Rakudai Kishi no Cavalry – ou Rakudai Kishi no Eiyuutan – é uma light novel que está sendo lançada desde 2013, de autoria de Riku Misora e ilustrações de Won. A obra foi adaptada para um mangá de 11 volumes – cobrindo os quatro primeiros volumes do livro –, enquanto o anime de 12 episódios você encontra disponível no Crunchyroll – esse já adaptou apenas os três primeiros volumes do original.

A história da obra remete a uma academia de estudantes mágica, premissa de light novel que tem sido muito popular nos últimos anos; como ocorre em Mahouka Koukou no Rettousei, Gakusen Toshi Asterisk, Saijaku Muhai no Bahamut, etc; e que, apesar dos clichês e do fanservice apresenta qualidades que tornam a leitura prazerosa e indicável. O conto “d’O Pior” que vira “O Melhor” dá as caras no Anime21!

É verdade que Rakudai começa com um dos clichês mais bobos que podem ser lidos nas light novels contemporâneas, o herói encontra a heroína semi-nua e os dois lutam para só assim se aproximarem, além de já de cara entregar fanservice.

Mas se você suportar um começo questionável já no primeiro capítulo verá que a história tem mais a oferecer, afinal, seu protagonista, Ikki Kurogane, é estudante da Escola de Magia Hagun e um candidato a Blazer – uma espécie de Cavaleiro Mágico que luta com o aparato de um Dispositivo – que derrota Stella Vermillion, uma Princesa de outro país que veio ao Japão para se graduar como Blazer.

Até aí tudo okay, o problema é que ele é taxado como sendo um fracasso – seu rank é F, o pior possível para um Blazer – e Stella como prodígio – afinal, seu Rank é A, o melhor para um Blazer. Mas, repito, eles só são “taxados”, nem tudo é o que parece nessa história.

Ikki Kurogane pertence a um clã que tradicionalmente forma guerreiros poderosos, mas em uma era de Cavaleiros Mágicos que têm o potencial medido pelo nível de poder mágico e não pela habilidade em batalha; ele que tem uma ridícula quantidade de magia sai atrás de todos e vai quebrar barreiras impostas pela própria família e pela sociedade se quiser realizar seu sonho de se tornar um Blazer.

A simples, e incômoda, ideia de que uma limitação define toda as possibilidades para uma vida é o que move essa história. Como você se sentiria se dissessem que você é completamente incapaz apenas porque teria que tomar uma rota diferente dos outros para realizar o mesmo que eles?

Se o Ikki não tivesse nascido em uma casa de prodígios talvez fosse apenas alguém normal nessa sociedade, mas o preconceito e a negligencia familiar, porque ele era considerado “incapaz”, moldaram o Cavaleiro que quer provar a todos, e claro, a si mesmo, que é capaz sim. Contra todas as possibilidades e previsões.

É aí que Stella Vermillion entra nisso tudo, ela que também foi taxada em seu país, mas como o gênio que foi abençoado com talento e não teve que se esforçar para ter tudo, quando, na verdade, ela fez muito para chegar aonde chegou. Não foi só talento, nunca é.

Sabendo disso, a garota quis quebrar a gaiola de “gênio” na qual ficaria presa se não saísse de sua zona de conforto e por isso foi até o Japão e lá ela encontrou o “The Worst One”, O Pior Cavaleiro da Academia, conhecendo alguém que, assim como ela, valorizava o esforço acima até mesmo do talento e também seguia na contramão do que a sociedade taxou a ele.

A situação da Stella é radicalmente adversa a de Ikki, mas os valores deles são os mesmos, não à toa logo os dois se tornam amigos, admiram os esforços um do outro e também se consideram rivais. A relação dos dois é bem construída e o motivo para se respeitarem é coerente, se valendo tanto das semelhanças, quanto das diferenças para desenvolver o que virou namoro.

Eu acho que a adaptação para anime ficou até melhor do que a light novel nesse quesito, mas não há do que reclamar sobre a escrita dinâmica, mas aprazível, de Riku Misora; exceto talvez pelos clichês e o fanservice que é bastante exagerado em alguns momentos.

Eu encaro isso de uma forma um pouco leniente se a premissa é boa e bem executada, se tais trejeitos de forma não agregarem nada e muito menos atrapalham no conteúdo – na profundidade – que a narrativa quer emplacar por meio de suas páginas.

Na verdade, no caso de Rakudai vou além. A tosca relação de escravo e mestre que a “faceta tsundere” da Stella tenta forçar em certos momentos é sim desnecessária para a trama, mas o “amor incondicional” da Shizuku, a irmã mais nova de Ikki, não.

Sim, beijar um irmão de sangue na boca não ajuda a ver com bons olhos essa relação, mas dado o contexto de quase abandono que o Ikki criança sofria na casa dos pais e a impotência que a Shizuku sentia, não acho inconsistente ela querer dar um amor ao irmão que ela achava que ele nunca poderia ter de outra forma.

É inocente e bobo, mas não é como se a Shizuku fosse extremamente madura nesse aspecto. Porém, ela também não é imatura e só isso, o que pode ser visto pelo modo como ela abraça sua colega de quarto Alice, Nagi Arisuin para quem não a conhece de verdade, uma mulher trans madura que contrasta como colega de quarto da pequena, ousada e talentosa Shizuku.

Apesar de eu achar meio tosca a maneira como o Ikki e a Stella encaram a identidade da Alice em um primeiro momento, não posso dizer que achei a representação ruim, afinal, o Japão – e aliás, o mundo todo – ainda é bem retrogrado quanto as diversas nuances da identidade de gênero.

Ao meu ver já bastou os protagonistas não demonstrarem preconceito – o que não bateria com personagens que querem combater isso –, tanto é que isso fica de lado depois desse primeiro encontro e isso é apropriado já que o foco deveria ser dado a um desafio dos protagonistas.

Esqueci de comentar, mas é claro que o Ikki tem um diferencial que o fez vencer a Stella não apenas pela pura sorte. Ele poliu sua esgrima até um alto nível, além de copiar as técnicas dos adversários e estudá-los nos mínimos detalhes e ter ele mesmo uma técnica mágica forte, só que com “ressalvas”.

O Ittou Shura de Ikki é uma técnica que combina demais com alguém que tem pouco, mas pode usar esse pouco, deve usar esse pouco, para conseguir muito. A técnica de reforço físico e cognitivo usa a mana do garoto ao máximo dentro do curto período de um minuto, o transformando em um asura – um literal demônio. Essa técnica pode até parecer suicida, mas escancara essa esmagadora diferença de talento entre ele e seus colegas e como ele está disposto a superar seus limites para compensá-la.

É aí que entra o Festival das Sete Estrelas – competição colegial cujo ganhador é elevado ao status de estudante Blazer mais forte do Japão. Já que Ikki é tão limitado por sua magia que não tem como se graduar apenas com a pontuação que suas habilidades mágicas o proporcionam, a diretora – Kurono Shinguuji – da Academia Hagun o impõe somente uma condição para se formar: vencer o Festival das Sete Estrelas. Para isso ele e seus colegas precisarão enfrentar batalhas seletivas dentro da escola e é aí que o clímax do livro é bem moldado, afinal, o adversário do Ikki na primeira rodada é apresentado de antemão em uma situação que tanto mostra na prática os diferentes aspectos da atividade de um Blazer, quanto “germina” a semente do conflito para o leitor. Tudo para engrandecer o clímax a vista.

Sim, nesse meio tempo tem mais clichês e fanservice, mas a situação de risco de vida também serviu ao propósito de estreitar o laço entre os protagonistas mais rapidamente. A narrativa desse primeiro livro é toda muito dinâmica, muito rápida, não acontece tanta coisa que possa desenvolver o Ikki e a Stella, mas apelar para o ataque terrorista e a luta do Ikki como momentos-chave foi bem inteligente.

O Shizuya Kirihara é a espécie de bully mais desprezível com a qual você pode topar em praticamente qualquer escola de ensino médio do mundo. O prodígio preconceituoso adora humilhar o Ikki, agindo como a voz da sociedade em negativa a todos os esforços do garoto, como a voz de uma “razão” que, na verdade, é apenas a imposição da mediocridade, limitação de ponto de vista, imposta por aqueles que abominam quem faz diferente por não serem capazes do mesmo.

A reflexão sobre o tema é bem promovida ao longo das páginas da novel, e isso é algo que dá profundidade, que realça a mensagem que o livro tenta passar, a uma escrita simplista e cheia de trejeitos questionáveis de forma, mas não ruim. De forma alguma ruim. O fato do Ikki se sentir nervoso, ansioso, pressionado expõe a qualidade da escrita, que se preocupa em criar personagens palpáveis, falhos, com os quais o público pode vir a se sensibilizar com maior facilidade.

E o Ikki é assim, é praticamente impossível não torcer por ele em uma luta na qual ele tem a desvantagem e parece sorrir para o fracasso, pelo menos até a Stella agir, gratificando o esforço da narrativa em fazer esses dois personagens se aproximarem, se importarem um com o outro e compartilharem de um mesmo objetivo e da mesma filosofia de vida.

A confissão dela foi excelente, pois expôs não apenas o amor, mas os motivos que a levaram a se apaixonar pelo aspirante a Cavaleiro antes de qualquer coisa, além de ter sido a motivação que faltava a ele para ir com tudo atrás da vitória em uma cena final que ficou melhor no anime – trilha sonora, animação e dublagem favorecem muito cenas de ação –, mas não deixou de ter seu mérito na escrita, fechando muito bem uma light novel que se preocupou em conquistar o leitor primeiro com clichês, mas após esse primeiro momento, com o que há de mais legal a se ler em um livro: uma ótima história.

A light novel de Rakudai Kishi no Cavalry tem sim um primeiro volume muito bom e que é um “tapa na cara” da sociedade determinista que muitas vezes limita nossas aspirações e nos desmotiva a tentar fazer o imprevisto, o diferente. Ikki é um “Davi” que vai ter que derrotar um “Golias” por vez para realizar seus objetivos; e o que muitas pessoas são na vida senão isso?

Guerreiros que precisam dar um jeito se quiserem superar as maiores e mais diversas dificuldades a fim de conquistar algo, de ser alguém dos quais possam se orgulhar com a consciência tranquila de que tentaram tudo que podiam. Indico demais a leitura de Rakudai, pois é um romance promissor que confirmou ainda mais esse potencial no que o anime e o mangá adaptaram, e que acredito que pode ir além disso.

Até o próximo artigo!

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