que os fizeram escrever histórias que cativaram o público japonês, que foram aceitas por ele – afinal, as histórias deles são algumas das mais populares na atualidade e por isso seus personagens puderam ganhar vida no mundo dos criadores –, e, de tal forma, fez todo o sentido eles demonstrarem toda essa paixão e devoção à criação. No fim esse episódio foi muito bom, assim como o anime como um todo ele mereceu as quatro estrelas – mesmo com os problemas que citei mais acima. Agora me despedindo da análise particular a ele, tecerei minhas impressões finais sobre o anime. Vamos a um apanhado dinâmico e geral sobre toda a obra Re:Creators.

Um final digno para um anime que me marcou pra valer!

Considerações finais

Como história que fala sobre a criação de histórias, Re:Creators foi bem-sucedido, pois a obra desde o princípio falou realmente disso. Não só quando tocava em detalhes que cercam a criação de uma história quanto a abordagem dos sentimentos das criaturas perante os seus criadores, seus próprios “deuses”. Algo que achei um de seus pontos mais positivos.

Explorar os sentimentos muitas vezes negativos das criaturas pelos seus criadores por terem dado a elas histórias tão duras e problemáticas evidencia um aspecto importante da maioria dessas histórias: elas eram sofridas. Tirando talvez a história da Mamika e da Hikayu, todas as outras envolviam perdas e grandes dificuldades para aqueles personagens e isso ajudou a construir a identidade deles dentro do anime. Isso ajudou a vislumbrarmos um mínimo de carga dramática pungente onde cada um tinha um background próprio e difícil que mesmo que minimamente acabou influenciando em suas atitudes e pontos de vista ao longo da obra. Valendo dizer que mesmo a Mamike e a Hikayu mostraram personalidade e maturidade indo um pouco na contramão do que normalmente se esperaria de uma protagonista de mahou shoujo e outra de eroge.

Tenho certeza que o evento ajudou a ter segunda temporada desse anime que eu veria!

Contudo, eles não se mantiveram totalmente fiéis ao character design e muitas vezes agiram de uma forma diferente da que agiriam se aquilo fosse escrito por seus criadores, exatamente porque agora eles não eram mais crias do destino, e sim seres com total consciência de si e autonomia em uma história e um contexto diferente ao qual estavam habituados. A partir do momento em que “ganharam vida” eles não eram mais somente “criaturas” limitadas por um “criador” e isso o anime fez questão de evidenciar com situações nas quais essa “independência” foi posta à prova. A própria Altair foi um exemplo interessante disso. E aliás, não ter feito “fanservice” com ela e com a Setsuna mostrando-as felizes onde quer que elas estivessem foi algo positivo desse episódio final, pois não era necessário. Toda a história delas se encerrou no episódio 21 e as pessoas por trás do anime entenderam e respeitaram isso.

A parte técnica do anime em si não teve grandes problemas, mantendo a qualidade da animação nos momentos mais importantes – tirando um ou outro cg ou uma ou outra deformação de design, etc –; uma trilha sonora marcante e que por ter sido usada de forma variada não se tornou enjoativa e caiu muito bem para realçar o que quer que se queria passar na cena; uma boa dublagem e outras tantas ótimas sacadas visuais desde bela fotografia a bons enquadramentos de câmera, entre outros aspectos que não acho necessários comentar aqui, mas que tornaram a parte técnica do anime um de seus pontos fortes. Não sendo impecável nem acertando sempre, mas mantendo uma consistência acima da média para um anime de TV.

Confesso que acho o plot dessa história um dos mais interessantes entre todas as desse anime

Outro ponto positivo da obra foi exatamente seu começo – para mim o primeiro episódio dela foi a melhor estreia do ano, ao menos até agora, e o segundo foi muito bom também –, exatamente seu meio – aquele recap foi excelente, eu nunca vi algo igual por aí – e exatamente sua reta final – todo os últimos seis episódios para ser mais exato. Adicionando a morte da Mamika e o upgrade da Selesia tivemos os melhores momentos do anime, o que daria mais ou menos metade de seus episódios. O problema reside exatamente na outra metade que destacou demais os pontos negativos da obra, sobre os quais falarei mais agora.

Excesso de diálogos para um anime que inicialmente se vendeu muito pela ação, suposições que logo eram tomadas como verdades sem a demonstração ou explicação clara de como tal hipótese se mostrou certa. Aliás, foi exatamente esse o problema diretamente ligado a Meteora, já que várias das coisas que ela supôs como verdade não foram melhor trabalhadas pelo roteiro para acharmos que era realmente aquilo, não houve uma sensação de “tentativa e erro, tentativa e acerto”, ela apenas meio que acertou tudo o que supôs, o que é forçação de barra até mesmo para os personagens mais inteligentes de uma história. Situações convenientes demais para o roteiro. Desde a ida das criaturas para o mundo dos criadores a Mamika dizer suas últimas palavras exatamente para a Magane, o que foi o gatilho para o que aconteceu no episódio 10, e uma personagem de uma história que não envolvia super poderes e ação aparecer lá pelo final do anime, como que numa tentativa de “consertar” só haver personagens de histórias de ação, entre outras coisas convenientes até demais – isso, ao meu ver, foram claras forçações de barra para que as coisas ocorressem como se queria.

Outra obra que eu acompanharia sem sombra de dúvidas! Um “seinen” por excelência!

Somemos a isso um anime onde metade dos episódios têm diálogos demais – a maioria desses diálogos até foram bons, mas mesmo assim isso cansou em alguns momentos – e ação de menos para um elenco de personagens com poderes que favoreceriam a batalha e temos muita preparação, muita enrolação, uma sensação muito grande de acomodação até que algo realmente acontecesse. Entendo que isso se deveu ao que a Meteora falou sobre o uso daqueles poderes ser perigoso para o equilíbrio do mundo, mas que procurassem uma forma de equilibrar e distribuir melhor a ação. Tanto que os melhores momentos de personagem se deram exatamente em meio a situações conflituosas, lutas e mortes que extraíram o melhor do que as criaturas tinham a oferecer para a história.

No final, Re:Creators pecou quanto à forma como executou seu roteiro, sendo um anime muito movido a grandes momentos que destonaram um pouco do resto da obra. Não houve uma regularidade, algo que aprecio mais que grandes finais ou começos frenéticos. Nem todo episódio foi ao menos bom. Em compensação, houve uma enxurrada de episódios muito bons principalmente perto do final, que foi o que fez esse anime não se perder por completo e não ser um fracasso. Se por um lado ele foi bem-sucedido em falar sobre o que era a criação de histórias por outro ele não foi assim tão bem-sucedido como história em si.

Um spin-off mais que merecido para uma personagem tão boa!

Sei que uma coisa estava inevitavelmente ligada a outra, mas, ainda assim, elas poderiam ter sido melhor estruturadas de forma a apresentar um equilíbrio maior. Por fim, mesmo com tudo isso, o saldo é positivo, pois se você tiver paciência para aguentar os 11 episódios medianos, no máximo bons, intercalados a 11 episódios muito bons, ou excelentes, você deve tirar algo de bacana dessa história. Algo que cative, que divirta e que faça refletir sobre algum aspecto da sua vida e/ou sobre a própria ação de criar uma história. Os lados positivos e os lados negativos, as nuances ou o big picture relativos ao ato da criação.

Só uma última coisa, eu senti falta de uma explicação mais bem trabalhada sobre o que fez as criaturas ganharem vida naquele mundo. Sei que o gatilho para tudo isso foi a morte da Setsuna e a Altair ganhar vida, mas o que fez a Altair ganhar vida em primeiro lugar? O que seria aquele tal pilar do qual a Meteora tanto falava antes? Até onde lembro nunca houve uma explicação razoável sobre isso, sobre como personagens foram capazes de sair de suas histórias e parar no mundo de seus criadores, sobre o que exatamente possibilitou isso. Não que fosse algo extremamente necessário, mas acredito que definir coisas como essas e explicar um padrão para a aparição das criaturas, ou a ausência de uma, teria me feito ter uma impressão diferente quanto a conveniência do roteiro – que muitas vezes foi o que fez a história andar para frente, o que não é bom de todo modo. Aliás, em certo momento da história a Meteora passar a conseguir fazer coisas que a Altair fazia, também foi algo que poderia ter sido melhor explicado pelo roteiro, mas que, infelizmente, só foi citado e tivemos que engolir assim mesmo. Sei que teve o fator da aceitação do público, mas acredito que nem tudo dependia somente disso.

Eu daria tudo para ver esse crossover!

Para finalizar, acho que, infelizmente, Re:Creators não se tornará um daqueles animes que resiste ao “teste do tempo” e se mostra um referencial – até um divisor de águas em certos casos – em algum aspecto. Gostaria que fosse, mas temo achar que ele não foi tão bom para isso. Mas isso é algo que, como eu disse, só o tempo irá dizer, só o tempo pode mensurar a importância e relevância dessa história para o meio cultural no qual foi produzida. Ainda assim, celebro ter visto esse anime, pois o achei uma obra muito boa, apesar de seus inúmeros problemas. Uma obra que vale a pena ser vista por qualquer fã de anime – ou de metalinguagem –, que indico principalmente para aqueles que, como eu, amam histórias e tudo o que envolve a criação delas.

Re:Creators celebra a criação como arte, como ato de sustentação, como ato até instintivo. E vocês que consomem das mais diversas histórias por aí são parte vital desse ciclo, vocês que, como já disse antes, não são só público, mas também co-criadores dessa e de tantas outras histórias. Celebrem a vida, celebrem a criatividade, deem valor a todas as formas de criação!

  1. Excelente análise, concordo com o que vc diz sobre as qualidades da obra e discordo sobre os defeitos e também da afirmativa desse anime não ser nem o mais marcante do ano. Um anime espetacular, premissa muito usada mas também desconstruida, roteiro excelente diálogos ótimos e na medida certa, ação na medida certa. Pra mim uma das melhores obras do ano (filmes, séries, etc) e top 5 anime de todos os tempos pra mim (mesmo nível de full metal alchemist).

Comentários