O episódio 8 dá continuidade ao arco Peter e é, até o momento, um dos mais melancólicos de Amanchu!. E o espectro de um elemento que viria a compor a fantasia, que surgiu no episódio anterior, não se confirma, que é o do sinistro, com a possibilidade de Peter ser uma espécie de fantasma maligno  – um “fantasma nojento” como acusa Katori-sensei – que rouba (ou aprisiona) vidas que desejam eternizar um evento feliz, viver eternamente dentro de um “agora”. Mas a Terra do Nunca, onde Peter é o senhor do tempo, localiza-se no mundo dos sonhos e está prestes a encontrar o seu fim. Ane- chan e a jovem Mato Katori encontram-se nesse mundo, gerando questões que provocam dúvidas sobre a mistura entre o real e a fantasia no anime, e a respeito do quanto o realismo mágico acrescenta a Amanchu! nesta segunda temporada.

O episódio é movimentado por Ai Ninomiya, que parece alimentar um misto de curiosidade e fascínio pela figura de Peter. Como a única vez que a prática Ane-chan aproximou-se do amor foi no episódio 8 da primeira temporada, o mistério que cerca Peter e a segurança que demonstra podem ter feito a jovem mergulhadora se interessar vivamente por ele. E o aviso de Katori-sensei para que ela ficasse distante dele também pode ter acionado a vontade de desvendar o segredo por trás da experiência que acabara de viver. Ane-chan sonha mais uma vez. E, enquanto repousa, escuta Pikari e Teko conversando justamente sobre sonhos. Teko, a sonhadora profissional, dá dicas para Pikari sobre como tornar um objeto ferramenta para alguma ação.

Ane-chan-senpai no mundo dos sonhos. O mistério Peter em ação.

Ver Teko se destacar em relação ao imaginário causa reações contraditórias: é positivo vê-la à vontade naquele que é o seu território, o do sonho, onde controla todas as variáveis e agora pode compartilhar com Pikari, que o aceita sem contestação; e, por outro lado, a preocupação desse afastamento do cotidiano de sua amizade com Hikari Kohinata, do mergulho e do seu sonho de ser a parceira de sua amiga e de sua constante instabilidade emocional, com dias de conquistas e abalos no que concerne à ansiedade.

A jovem Mato Katori: encontro com o fantástico.

Mas Teko e Pikari são novamente personagens secundários. Agora, Ane-chan ao desejar encontrar Peter, depara-se com a jovem Mato Katori. O que nos conduz a algumas perguntas: Ane-chan está no sonho ocorrido no passado de Katori-sensei? Ou a professora sonha como adulta partilhando sua experiência com Ai? O fato de Peter se despedir dela após a confissão a entristeceu a ponto de ela passar a percebê-lo como um fantasma nojento? Dificilmente, será Katori-sensei sonhando em adulta, já que ela não tem boas lembranças de Peter. E esse fato traz mais uma dúvida, se a reconciliação entre Peter e Mato ocorreu graças a intervenção de Ane-chan ou se realmente o adeus de Peter a magoou a ponto de enfurecê-la.

A determinação e a sensibilidade de Mato-sensei já reconhecíveis na estudante sonhadora.

Mato-sensei, ou melhor, a estudante do ensino médio Mato-chan, tem uma forte ligação com Peter. É ela quem batiza o rapaz do sonho como Peter, por ser fã de Peter Pan, do escritor e dramaturgo escocês J. M. Barrie (uma peça teatral encenada pela primeira vez em 1904, que posteriormente foi publicada em livro, no ano de 1911). Essa referência à história do menino que se recusava a crescer reforça o poder do imaginário, algo que a mangaká Kozue Amano – autora de Amanchu! – faz em Aria, mangá predecessor e que já foi adaptado para anime, que é mistura de slice of life, ficção científica e fantasia. Porém, em Amanchu!, devido ao drama emocional de Teko e o cuidado com a atividade do mergulho, o realismo foi regra até o episódio 4 desta temporada. Apesar de não ser possível sentenciar que a presença do fantástico esteja completamente deslocada na série, o estranhamento a respeito de seu surgimento e de tomar sobrepor ao mergulho, não pode ser ignorado.

Quanto ao mistério de Peter, a jovem Mato-sensei revela a Ai que o mundo paralelo em que elas se encontram, é, na verdade, o sonho de um bebê abandonado em um templo e que um incomum fenômeno (não explicado) atraiu pessoas que estavam sonhando para esse mundo do bebê, que começou a crescer ao processar os desejos, saberes e memórias desses sonhadores, levando o seu mundo a se expandir. Talvez (arriscando especular) esse mundo seja a manifestação de um lugar perfeito presente no inconsciente coletivo e que pelo estado de sono surja como desejo de preservar na memória um momento de felicidade.

Peter, mistério e egoísmo do criador de um mundo prestes a desaparecer.

Mato-sensei encontrou Peter em sua formatura do ensino médio, ela não queria que a sua experiência como estudante chegasse ao fim. Peter apareceu com a promessa de eternizar essas vivências. O que a segura e realista adulta Katori-sensei desejava não perder na adolescência? A questão é que o desejo de não perder algo rela, concreto, é o “passaporte” para o aprisionamento de alguém à fantasia.

No sonho, Peter surge em um navio – numa espécie de inversão com o seu antagonista na obra de Barrie, o Capitão Gancho – e para alcançá-lo Ane-chan coloca em prática os ensinamentos de Teko. Mato e ela voam em vassouras rumo ao seu objetivo. Da conversa com Peter descobre-se que o mundo dos sonhos está com os dias contados, tomado pela água. No Japão, água escreve-se mizu, que é como uma energia de criação e destruição.

Mato-sensei ao divergir do plano de Peter para salvar o seu mundo, que é de trazer pessoas do mundo real para o mundo dos sonhos, vê Peter romper com ela, proibi-la de voltar a Terra do Nunca. Peter é uma figura infantil, egoísta, que não lida bem com a recusa. A preservação do seu mundo é o que importa. Apesar do desprezo demonstrando por Peter, a jovem Mato insiste em sonhar, até ter a chance de confessar seus sentimentos a ele e declarar que nunca o abandonará, mas o rapaz, feliz, limita-se a dizer adeus, deixando Mato e Ai atordoadas com o seu gesto. O que será do mundo inundado pelas lágrimas de um bebê abandonado?

Mato e Ai diante do templo que guarda o bebê abandonado. Alguns passos em direção à desilusão.

Contudo, esse não é o fim. Ai ao acordar na escola Escola Yumegaoka, encontra Teko, Pikari e Makoto a observando dormir na escada do último piso. Ane-chan pergunta a Teko como ter a continuação do mesmo sonho, pois deseja retornar ao acreditar que a história está inacabada, que a despedida não foi realizada de maneira correta.

O mistério a respeito de Peter continuará a ser explorado no episódio 9. Sabemos que ele tentou recrutar pessoas para o seu mundo, já que abordou Ai para convencê-la a viver naquele instante perfeito de noite de Festival Cultural. Apesar da confissão da jovem Mato-sensei e do encanto de Ane-chan, ainda é possível que o enigma que ronda Peter não seja amigável? Ou Peter é um garoto perdido em busca de um lugar no mundo, fugindo da solidão, do abandono?

Não é tão convincente o modo como a fantasia chega às personagens Mato Katori e Ai Ninomiya, que sempre foram das mais centradas de Amanchu! E, principalmente, por Teko e os seus sonhos lúcidos não serem os condutores dessa aproximação com o fantástico e o sobrenatural. Mas ainda é cedo para julgar o que esse desvio (que como mencionado, está no mangá de Amano) representa para a história de Teko e Pikari.

Vale destacar a trilha sonora atmosférica – bela, dramática e com um toque de nostalgia – e a jovem Mato, que já exibe a determinação da professora que é a supervisora, conselheira e consultora do Clube de Mergulho da Escola Yumegaoka.

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