Tokyo Ghoul é um filme live action do mangá homônimo de enorme sucesso no Japão. Ele adapta só três volumes do mangá, mas é eficiente em dar um bom panorama do que se trata a obra, além de a história de Kaneki Ken ser recontada com personalidade. Há diferenças pontuais que a fazem ser sim instigante mesmo para quem leu o mangá, viu o anime ou fez os dois. É hora de ghouls no Anime21!

O icônico meio-ghoul do tapa olho está de volta!

Kaneki Ken é um ávido leitor, um universitário tímido que na primeira vez em que chama uma garota para sair dá o azar de ela ser um ghoul: o predador do ser humano. É assim que a trama se desenrola em Tóquio, explorando os pontos de vistas do predador fisiológico – o ghoul – e do predador social – o humano.

Kaneki acaba entre esses dois mundos, pois é alguém que pode transitar mais facilmente entre eles, mas, principalmente, é capaz de se colocar no lugar dos dois, compreender os diferentes tipos de sofrimento pelos quais cada um passa. Só que para isso o jovem precisará destruir o mundo.

E o que é destruir esse mundo senão sair de dentro do ovo, quebra uma casca que nos afasta daquilo que é real, visceral, imprevisível?

Rize já no início trouxe um ar grotesco do qual o filme precisava.

É ao interagir com ghouls que Kaneki passa a entender melhor uma inverdade sobre eles. Eles não são monstros, não pela excelência da palavra, afinal, ao menos os que ele conheceu buscam viver harmonicamente em sociedade; não atacam se não forem atacados, não disseminam o ódio por saberem as consequências disso.

É ao trabalhar no Café Anteiku e passar a ter contato com ghouls e a se importar com eles, como se importaria com qualquer humano com o qual tivesse proximidade, que o estudante sente na pele como a vida de um ghoul é difícil, como a fome é dolorosa, como eles têm que se esforçar de várias formas só para poder viver no meio dos humanos.

Algo importante para tornar visceral essa dificuldade, a ruptura entre o humano e o ghoul, é a forma como a fome e a alimentação são representadas. O que é normal para os humanos é o anormal para os ghouls e vice-versa. Comer um hambúrguer ou uma comida caseira é uma experiência dolorosa, a qual, inevitavelmente, o ghoul terá que se prestar se quiser passar entre a multidão sem suspeitas.

O quão isso era absurdo para o Kaneki dias antes dele mesmo ter que passar por isso e ser obrigado na marra a aprender a se colocar no lugar do outro? E não só isso, a forma visceral; com direito a ávidas dentadas em todo tipo de comida, alimentação forçada e vômitos quando preciso; como retratam tal dificuldade é um acerto do filme. Não tentam poupar os atores de cenas “nojentas” e nem deveriam.

A fome que não é uma necessidade, é um lance de “sorte”, mas, principalmente, uma escolha.

Isso é algo que foi tão bem retratado quanto no mangá e no anime. No geral o filme é bastante fiel a história original, entregando mais mudanças pontuais no que se refere a forma, até pela necessidade de dar mais dinamismo a narrativa.

Entretanto, não achei todas essas pequenas mudanças boas, e há um exemplo pontual disso: a luta do Nishio contra o Kaneki. Ninguém ouviu todo o barulhão que eles estavam fazendo? E a bagunça que ficou depois? Tudo acontecer na rua – como no mangá – faz mais sentido, mas esse é um problema menor, e as outras alterações têm pouca influência na narrativa.

O aprofundamento dos personagens chave desse filme foi bem feito, eu só senti falta de algo como uns flashbacks para explicar melhor as circunstâncias de personagens como o Amon, o Mado e a Touka, o trio que ao lado do Kaneki protagoniza esse longa.

Imagina essa cena com efeitos especiais de ponta?

Em compensação, o drama da garota, Hinami, que perdeu os pais e, mesmo assim, não quis dar progressão ao ciclo de ódio foi mais que bem-feito, pois ele é o exemplo perfeito de como a justiça dos caçadores de ghouls é lotada de furos, já que parte do pressuposto de que o ghoul é um monstro e não merece qualquer simpatia ou respeito, quem dirá os direitos inerentes a qualquer ser humano.

Sim, eu sei que ghouls não são seres humanos, mas virar a cara para eles e tratá-los apenas como alvos de extermínio é mesmo o melhor caminho? Não é como se todos os ghouls fossem assassinos por natureza, além de que um não deveria pagar pelos pecados de toda uma raça. A justiça dos pombos é distorcida, porque o mundo é e – diferente do que o Amon fala – isso não é culpa dos ghouls que não escolheram nascer “diferentes” – ao menos não é só deles.

O jeito como os núcleos vão progredindo em paralelo é bem interessante, e outra qualidade do filme é justamente o seu elenco e a atuação dele. Elogio principalmente as atuações de Kubota Masakata e Shimizu Fumika, respectivamente o Kaneki e a Touka. O amadurecimento do protagonista fica visível a cada experiência pela qual ele vai passando e ela não é tsundere como a personagem do mangá, há um cuidado em deixar a personalidade dela mais palpável.

E além deles, Sakurada Hiyori, a Hinami, e Aoi Yuu, a Rize, têm atuações consistentes que entregam o que é preciso. Uma traz uma boa dose de insanidade a trama, a outra vai bem nas cenas dramáticas. Mas a Rize não é caracterizada como uma vilã louca e nem a Hinami como uma pobre coitada acrítica.

Não foi difícil me sensibilizar com essa cena.

Aliás, a caracterização e ambientação do longa são boas – não há nada que ficou tão deslocado em comparação ao mundo real. Até mesmo os efeitos especiais são bons, ao menos para o padrão japonês. Eles conseguiram passar a impressão de que kagunes são órgãos vivos; que pulsam, emitem calor, passam do estado liquido para o sólido.

Há cenas de ação boas no filme, principalmente a última que difere mais do original, sendo mais longa e justificando o trecho de treinamento dos protagonistas. Como é um filme um clímax era necessário e investir em ação para fechar o arco narrativo do Kaneki foi proveitoso, afinal, era ele quem ainda não sabia se controlar perante uma tentação e teve que superar o problema, passando por um momento de insanidade que, se fosse além, teria posto tudo o que ele estava defendendo a perder.

O ponto de vista dos investigadores do CCG não foi aprofundado, mas uma continuação foi anunciada e acredito que o Amon deve retornar para ela, não que isso valha de algo para essa análise, mas mesmo alguém que não conhece a história previamente deve ter percebido o que motivava a justiça cega dos dois; o ressentimento, a vingança. Com um questionamento desse modo de pensar motivado pelas ações do Kaneki acredito que esse núcleo dos humanos que caçam ghouls possa vir a ser melhor explorado.

A eterna disputa entre o instinto e a razão.

Se há algo que gosto desse arco, e isso foi trabalhado de maneira bem sutil, é o paralelo entre o Mado e os Fueguchi. Ele tinha esposa – okay, era viúvo –, tinha família, assim como o pai da Hinami, mas isso foi destruído por humanos, enquanto a família Mado foi destruída por ghouls. Foi esse o ciclo de ódio que a Hinami quis parar, mas, ao que parece, não conseguiu.

A paz foi momentaneamente protegida no Anteiku, mas até quando? O que importa é que o filme live action de Tokyo Ghoul foi muito bom, ainda mais porque souberam manter o que precisava ser mantido e alterar apenas o que não era tão relevante ou que ajudou a melhorar a experiência cinematográfica como um todo.

Não estranho que o filme tenha sido bem recebido tanto no Japão, quanto ao redor do mundo. Foi merecido. Indico ele tanto para fãs da obra, como para quem ainda não a conhece.

E quanto ao que é debatido de fundo? Não chegaram a qualquer conclusão, não deram respostas claras, a reflexão apenas foi proposta e é só o que deveria ter sido feito, pois vai ter continuação e é preciso de mais tempo para aprofundar o debate sobre quem está certo, quem está errado, ou se errados, ou certos, estão os dois – problema seria se ficasse só por isso, aí sim o que queriam discutir ficaria pela metade, sem ter uma conclusão.

Espero que tenha curtido essa resenha de live action, e que fique de olho nos próximos artigos dessa coluna. Escreveremos não apenas sobre adaptações de anime e mangá, como também sobre filmes e curtas metragem “normais”, seriados de dorama, minisséries, tokusatsus, etc. Tudo a fim de tornar o Anime21 um blog com um conteúdo mais diversificado e interessante para o público. Até a próxima!

Que o segundo filme seja tão ou mais afiado quanto esse primeiro foi.

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